Enquanto algumas pessoas acreditam que é preciso fazer o checape todo ano para proteger a saúde, outras realizam os exames apenas quando sentem sintomas, dores ou problema aparente – o que agravou com a pandemia de COVID-19. “Durante a pandemia, as pessoas ficaram muito preocupadas com essa questão do isolamento e se esqueceram um pouco de se cuidar, focaram muito no vírus e acabaram negligenciando o cuidado com as outras doenças”, explica a médica Silvia Nascimento Bicalho, endocrinologista do Hermes Pardini.
Segundo ela, o isolamento contribuiu para as pessoas desenvolverem alguma doença a que já tinham predisposição. “Além dos hábitos adquiridos na pandemia, os exames de rotina ficaram em segundo plano e os diagnósticos atrasados. Falta de atividade física, sedentarismo e a não realização de exames impactaram no aumento de doenças crônicas e silenciosas. A maioria dos fatores são genéticos e familiares, mas existem os controles ambientais, como obesidade, alimentação, prática de exercícios para pelo menos retardar ou evitar que a pessoa desenvolva a doença.”
A frequência dos exames de rotina vai depender de cada indivíduo. É recomendado que um adulto saudável faça os exames de rotina a cada dois anos. Já quem apresenta fatores de risco, como fumantes, obesos ou sedentários, o checape deve ser anual, enquanto pessoas que apresentam algum tipo de doença crônica, como diabetes e hipertensão, devem realizar exames a cada seis meses. Outros fatores a serem considerados para a frequência dos exames de rotina são a idade e o sexo.
PROBLEMAS OCULARES
A prevenção também é a chave para evitar doenças oculares. A oftalmologista Fernanda dos Santos explica que muitas doenças oculares não são perceptíveis no início, manifestando sinais e sintomas apenas em suas fases mais avançadas. Por isso, a prevenção é fundamental para o diagnóstico precoce e evitar um déficit visual, muitas vezes permanente, como o glaucoma. A médica destaca que entre as doenças oculares silenciosas, essa é a mais cruel de todas, pois não apresenta sintoma algum e suas consequências são irreversíveis. É a principal causa evitável de cegueira no mundo.
Ela ressalta que exames preventivos devem ser feitos em todas as idades. “Muitas vezes, atendi criança com suspeita de déficit de atenção, mas que no final ela só estava precisando de óculos de grau. Como algumas crianças não colam a cara na TV, ou não estão trombando nas coisas, algumas mães acham que está tudo certo, mas não é bem assim”, diz.
CUIDADO PESSOAL
A atriz Maria Vitória Lima, de 22 anos, conta que, além de ter sofrido com as consequências oculares do home office, acabou relaxando um pouco com os cuidados com a pele e o corpo no início da pandemia, mas que logo tratou de voltar a ter os cuidados de antes, tanto pelo bem-estar em si quanto pela profissão, que exige muito da aparência. “É inevitável. No início, aquele medo, ansiedade e angústia de não saber o que ia acontecer me travaram, a gente acaba relaxando mesmo, senão a mente não aguenta.”
Maria Vitória explica que, com o passar do tempo, esse “relaxamento” só vai piorando a situação e que é necessário voltar a cuidar do corpo para se sentir bem. “Vai ter dias em que não vamos querer nem passar um hidratante, e tá tudo bem, o importante é retomar os cuidados diários, os exames preventivos, o toque, entre outras ações que podem fazer a diferença na nossa saúde”, conclui.
SEDENTARISMO
A obesidade e as doenças cardiovasculares foram desencadeadas por diversos fatores na pandemia. O principal deles foi que as pessoas passaram a ficar 24 horas dentro de casa, sem poder sair para trabalhar, para fazer um exercício físico ou, simplesmente, ir ao supermercado. As pessoas ficaram cada vez mais sedentárias.
Somado a isso, todo o sentimento de angústia, tristeza, ansiedade e estresse que as cercava contribuiu para um comportamento apático, no qual muitas não conseguiam sair da cama, e que aumentasse os distúrbios alimentares. “Tudo isso, mais a falta de exercícios físicos regulares, influenciou diretamente no aumento dessas comorbidades”, explica a médica endocrinologista Flávia Coimbra.
Todas essas questões também relacionadas à obesidade – como falta de atividades físicas, sedentarismo e ingestão de alimentos ultraprocessados – contribuem de forma direta para o agravamento da saúde do coração. Comportamentos inadequados durante a pandemia e a diminuição dos exames preventivos também colaboraram para o crescimento das doenças silenciosas.
“Um exemplo de doença silenciosa é o diabetes. Costumo brincar com meus pacientes que no início o diabetes não dói, não arde, nem coça. Então, como vamos descobrir que estamos com a glicose fora do normal, se ele não traz sintomas, principalmente nos primeiros anos? Existe uma média de atraso no diagnóstico do diabetes em torno de cinco anos”, ressalta Flávia Coimbra.
É o caso de Juliana Alves de Paula, de 46, profissional de tecnologia da informação. Juliana diz que convivia com o sobrepeso e com tonturas diárias, até um dia em que teve uma vertigem muito forte na rua. Após o episódio, decidiu procurar um profissional e depois de uma bateria de exames descobriu a doença, isso 25 anos atrás.
Ela conta que a atenção com a saúde realmente precisou ser redobrada durante a pandemia. “Trabalho na área de frente da TI, e quando você está de home office é como se você trabalhasse 24 horas, se o telefone apita, você precisa parar o que estivar fazendo para resolver. Não tem hora de chegar ou de sair, o que dificultou ainda mais manter uma prática de exercícios físicos em casa. Com todas essas mudanças na rotina, junto com o sentimento de medo, a glicose subiu bastante.”
Depois que o irmão, que também tinha doenças autoimunes, pegou COVID-19 e chegou a ser intubado, Juliana Alves conta que manter o acompanhamento médico foi essencial para controle do emocional e, consequentemente, do diabetes. “A pandemia veio para puxar nossa orelha, principalmente para quem tem uma doença autoimune como a minha. Não tem como escapar ou tirar umas férias, é um processo de aceitação.”
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram
três perguntas para...
Ricardo Guimarães
médico oftalmologista, presidente
do Hospital de Olhos de Minas Gerais
Qual a importância do checape?
Ao contrário das crises mundiais econômicas, financeiras, pandêmicas, ou todas juntas, as condições da nossa saúde são totalmente previsíveis e dependem fundamentalmente dos nossos cuidados. Para evitar colapsos e perdas evitáveis e irreversíveis, devemos substituir o “tratar a doença” pelo “promover a saúde”. Essa mudança de hábitos, e de cultura, é possível através de exercícios, da boa alimentação e de algumas auditorias que chamamos de exames periódicos ou checapes.
Como conscientizar as pessoas sobre a importância do checape e da prevenção na saúde ocular?
Entender o porquê de nos descuidarmos de um patrimônio tão valioso como nossa visão é o grande mistério. É claro que não há como separar ou priorizar apenas uma parte do corpo para cuidarmos, mas não há como negar que a visão é nosso sentido mais importante, 80% do que percebemos, da nossa interação com o mundo, vem através desse sentido. Então, ao proteger os nossos olhos, não estamos cuidando apenas da nossa saúde visual. Estamos cuidando da nossa saúde como um todo. Por meio do controle e dos exames de rotina é perfeitamente possível reduzir as chances de cegueira e da perda de visão por doenças como glaucoma, degeneração macular e a catarata, por exemplo. Mas, para além disso, há um benefício ainda maior porque grande parte das doenças sistêmicas importantes como diabetes, hipertensão e muitas outras se manifestam primeiro nos olhos. “Os olhos são sentinelas da saúde sistêmica que nos permitem suspeitar de uma doença antes mesmo de que ela se manifeste. Um sistema de inteligência artificial criado pela DeepMind, empresa do Google, conduzido por médicos do Moorfields Eye Hospital, em Londres, e publicado na revista Nature Medicine, foi capaz de identificar mais de 50 doenças ligadas aos olhos.
Quais as principais queixas dos pacientes durante a pandemia?
Olhos irritados, vermelhos, ardendo ou coçando. Visão embaçada. Dores de cabeça, enxaqueca, náuseas, muita sensibilidade à luz: fotofobia. Esses foram os problemas mais comumente relatados no período da pandemia. Muitos relacionados aos efeitos da síndrome do olho seco, do avanço ou surgimento dos graus da miopia, e dos sintomas da sobrecarga visual causada, principalmente, pela fotofobia. Reflexos da superexposição às telas dos computadores e celulares neste período de isolamento social, home office, aulas e reuniões on-line.