O principal ditado popular contra a procrastinação é: “Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”. Mas, como destaca a psicóloga clínica Haline Terra Andrade de Amorim, quem nunca deixou algo a ser feito hoje para amanhã, para depois de amanhã, para a semana que vem, o mês que vem, ou até para o ano seguinte? A procrastinação é um comportamento comum ao ser humano.
“Procrastinar significa adiar, demorar, delongar ou prolongar uma situação, uma atividade, um trabalho, uma decisão. É protelar um ato, uma atitude. E por ser algo que acontece com praticamente todos nós, é difícil dizer sobre a existência de um perfil específico de pessoas que procrastinam. Mas é possível pensar em tipos de procrastinadores (veja quadro abaixo)".
Haline Terra concorda que há muitas pessoas que “empurram a vida com a barriga” e adiam tudo. “A psicologia tem muitos caminhos teóricos e apresenta várias maneiras de ver e atuar diante da procrastinação. Mas, em linhas gerais, há um consenso: a procrastinação nos mostra uma falha no processo de autorregulação psíquica — ou seja, quem tende a agir dessa forma tem uma grande dificuldade em identificar, nomear e agir em relação aos próprios sentimentos e/ou capacidades.”
Segundo ela, a habilidade de monitorar e modular a emoção, a cognição e conseguir o comportamento adequado para atingir um objetivo e/ou adaptar às demandas cognitivas (trabalho ou estudo, por exemplo) e sociais para situações específicas está comprometida. “A falta dessa habilidade acaba resultando em uma grande dificuldade de se organizar mentalmente e emocionalmente para, então, agir.”A pandemia elevou demais o nível de estresse em todos os sentidos. Por isso, ser mais cuidadoso e amoroso consigo mesmo, e com quem está ao redor, faz grande diferença. Esse cuidado não significa ser condescendente a ponto de uma possível falta de compromisso do procrastinador. É se dar a oportunidade de reconhecer os próprios limites e respeitar seu ritmo na medida do possível, principalmente no final do ano, quando o estresse, a ansiedade e a depressão assombram muitas pessoas
Haline Terra Andrade de Amorim, psicóloga clínica
De tristeza às redes sociais
E há vários componentes que colaboram para que essa habilidade seja prejudicada, conforme a psicóloga clínica: ansiedade, tristeza, preocupação excessiva, insegurança, comparação, medo do que os outros irão pensar, falta de foco e dificuldade de concentração, autoexigência exacerbada (mania de perfeição), autocrítica exagerada, preguiça, falta de interesse, dificuldade de tomada de decisões e de resolver problemas, ritmo de vida estressante, forte pressão por produtividade, mudanças constantes, o alto nível de estimulação mental oferecido pelas redes sociais… para citar apenas alguns exemplos.
Haline Terra enfatiza que o impacto negativo da procrastinação é grande e afeta muito a saúde física, mental e emocional de um indivíduo, podendo gerar várias consequências, tais como: cansaço físico e mental, esgotamento emocional, falta de cuidado com o corpo e a saúde como um todo, redução da qualidade do sono e diminuição da qualidade de vida, agitação, frustração, irritação, vergonha, sentimento de culpa, prejuízos financeiros, redução de contato social e, até mesmo, o isolamento.
Para o procrastinador, a chegada do fim de ano, momento em que muitos fazem o balanço do que foi feito nos últimos 365 dias, pode ser uma fase de pressão ainda maior. Desde 2020, tem o agravante da pandemia que, certamente, também influenciou essas pessoas. “Com certeza. A pandemia elevou demais o nível de estresses em todos os sentidos. Por isso, ser mais cuidadoso e amoroso consigo mesmo, e com quem está ao redor, faz uma grande diferença. Esse cuidado não significa ser condescendente a ponto de uma possível falta de compromisso, a um 'chutar o balde' e desconsiderar as possíveis consequências dessa atitude (procrastinar). É, na verdade, se dar a oportunidade de reconhecer seus próprios limites e respeitar seu ritmo na medida do possível, principalmente no final do ano, quando o estresse, a ansiedade e a depressão assombram muitas pessoas”, afirma.
"'Acolher' a possibilidade de procrastinar significa saber priorizar o que é realmente importante, fazer escolhas assertivas e ser capaz de deixar para depois aquilo que se pode esperar”.
Medo que paralisa
Haline Terra lembra que a pandemia agravou todos os medos relativos, principalmente, às perdas: perda de trabalho, dos encontros presenciais, de relacionamentos, de amigos, de parentes, e medo de perder a própria vida. “Tais medos podem não só adiar o agir na vida como podem também paralisar a pessoa, o que é ainda pior. Percebo que ficar muito tempo em casa e fazer praticamente tudo de maneira on-line agravou a procrastinação na grande maioria das pessoas, principalmente por causa do acesso contínuo às redes sociais.”
Por exemplo, você precisa entregar um trabalho e separa o tempo para realizá-lo. Mas deixa o celular ao lado. E toda hora aparece uma notificação do WhatsApp, Instagram, Twitter, Facebook… Você vai ver e pensa: “vou olhar só por 15 minutinhos”. “Porém, um post chama outro que te leva a uma matéria interessante, que te leva a um vídeo, que te leva a umas fofocas engraçadas, que te leva para vários lugares e, quando você percebe, os 15 minutos viraram duas horas. A quantidade de tempo perdido nas redes é assustadora. E o que precisa ser feito, fica pra depois.”
Na visão da psicóloga, o que também tem ocorrido neste período pandêmico e que agrava a procrastinação é a abertura que surgiu de fazer aulas, cursos, participar de palestras, lives e festivais no formato on-line. “Se por um lado houve uma abertura de possibilidades maravilhosas e enriquecedoras, por outro surgiram tantas opções que muitos se perderam na quantidade de inscrições realizadas, começaram muitas atividades ao mesmo tempo e não conseguiram fechar todas. Há sempre a pergunta: 'Vai ficar gravado?'
A grande maioria fica gravado e lá se vai mais um item pra lista de vídeos a serem vistos… depois. “Conheço pessoas que têm mais de 50 vídeos considerados importantes na 'fila de espera' do YouTube. Será humanamente possível cumprir ou fazer tudo o que se quer? Nesses casos, a procrastinação pode aparecer como um mecanismo de defesa importante, que faz com que você possa parar e avaliar para, então, priorizar e fazer o que é realmente importante — fazer o que é possível.”
Mas há uma saída para sair da procrastinação ou mesmo amenizar, adotar novos hábitos. Haline Terra pontua situações importantes para serem vistas com cuidado. “Excesso de procrastinação pode sinalizar que sua saúde mental não está tão boa quanto pensa. Se há diversas tarefas ou decisões que não são feitas e isso está ocorrendo por um longo período e você tem sofrido consequências negativas em função disso tudo, vale a pena procurar um profissional (psicólogo ou psiquiatra) e avaliar a situação especificamente.”
Segundo ela, pessoas que apresentam depressão, transtorno de ansiedade generalizada, fobias, transtorno do humor bipolar, entre outras condições psicológicas relevantes, apresentam um alto nível de procrastinação. Porém, precisam ser tratadas desses sofrimentos primeiramente, pois, nesses casos, a procrastinação é um sintoma de um transtorno psíquico. Obter uma avaliação e fazer um acompanhamento sério e cuidadoso será fundamental. Se no seu caso a procrastinação não envolve nenhuma condição psíquica, há algumas atitudes que podem ser incluídas no seu dia a dia para auxiliar nesse processo de mudança.
Mas, conforme Haline Terra, um ponto importantíssimo diante da procrastinação é: “Livre-se do hábito de desistir de si mesmo e assuma a responsabilidade de ter a liberdade de escolher. E escolha com consciência, encare os medos e explore as crenças pessoais que te sustentam. Olhar a procrastinação de frente pode ajudar a se conhecer de verdade, a enxergar como os pensamentos se manifestam, como as atitudes e reações emocionais afetam a si mesmo e a quem está por perto. Por meio dela também é possível aprender a estar confortável com as incertezas da vida e a reagir com flexibilidade às experiências. No final das contas, algo que pode ser visto como uma falha, um defeito, pode se mostrar como transformar o medo em coragem.”
Tipos de procrastinadores*
- Procrastinador perfeccionista: é aquela pessoa que quer fazer tudo tão perfeito, tão certinho, que procrastina por acreditar que o que fez ou faz nunca está bom o bastante. A ânsia pela perfeição faz com que a pessoa se perca em detalhes e gaste muito tempo com minúcias tentando evitar erros. Com isso, pode se perder e perder prazos.
- Procrastinador impostor: é aquele que sofre da “síndrome do impostor”. Por não acreditar na própria competência ou se ver e se sentir insuficiente, essa pessoa acaba se esforçando demais e se comparando o tempo todo. Há tanto medo de se expor e tanta necessidade de agradar aos outros que protela ao máximo suas entregas de trabalho ou atitudes pessoais para evitar um suposto julgamento.
- Procrastinador preguiçoso: a preguiça é prima da procrastinação porque faz com que a pessoa não se empenhe diante daquilo que ela não gosta, que não quer fazer ou não queira ter o trabalho de fazer. Então adia ao máximo. A diferença entre um procrastinador desse tipo e um preguiçoso de fato é que, enquanto o procrastinador adia, o preguiçoso chega ao ponto de se recusar a fazer qualquer atividade que lhe dê um mínimo de trabalho.
- Procrastinador sobrecarregado: acontece com a pessoa que tem tantas coisas para fazer, tem tantas tarefas e pensa tanto em muitas coisas ao mesmo tempo, que acaba não conseguindo decidir por onde começar. Se demora para começar e tem dificuldades em progredir, não conseguirá terminar nada a tempo.
- Procrastinador consciente: sim, isso é possível! São aquelas pessoas que sabem que trabalham bem sob pressão. Normalmente, o “deixar para cada vez mais perto do prazo exigido”, faz com que elas desenvolvam melhores estratégias e se posicionem adequadamente. Com isso, aproveitam o pico de adrenalina oriunda da ansiedade e se entregam completamente nessa etapa final, no limite do tempo estabelecido.
*Fonte: Haline Terra Andrade de Amorim, psicóloga clínica
Como se livrar da procrastinação*
- Comece aos poucos: avalie o que precisa ser feito e divida a tarefa em pequenos passos de cada vez. A sensação positiva de conseguir realizar cada pequena meta nos faz muito bem e serve de estímulo para continuar enfrentando a procrastinação.
- Cuide do seu tempo: saber priorizar o que é realmente importante para você é fundamental para preservar e administrar o tempo de dedicação a uma tarefa.
- Bloqueie estímulos externos: se precisa fazer algo, tire do seu caminho aquilo que pode chamar a atenção e te desviar da execução do seu trabalho. Foque no que importa.
- Dê atenção às suas emoções: se não está fazendo sua tarefa porque está sem vontade, está desanimado ou se sente sem inspiração, a sua dificuldade pode ser em administrar as emoções. Isso faz com que apenas contorne os problemas em vez de resolvê-los. Então, pare, reflita sobre os motivos por trás do adiamento e encare seus sentimentos de frente.
- Seja flexível: muitos adiam ou interrompem um processo porque ele não está evoluindo conforme o planejado. Mas imprevistos ocorrem e projetos precisam ser alterados. Ser flexível ajuda a ter aquele “jogo de cintura” super necessário para saber lidar de forma saudável com situações repentinas e não paralisar seu processo.
- Aprenda a priorizar: o que é realmente importante para você? O que faz sentido e é fundamental na sua vida? Como pode ser possível criar um equilíbrio entre trabalho, amor e diversão? Esteja atento às respostas que você pode dar a essas questões, seja fiel a si mesmo e priorize o que importa.
* Fonte: Haline Terra Andrade de Amorim, psicóloga clínica