Jornal Estado de Minas

Doença moderna

Você condiciona sua vida ao celular? Tome cuidado com a nomofobia

O avanço tecnológico é um dos fatores que contribuem para a dependência do celular (foto: Free-Photos /Pixabay)

Um quinto dos brasileiros não fica mais de 30 minutos longe do celular. É o que revela pesquisa da plataforma de mídia Digital Turbine. O hábito alimentado na relação com o aparelho pode se tornar um vício e levar o usuário a adoecer, de fato. A doença, já conhecida dos especialistas, ganhou o nome nomofobia, ou no-mobile, expressando um medo irracional de ficar sem a máquina, e que vem crescendo no mundo. A síndrome é também chamada de dependência digital, característica inerente à vida moderna, embora seja fruto do mal que qualquer exagero provoca.





O avanço tecnológico é um dos fatores que contribuem para essa dependência, como explica o psicólogo Davi Alves, professor do curso de psicologia da Faculdade Pitágoras. “A cada dia surgem aparelhos celulares com as mais altas tecnologias, o que reforça a necessidade em estar sempre perto de um aparelho, pois nele se resolve tudo: trabalho, estudos, entretenimento e compras. Com isso, cria-se o hábito de estar no celular. A todo tempo, somos induzidos a adotar esse comportamento e, quando nos percebemos distantes do dispositivo, é como se deixássemos de viver ou de estar conectados com o mundo”, diz.
 
O estudo da Digital Turbine também aponta que 92% dos brasileiros fazem compras pelo celular e, desse percentual, 30% passaram a usar o aparelho ainda mais para aquisição de bens e serviços após o início da pandemia de COVID-19. O psicólogo Davi Alves ressalta que, apesar da comodidade, é preciso ficar atento aos sinais que indicam vício. “Quando a pessoa percebe que não está conseguindo fazer coisas que não estejam vinculadas ao uso imediato do celular, é bom ter atenção. Por exemplo, se a pessoa vai a um aniversário e tem a sensação de que ali está chato por ter que conversar ou se comportar de forma que não dependa do celular. Se estudando, namorando, comendo ou fazendo outra atividade e ao mesmo tempo olha o celular e verifica mensagens. Ou seja, quando existe um condicionamento da vida ao uso do celular.”
 
 
Não tinha percebido o quanto estou viciada em celular. É uma ansiedade de verificar todas as informações que chegam, de não saber o que está acontecendo nas redes sociais”

Ida Nuñez, locutora

'Interação' 

Levantamento do Google mostra que 73% dos brasileiros não saem de casa sem os seus dispositivos móveis. O uso exagerado pode ter diferentes consequências, tanto em termos de saúde mesmo, como pelas interações em sociedade, alerta Davi Alves. “Elas são diversas e na maioria das vezes terríveis quando nos lembramos de que somos uma espécie que vive em comunidade e, para que essa comunidade exista de forma sólida e saudável, é importante que seus membros se relacionem. Essa relação, em parte, pode ser até realizada via celular, mas o aparelho não responde às necessidades de relação que o homem precisa. Com isso, percebemos relações frágeis entre amigos, familiares, entre alunos e professores, entre relações amorosas”, afirma.





Se as pessoas preferem fazer uso do celular à interação presencial, estarão rompendo com um princípio, em que o viver em comunidade está sendo trocado pelo viver uma vida mais individualizada e com menos contato possível, ensina o psicólogo. Davi Alves pondera que o problema não é a tecnologia em si, mas a maneira como nos relacionamos com ela, já que o celular é um item quase que essencial para muitas pessoas para trabalhar e estudar.

Ele defende que o recurso seja explorado de forma saudável, como uma ferramenta de auxílio, e não uma dependência. “Quando a função de algo é clara para o sujeito, ele consegue estabelecer uma relação baseada em clareza. Se o celular é para trabalhar, é importante definir qual o horário de trabalho. Se for para estudar, limitar o horário de estudo. Se usado para manter relações afetivas, definir quanto tempo do seu dia será dedicado a isso. Quando temos clareza da função, melhor controle podemos exercer sobre esses comportamentos", salienta o psicólogo.

A psiquiatra Jaqueline Bifano destaca, entre os males da nomofobia, o engano que o usuário comete ao imaginar que, estando conectado todo o tempo, "participa do mundo" (foto: Leca Novo/Divulgação)

Atenção aos riscos 

Entre os sintomas característicos da nomofobia estão o hábito de verificar quase que de maneira obsessiva mensagens, e-mails e ligações; não conseguir desligar o aparelho nem no momento de descanso e sono; abrir redes sociais e conferir o que está sendo postado e curtido quase que a todo momento; irritabilidade por não encontrar lugar para carregar o celular fora de casa ou por estar em locais sem conexão wi-fi; e não conseguir se afastar do aparelho quando se está realizando outras atividades que não necessitam dele, explicita a psiquiatra Jaqueline Bifano.





“Entre os principais prejuízos que isso pode acarretar está o fato de não vivermos o presente, apesar de achar que, estando conectados todo o tempo, estamos participando do mundo. No fundo, não fazemos nem um, nem outro. Além disso, acontecem os transtornos de ansiedade, insônia e problemas de concentração", alerta.

A locutora Ida Nuñez, de 65 anos, percebeu a dependência em relação ao aparelho quando perdeu o aparelho. “Só me dei conta de que estava histérica no meio da histeria”, conta. Ela se refere a um episódio recente em que esqueceu o celular em uma loja e teve uma reação exagerada de pânico, como ela mesmo reconhece. “Tremia, tive falta de ar, taquicardia, não conseguia nem falar. Me fez pensar o que era isso, será síndrome de abstinência?".
 
"Quando nos percebemos distantes do dispositivo, é como se deixássemos de viver ou de estar conectados com o mundo”

Davi Alves, professor do curso de psicologia da Faculdade Pitágoras 
 
 
Passada a situação e depois de encontrar o aparelho, Ida Nuñez diz que não havia percebido que estava tão dependente do celular e que essa obsessão se agravou. “Não tinha percebido o quanto estou viciada em celular. É uma ansiedade de verificar todas as informações que chegam, de não saber o que está acontecendo nas redes sociais. Há alguma coisa que eu ainda não sei? Alguma novidade? Alguma repercussão daquele assunto?”, pontua. Porém, algo positivo é que ela consegue entender que se trata de comportamento irracional. "Pensando bem, se você não é um médico que precisa estar a postos no caso de uma emergência, como um paciente tendo um AVC ou uma mulher entrando em trabalho de parto, será que existe algo tão urgente assim?”, questiona.





Ida comprou um celular mais moderno, mas não se desfez do anterior. Pelo contrário, mantém os dois aparelhos na bolsa. A dependência chega ao ponto de ela se irritar se a bateria dos aparelhos se descarregar na rua. Quando a conexão com a internet estiver mais lenda em um deles, ela usa a outra máquina. “O celular já descarregou enquanto estava no percurso para casa. Parei em um café e, mesmo constrangida por não consumir nada, pedi para carregar o aparelho, pelo menos por 10 minutos. Senti vergonha, mas a sensação de ficar sem o celular é pior. O que poderia acontecer até que eu chegasse em casa? A dependência está além da minha vontade, e eu mesma fico chocada com isso”, admite. A locutora se diz surpreendida com a própria falta de controle e descreve a relação com o celular como um ciclo vicioso. “É algo que toma conta da gente. O que aconteceu na loja, por exemplo, me fez perceber como não consigo lidar com essa ansiedade”.
 
» HÁBITOS  ARRISCADOS

- Verificar quase que de maneira obsessiva mensagens, e-mails e ligações
- Não conseguir desligar o aparelho nem no momento de descanso  e sono
- Abrir redes sociais e conferir o que está sendo postado e curtido quase que a todo momento
- Ficar irritado por não encontrar lugar para carregar o celular fora de casa ou por estar em locais sem conexão wi-fi
- Não conseguir se afastar do celular até mesmo quando as tarefas realizadas tornam desnecessário o uso do dispositivo móvel



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