Jornal Estado de Minas

BAIXA DE PLAQUETAS

Sexo e câncer: 'Eu me sentia com um cinto de castidade imaginário'



Quando Cait Wilde foi diagnosticada com câncer aos 17 anos, a vida sexual dela estava no fim da lista de coisas com o que se preocupar.

Porém, após o tratamento, quando ela estava pronta para ter uma relação íntima novamente, ela se deparou com dor, desconforto e vergonha — e não sabia muito bem como obter ajuda.





Aviso: esta reportagem contém temas adultos.

Cait, que mora na cidade de Manchester, na Inglaterra, tinha um tipo de câncer no sangue chamado leucemia mieloide aguda.

Ela descreve sua vida sexual antes do câncer como "agitada", mas, durante a quimioterapia, os médicos disseram que o sexo poderia ser realmente perigoso para a saúde dela.

Cerca de 46% dos jovens com câncer dizem que a doença afeta negativamente a vida sexual deles, em comparação com uma média de 37% nas outras faixas etárias, de acordo com um levantamento feito pela Macmillan Cancer Support, uma instituição de caridade britânica que atua na área de oncologia.





Quase 2,4 mil pessoas de 15 a 24 anos são diagnosticadas com câncer todos os anos no Reino Unido.

No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que 8,4 mil indivíduos de 0 a 19 anos tenham sido diagnosticados com algum tipo de tumor ao longo de 2020. Não existem dados específicos sobre o impacto dos tumores nos adolescentes brasileiros.

'Um cinto de castidade'

O tratamento deixou Cait com uma baixa contagem de plaquetas.

Ter um número insuficiente de plaquetas significa que, se você tiver até mesmo um pequeno corte ou rasgo na pele, como pode acontecer com frequência durante o sexo, o sangue não coagulará e a pessoa continuará sangrando.

"Eu me sentia com um cinto de castidade imaginário em mim", disse Cait ao Newsbeat, da BBC Radio 1, no Reino Unido.

Enquanto a adolescente assistia "com ciúme" seus amigos da faculdade saírem para encontros, ela lutou contra vários efeitos colaterais de sua doença e do tratamento — incluindo perda de cabelo, flutuações de peso e dores terríveis nos ossos.





Cait perdeu o interesse sexual durante a quimioterapia, mas, depois de um transplante de medula óssea bem-sucedido, "certos sentimentos começaram a voltar" e ela sentiu que queria ter relações novamente.

Porém, quando ela tentou se masturbar uma noite, sentiu "desconforto e dor".

'Me senti quebrada'

Cait não sabia na época, mas a quimioterapia e a radioterapia fizeram com que seu corpo entrasse num processo chamado "menopausa química".

Um dos muitos sintomas possíveis desse tipo de menopausa é uma atrofia vaginal, onde essa parte do aparelho reprodutor feminino fica mais fina e seca — o que torna o sexo desconfortável.

Mas ninguém avisou Cait que isso poderia acontecer, então ela se sentiu "no escuro".

"Eu pensei: 'Isso aqui não é tão divertido quanto eu achava que era'", relata.

Ela estava apenas começando a se sentir pronta para tentar namorar novamente, mas a experiência ruim fez com que perdesse, de novo, a confiança.





Cait começou a imaginar que precisaria explicar a qualquer pessoa com quem desejasse manter um relacionamento que não poderia ter relações sexuais.

"Eu me senti, de certa forma, meio quebrada. Isso me trouxe até um pouco de vergonha", diz.

Cait estava tão envergonhada que não falou com ninguém sobre o que tinha acontecido por meses.

Mas, eventualmente, ela descobriu "por acaso" que uma enfermeira no local onde tinha feito o transplante de medula havia montado uma clínica voltada à saúde feminina. Esse foi o local onde ela finalmente conseguiu obter apoio e aconselhamento.

"Ao final daquela consulta, saí muito mais confiante", lembra.

"Tive que redescobrir tudo, mas fui capaz de fazer isso com educação e com muito mais segurança."

'Eu me senti tão feio'

Jack Fielding achou muito "embaraçoso e estranho" pedir conselho à equipe de profissionais de saúde sobre sexo depois que foi diagnosticado com um tipo de sarcoma (tumor que afeta células das partes moles do corpo, como músculos, gordura, tendões, nervos e vasos sanguíneos).





Quando Jack, de Bolton, também no Reino Unido, perdeu o cabelo e alguns quilos durante o tratamento em 2019, ele sentiu que "uma parte de quem era" também havia desaparecido.

"Minha autoestima foi abalada", conta o jovem de 26 anos.

"Isso me fez sentir quase como um alienígena. Eu olhava no espelho e não me via mais."

"Ficar nu na frente de alguém naquela situação era um pensamento muito assustador para mim, porque me sentia muito feio."


Jack Fielding (à direita) acaba de descobrir que tem outro tumor e se preocupa com a possibilidade de o tratamento afetar sua vida sexual com o namorado, Liam (foto: Jack Fielding)

O Macmillan Cancer Support diz que os tumores podem afetar a vida sexual de alguém de várias maneiras, incluindo:

Especialistas avaliam que a terapia psicossexual tem poucos recursos nos sistemas públicos de saúde. A maioria das pessoas que precisam desse suporte acabam pagando por um atendimento privado.





"Passar pela puberdade e pensar sobre o bem-estar sexual já é difícil o suficiente. Mas, se você é um adolescente que vive com câncer, pode se sentir ainda mais solitário", diz Caroline Lovett, que faz parte de um pequeno grupo de terapeutas contratados pelo NHS (o serviço de saúde pública do Reino Unido) para atuar nas questões psicológicas que afetam os pacientes com câncer.

O médico Richard Simcock concorda que a disponibilidade de psicoterapia especializada é "muito irregular".

O especialista em oncologia e conselheiro clínico da Macmillan Cancer Support diz que, no caso do Reino Unido, o NHS se beneficiaria se tivesse mais especialistas para orientar sobre os problemas enfrentados por pessoas como Cait e Jack.

"Precisamos ter certeza de que os profissionais de saúde são treinados para lidar com essas questões com sensibilidade", diz.


Os efeitos colaterais do tratamento contra o câncer de Cait incluíram perda de cabelo, flutuações de peso, menopausa química e dores nos ossos (foto: Cait Wilde)

Cait está agora fazendo campanha para aprimorar as informações sobre sexo para os pacientes com câncer. Ela também tem conversado com outros jovens que tiveram essa doença para escrever uma revista sobre as histórias que eles contam e as experiências que enfrentaram.





"Mesmo que seja um assunto delicado e privado, são nossas experiências, e queremos encorajar as pessoas a serem mais honestas sobre isso", acredita.

"Não quero que as pessoas se sintam deixadas no escuro como eu fiquei."

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