Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Procrastinação: adiar ou não adiar? Eis a questão

A redatora publicitária Juliana Machado é procrastinadora assumida e não luta contra, aceita e vive bem resolvida (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
 Quem nunca procrastinou que atire a primeira pedra. Adiar algo, transferir para outro dia, prolongar uma situação, deixar para depois, adiar, postergar... Se reconheceu? Sim, em algum momento da vida cada um de nós irá agir assim. E está tudo bem. O problema é quando tal atitude se torna comum, rotineira, frequente e impede o caminhar da vida, seu desenvolvimento, sua experiência, ainda que com acertos e erros em cada tomada de decisão e ação. Com a proximidade do encerramento de mais um ano, certamente muitos vão se lembrar do que não fez ao longo de 2021, do que protelou e, como diz a expressão popular, “empurrou com a barriga”.




 
Ainda que desde a hora que se levanta cada um tome decisões a todo instante, para muitos é um sofrimento agir diante de questões importantes, o que os levam a procrastinar mesmo sabendo que deixar para depois tornará sua vida mais complicada. Os porquês são muitos, as causas individuais e há quem precise de ajuda profissional, terapêutica para conseguir dar o primeiro passo. Medo, insegurança, subserviência, falta de coragem, acomodação... Mas também há quem veja a procrastinação como uma característica, um traço de comportamento sem qualquer complicação, negatividade ou algo que tem de ser mudado.
 
Juliana Machado, de 33 anos, redatora publicitária, é muito bem resolvida com sua procrastinação. E deixa claro: “Não luto contra”. Ela conta que sempre teve muitas coisas para fazer o tempo inteiro. Trabalha em dois lugares, com pais separados, duas ceias de Natal, dois aniversários para comemorar, morou seis anos em São Paulo, então viveu a ponte-aérea para BH (voltou agora), fora o fato de ser perfeccionista e sempre achar que nada está perfeito, pronto, acabado. Para ter ideia de como é, seu TCC de pós-graduação com prazo de seis meses para entregar foi feito um dia antes: “Na minha cabeça, ele estava acontecendo, o argumento pronto, a ordem definida... Vou sentar para fazer quando não tiver mais recurso. Desafio o tempo e faço o melhor que posso. Se fizer antes, ficaria revisando e mudando a cada instante. Tem dado certo e vou continuar assim. Claro, há risco, mas se der errado, encontro uma saída na hora”.
 
Por trabalhar com criatividade, Juliana acredita que tenha levado para a vida a maneira de lidar com o tempo. Procrastinadora assumida, ela avisa: “Depois de sempre ouvir das pessoas que sempre deixo tudo para a última hora, de sofrer, levar a questão para a terapia, percebi que este jeito funciona para mim, é meu método, meu processo. Desde que eu tenha segurança, trabalho com tempo reduzido, resolvo a vida em 24 horas, como Jack Bauer, e tenho recursos para fazer dar certo”.




 
Exemplos não faltam sobre o procrastinar de Juliana. Vai receber amigos em casa, não prepara nada no dia anterior, mas horas antes, tem a segurança que seu quibe assado ficará maravilhoso e todos aprovarão, ficando pronto já com as visitas em casa. Ela confessa que não consegue decidir viagem com antecedência, fazer reservas... A questão para ela é: “E se no dia não puder ir, se estiver chovendo, se encontrar oferta mais barata... Então, enquanto tiver tempo, vou poder mudar”. O caso mais recente envolve a compra de um vestido para um casamento, marcado para o sábado, com viagem na sexta-feira e na quinta, ela ainda não tinha o traje da cerimônia.

O CONTROLE DAS PESSOAS

 
Viver assim realmente funciona para Juliana, talvez por se somar a outras duas de suas características: ela é adepta das listas e tem controle da estimativa do tempo que vai gastar para cada atividade. Pode ser que o equilíbrio esteja aí. Outra questão que a redatora enfatiza é que “se é meu processo, tenho de acalmar meu coração, porque reconheço ter de lidar com minha ansiedade e perfeccionismo, mas também comunicar às pessoas como sou. Minha mãe e meu namorado, que é metódico e mineiro cartesiano, ficam aflitos. Se vamos viajar e ainda não fiz a mala parece ser um problema. Na mudança de volta para BH, ele queria empacotar as coisas um mês antes, não dá para mim. Não ia ficar pegando roupa dentro de caixa. Conversamos para uma decisão intermediária, demos uma limpa no guarda-roupa, o que seria vendido e doado, e um dia antes fiz minha mala. Para mim, procrastinar não é um problema porque consigo me planejar desta forma, está tudo certo. O problema é que as pessoas querem controlar as outras, acham que é um defeito, mas este incômodo é mais sobre nós que sobre os outros”.
 
Na carreira, com mais de 10 anos de mercado, Juliana destaca que “entendo que há um rigor no trabalho, tenho bom senso para não atrapalhar o outro. Já passei por isso, mas da mesma forma que não gosto de ser pressionada, não gosto de atrapalhar o outro. Consigo calibrar. A procrastinação é minha, uma questão individual e é preciso respeitar o tempo e as emoções do outro. Sendo assim, tira o estigma de problema, que aliás está nas relações, de um não conseguir lidar com o outro. Eu, enquanto tiver tempo, posso mudar hoje. Tenho coração apaziguado, não resisto, que as pessoas não sofram e se lembrem que cada um é de um jeito”.





DEIXAR PARA AMANHà



A palavra procrastinar é originada do latim ‘procrastinatus’. Pro quer dizer ‘à frente’ e crastinatus significa ‘de amanhã’. Ou seja, para muitos é mais “confortável” deixar para amanhã. E não é questão de apenas ser mais fácil, muitos realmente não conseguem tomar uma atitude. Por isso, não é aceitável apontar essas pessoas como preguiçosas, fracas ou incapazes. Há quem lide muito bem, como a Juliana, como também quem seja acomodado por natureza e afete o entorno. Onde você se encaixa? O importante é que a procrastinação não se torne um problema, um sofrimento, um empecilho para o impedir de desfrutar, agir, progredir, curtir, enfim, viver o há por aí.

A psiquiatra Maria Francisca Mauro, associada da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e doutoranda em psiquiatria e saúde mentalpelo PROPSAM/IPUB/UFRJ, enfatiza que adiar algo é adiar o problema. Quando ficamos com pendência na vida que não cuidamos, podemos ir acumulando “pensamentos” ou mesmo sensações de “incapacidade”. Portanto, cria o prejuízo de estar em dívida e aos que sofrem com esta pressão, vão elevar o nível de preocupação ou mesmo de tensão emocional. O que pode impactar para além da saúde emocional, também a saúde física.

Para deixar de procrastinar, a psiquiatra recomenda alguns passos. “Primeiro, precisa-se avaliar se é um hábito por alguma dificuldade emocional, pode se tratar por meio de uma psicoterapia. Ou se está ocorrendo um adoecimento emocional, aí é indicado uma avaliação do psiquiatra. Agir estabelecendo prioridades, certificando-se de se dedicar aos que assumiu, organizando seus horários e não se propondo metas intangíveis ou que não sejam factíveis. Para cada ação se proponha início, meio e fim. Não existe um caminho comum a todos, pois somos únicos. Portanto, pare e reflita se fez o possível, se está se dedicando, se o que está querendo fazer é real e cuide sempre da sua vida. São medidas iniciais para identificar por onde está adiando. Também, pode ser que você acha que quer uma coisa, mas no 'fundo' nem quer tanto e, por isto, a adia e não se compromete. Procrastine o Instagram, não sua vida real.”





Ahh, e depois da entrevista, Juliana mandou uma mensagem por WhastApp: “Só para saber que a missão-vestido deu certo. Em menos de três horas atravessei a cidade e voltei, fui em cinco lojas, ainda parei pra tomar um açaí e comer uma empadinha. Na terapia, falei da reportagem do jornal, e me dei conta de que se a procrastinação paralisa algumas pessoas, no meu caso ela me transforma em uma máquina de fazer coisa. Faço mágica com o tempo e preciso confessar que acho essa adrenalina viciante. No fim das contas, somos todos ansiosos mesmo e cada um lida com suas piras no seu ritmo”. E o vestido ainda foi para a costureira fazer a bainha e ficará pronto no tempo certo para ela curtir o casório.



audima