Uma criação muito rígida pode trazer danos físicos e psicológicos para os filhos. Pensando a longo prazo, esse estresse tóxico na fase mais vulnerável do crescimento pode levar ao aumento de problemas de relacionamento, baixa autoestima e, em situações extremas, até dependência química, é o que relata a psiquiatra infantojuvenil Jaqueline Bifano.
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Por que cada vez mais filhos cortam laços com pais por saúde mentalPsicólogo destaca importância dos pais ao ensinar valores aos filhos'Geração digital': por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos paisO sentimento de culpa de pais que trabalham em tempo integralUniBH ' Parcerias com o SUS serão ampliadas em 2022Muitos pais e responsáveis têm um medo muito grande em não saber educar e ensinar seus filhos da maneira correta, por isso, podem acabar pecando pela omissão ou excesso. A criação rígida provoca traumas e consequências mentais não só na infância, mas também na adolescência e vida adulta.
Perfeccionismo
Uma criança que foi criada com pais exigindo sempre o melhor pode se tornar perfeccionista, já que precisa sempre alcançar sua melhor versão em tudo; competitiva de forma exagerada, buscando alcançar o mais alto nível de rendimento e nunca achar ser o suficiente. “Ela também resulta em pessoas inseguras, por não conseguir atingir objetivos e metas muito altas; ansiosa; com baixa autoestima; falta de controle sobre suas próprias responsabilidades; agressividade; passividade e, até mesmo, apresentar quadros depressivos. Não quer dizer que todas as crianças apresentarão essas características. Mas é bem provável que tenham algumas delas.”
Jaqueline aponta que, muitas vezes, os pais ou responsáveis não irão perceber ou até mesmo aceitar que estão criando seus filhos de uma maneira prejudicial. Nesses casos, cabe as pessoas ao redor tomar alguma atitude. “Professores, familiares e amigos próximos podem perceber as consequências desse comportamento na forma como as crianças lidam com as situações e atividades do dia a dia. O diálogo é sempre o melhor caminho”, ressalta.
É importante apresentar aos tutores que existem outras formas de educação e criação, com carinho, paciência e orientação que vão tornar o relacionamento em casa mais harmônico e que se mostram muito mais eficientes.
Relacionamento
No caso de adolescentes, que já têm mais discernimento e conseguem comparar o comportamento manipulador com um comportamento que visa à educação, vale analisar algumas situações como a invasão de privacidade, necessidade de gerenciar a vida dos filhos, estimular a dependência a qualquer custo, chantagens emocionais para conseguir o que quer ou enxergar amigos, namorados e outros parentes como rivais, por exemplo.
A psiquiatra afirma ser essencial, além do autoconhecimento, contar com a ajuda de um profissional, seja orientador, professor, diretor, psicólogo ou terapeuta.
Muitos pais com comportamento autoritários podem se encaixar na categoria de uma pessoa narcisista – tende a ser encantada com a própria imagem ou personalidade e por isso, superior às pessoas que o cercam. No caso de mães narcisistas, elas têm uma imagem distorcida de si própria e acabam exigindo uma admiração constante e excessiva.
Pais também podem apresentar esse mesmo comportamento, sempre priorizando os próprios interesses e impondo uma grande pressão emocional na vida dos filhos. Vale evidenciar que por trás de uma mãe ou pai rígidos, ou com comportamento manipulador, muitas vezes, existe a história de uma criança/e ou jovem que também sofreu isso com os próprios pais.
Ajuda profissional
A psicóloga Lourdes Maria enfatiza a importância do acompanhamento profissional. “Todos sofremos e lidamos com traumas diariamente, compreendê-los é essencial para que não repassemos algum tipo de comportamento prejudicial que tiverem com a gente em algum período das nossas vidas”.
Há quem defenda que uma criação rígida é sinônimo de firmeza e gera crianças mais educadas, mas isso não é verdade. O autoritarismo extremado dos pais, na maioria das vezes, faz com que seu filho se afaste cada vez mais e passe a fazer as coisas escondidas, como é o caso da advogada Natália Camini. “Eu sentia falta de ter uma presença materna e paterna em que pudesse confiar, sentia falta de não ter de ‘pisar em ovos’ toda vez que fizesse ou falasse alguma coisa. Foram várias as vezes que eu precisei tirar a minha mãer de cima da minha irmã, ou vice-versa. Até o momento que resolvemos nos afastar e sair de casa para tentar recuperar e manter a sanidade mental”, relata.
Natália afirma que invejava a relação dos amigos com seus respectivos pais. “É muito difícil entender e aceitar que você está naquela situação. Com 25 anos de idade eles não aceitavam meu namorado e só podia sair uma vez por semana, eu e minha irmã brincávamos que nosso sobrinho de 4 anos vivia mais que a gente.”
Atualmente, Natália está noiva do então namorado da época em que morava com os pais. Essa relação abusiva não afetava somente a ela, mas todos à sua volta.
A advogada conta que a luta foi e é árdua, mas que hoje, ela e sua irmã estão tendo a liberdade que sempre quiseram. “Minha irmã sempre falava uma frase muito bacana: 'Antes de ser pai ou mãe, a pessoa é um ser humano, e todo ser humano é passível de erros'. Então pais, por favor, escutem quando o filho de vocês relatar algum desconforto, caso contrário, eles vão escolher se afastar para preservar a saúde mental, como foi no meu caso”, conclui.
Existem meios de mudar essa relação e brigar nunca é a melhor saída. Entender que muitas vezes seus pais também tiveram pais rígidos e que só conheceram esse tipo de relação, ajuda a pensar na melhor abordagem para a mudança. Exponha e valide suas próprias ideias e necessidades tentando se expressar sempre com muita calma e respeito. Mostre afeto e sensibilidade, respeitando os seus limites e cuidando para que o seu emocional e psicológico se mantenha forte nos momentos em que a relação está mais difícil.
“A melhor forma de tentar se libertar é por meio da ajuda profissional. É o especialista terapeuta, psicólogo ou terapeuta, que será capaz de desfazer qualquer trauma relacionado à criação e infância”, finaliza Jaqueline.
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram