Um "boom" de novas tecnologias está revolucionando o campo da saúde mental em termos de entendimento e tratamento de transtornos como fobias, distúrbios alimentares e psicose.
Entre as inovações, a realidade virtual (RV) é uma ferramenta poderosa que proporciona aos indivíduos novas experiências de aprendizagem, aumentando seu bem-estar psicológico.
A realidade virtual imersiva cria mundos interativos gerados por computador que expõem os usuários a percepções sensoriais que imitam aquelas vivenciadas no mundo "real".
As pessoas encontraram novas maneiras de satisfazer suas necessidades sexuais e emocionais por meio da tecnologia; exemplos incluem a realidade virtual ou aumentada, os teledildonics (brinquedos sexuais que podem ser controlados pela internet) e aplicativos de encontro.
No entanto, as pesquisas sobre o uso da realidade virtual na terapia sexual ainda são incipientes.
A aversão sexual é a experiência de medo, repulsa e fuga quando há exposição a estímulos e contextos sexuais.
Um estudo holandês publicado em 2006 mostrou que a aversão sexual afeta até 30% dos indivíduos em algum momento de suas vidas.
E uma pesquisa recente com 1.933 pessoas em Quebec, no Canadá, conduzida por nosso laboratório, revelou que pelo menos 6% das mulheres e 3% dos homens sentiram aversão sexual nos últimos seis meses.
Estes dados sugerem que a aversão sexual é tão comum quanto a depressão e os transtornos de ansiedade.
Exposição e aversão sexual
As dificuldades em vivenciar a sexualidade com prazer, seja sozinho ou acompanhado, estão no cerne da aversão sexual.
Superar tais dificuldades envolve uma mudança de pensamento, reações e comportamentos em situações sexuais e românticas ao, por exemplo, se expor gradualmente a contextos sexuais apreensivos.
Descobertas recentes sugerem que a realidade virtual pode promover tais mudanças em situações da vida real, particularmente em indivíduos com função sexual insatisfatória ou histórico de trauma sexual.
Nossas próprias descobertas, ainda não publicadas, mostram que a realidade virtual pode ajudar com medos e ansiedades relacionados à intimidade.
Mundos imersivos e realistas gerados por computador em realidade virtual podem levar a resultados positivos para a saúde sexual, como ao aumento do prazer e bem-estar sexual, ao aliviar o sofrimento psicológico em contextos sexuais.
O tratamento da aversão sexual envolve a exposição controlada, progressiva e repetida a contextos sexuais que provocam ansiedade.
Estas exposições visam reduzir gradualmente o medo e a fuga do sexo, duas reações comuns a estímulos sexuais em indivíduos com aversão sexual.
Com este objetivo em mente, a realidade virtual oferece um meio ideal e ético de intervenção, uma vez que as simulações podem ser adaptadas a diferentes níveis de explicitude sexual e ser repetidamente experimentadas, até mesmo para contextos sexuais que seriam impossíveis ou inseguros de recriar na vida real ou em sessões de terapia.
Por exemplo, situações comumente temidas por indivíduos com aversão sexual, como abuso sexual, falha ou rejeição, ou se sentir preso a um encontro sexual, não acontecem de fato na realidade virtual.
A realidade virtual não só permitiria que eles superassem os medos, como também aprendessem novas habilidades sexuais para usar em situações do mundo real — habilidades que de outra forma seriam difíceis, senão impossíveis, de desenvolver.
Os indivíduos em tratamento poderiam então aplicar esses aprendizados a situações íntimas do mundo real.
Além disso, embora as mentes e os corpos das pessoas se comportem como se o ambiente virtual em que estão imersas fosse real, elas estão mais dispostas a enfrentar situações difíceis na realidade virtual do que no mundo real, porque estão cientes de que as primeiras são fictícias e, portanto, mais seguras.
Tratamento da aversão sexual
Em dezembro de 2020, coletamos dados que nos permitiram comparar indivíduos com e sem aversão sexual.
Os participantes foram imersos em um ambiente virtual que simulava uma interação íntima típica, que envolvia um personagem fictício engajado em comportamentos sexuais durante seis cenas.
Ao longo das cenas, os participantes foram gradualmente expostos ao flerte, à nudez, masturbação e orgasmo do personagem.
Nossas descobertas sugerem que a realidade virtual pode representar um caminho promissor para o tratamento da aversão sexual.
Em resposta à simulação, indivíduos com aversão e que evitam o sexo relataram sentir mais repulsa e ansiedade do que os participantes que não possuem aversão.
E quanto mais as cenas eram sexualmente explícitas, mais altos eram os níveis de repulsa e ansiedade dos participantes.
Esses resultados sugerem que o ambiente virtual reproduziu adequadamente os contextos da vida real que normalmente induziriam a aversão sexual.
Tratamentos futuros/futuristas
As opções de tratamento para pessoas com aversão sexual podem incluir exposição a contextos sexuais diversos e personalizados — por exemplo, rejeição, relação sexual, comunicação sexual, tentativa de abuso — por meio da realidade virtual.
Isso poderia ajudar a aliviar a angústia e dar suporte a encontros eróticos positivos e gratificantes em cenários da vida real.
As aplicações da realidade virtual na terapia sexual serão profundamente influenciadas pelos avanços na inteligência artificial.
Por exemplo, usando erobots (agentes eróticos artificiais) em ambientes virtuais interativos para simular encontros românticos e eróticos realistas, que muitas vezes são evitados por pessoas com aversão sexual.
Agentes virtuais também podem ser usados %u200B%u200Bpara desenvolver habilidades sexuais, explorar preferências sexuais e se reconectar ao corpo e à sexualidade.
Como a realidade virtual pode ser usada fora do consultório do terapeuta, ela pode ser incluída em programas de autotratamento para problemas sexuais.
Com a entrada no mercado consumidor de equipamentos de realidade virtual de alta qualidade e preços acessíveis, os futuros protocolos terapêuticos de realidade virtual em terapia sexual podem ser usados %u200B%u200Bno conforto e na privacidade da própria casa do paciente, promovendo autonomia e melhorando o acesso ao tratamento.
* David Lafortune é professor do departamento de sexologia da Universidade de Quebec em Montreal (UQAM, na sigla em francês) , no Canadá.
Éliane Dussault é aluna de doutorado em sexologia na mesma instituição.
Valerie A. Lapointe é aluna de doutorado em psicologia, também na UQAM.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!