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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Procrastinação: será uma barreira emocional?

Em um cenário de incertezas como este atual, diante de uma pandemia, muitos se perceberam sem motivação para se dedicar a um projeto


26/12/2021 04:00 - atualizado 23/12/2021 10:51

Maria Francisca Mauro, psiquiatra
A psiquiatra Maria Francisca Mauro lembra que aos que convivem com pessoas procrastinadoras pode vir a sensação de sobrecarga, ou mesmo, de falta de confiança, pela incerteza de que realizarão o combinado (foto: Arquivo Pessoal )
  Não venha com desculpa. Procrastinar é um ato voluntário, já que há uma consciência quanto à necessidade de fazer uma entrega ou mesmo finalizar algo e de forma “decidida” e opta-se por não se dedicar a aquele assunto e o adia. Quem garante é a psiquiatra Maria Francisca Mauro, associada da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e doutoranda em psiquiatria e saúde mental pelo PROPSAM/IPUB/UFRJ, que desde 2008 atua como psiquiatra clínica e tem experiência em pacientes com quadros graves de depressão, ansiedade, alterações de comportamento alimentar, transtorno bipolar do humor, esquizofrenia e quadros psiquiátricos ainda em investigação para definição diagnóstica.

No entanto, ela ressalta que, dentro da “decisão” de adiar tem aqueles que decidem adiar, pois estão priorizando outro projeto, ou entrega, e aqueles que simplesmente adiam por alguma “barreira emocional”. Maria Francisca Mauro explica que, dentro dos que apresentam alguma “barreira emocional”, se inclui os que são ansiosos e não conseguem começar, os com traços mais obsessivos que precisam pensar muito de agir, os com depressão que não se sentem capazes de fazer nada e aqueles mais impulsivos que optam por se dedicarem a algo mais “prazeroso” ou com recompensa imediata do que se envolverem em algo que envolva escolher algo mais “chato” ou “tedioso”.
 

Torna-se fundamental perceber se o adiamento é um sinal de adoecimento, ou simplesmente uma falta de responsabilidade com seus compromissos. Não se dorme de um jeito e acorda com tudo pronto. Entre o ponto de saída e chegada é necessário ter uma construção, e para tal ocorre uma demanda de dedicação e esforço

Maria Francisca Mauro, psiquiatra

Portanto, agir assim pode ser uma dificuldade de priorizar, compreender o que é necessário. Dentro de uma sociedade como a nossa, em que se tem uma multiplicidade de ofertas, muitos são desviados do que é preciso para atenderem alguma 'tentação' como maratonar série e deixar de dormir, ou seja, procrastinar a hora de dormir.”

Antes de traçar num perfil de procrastinador, a psiquiatra alerta que é preciso separar os que passaram a adiar suas tarefas e prazos por conta de não estarem conseguindo emocionalmente por adoecimento. Daqueles que na vida sempre adiaram suas entregas e, portanto, têm características de maior impulsividade, por priorizarem gratificações mais imediatas do que aquelas que precisam maior dedicação.

“Neste sentido, as características em comum podem ter um perfil profissional de menor estabilidade, dificuldades de trabalho em equipe, vistos pelos colegas de forma negativa ou como aquele em que não se pode confiar. Em âmbito pessoal são aqueles que estão sempre 'devendo', não conseguem cumprir coisas mais triviais da casa e estão sempre sendo cobrados. Aos que convivem com pessoas 'procrastinadoras' pode vir a sensação de sobrecarga, ou mesmo, de falta de confiança, pela incerteza de que realizarão o combinado.”

INFLUÊNCIA DA PANDEMIA 


Para Maria Francisca Mauro, sem dúvida, a pandemia influenciou mesmo os que antes não adiavam suas coisas, pois todos fomos colocados num grau de incerteza que determinou que não nos atentássemos a outras prioridades e demandas. Também, num cenário tão incerto, muitos se perceberam sem motivação para se dedicarem a alguns projetos, simplesmente não conseguiam ver necessidade de construírem algo.

No entanto, isto foi mais geral no período inicial e quando ocorreram picos de morte, com mais incerteza e sem vacinação. “Agora, os que permaneceram atordoados e sem rumo, atribuindo todos seus atrasos a uma questão pandêmica, precisam refletir para ter maior dimensão do que estão passando.”

 
TRÊS PERGUNTAS PARA...  

 

1 - Como a neurociência pode acabar com a procrastinação? Há alguma estratégia?

A criação de hábitos é a chave para o combate à procrastinação. Hábitos são sequências aprendidas após muita repetição, até que passam a ser executadas com mínimo esforço mental. Os circuitos de recompensa e punição do sistema nervoso central estão no cerne da criação de hábitos. Nós fazemos aquilo que nos traz prazer e evitamos o que nos causa dor. No entanto, o cérebro é plástico e podemos mudar esse panorama a partir da repetição. Algumas dicas para combater a procrastinação: quebre tarefas longas e complexas em pequenos passos executáveis. Isso vai te dar a sensação de evolução e liberação de neurotransmissores associados à recompensa, como a dopamina; foque no presente. O futuro não importa em se tratando de criação de hábitos. Ele será uma mera consequência do que você fizer agora; mude o plano caso sinta que o objetivo está longe demais. Isso ativa áreas de punição como hipotálamo, amigdala e PAG. Repita a primeira dica e feche o ciclo. Busque a sensação prazerosa de evolução; e estabeleça prazos de entrega de tarefas.

2 - Como o cérebro e seu gasto de energia podem influenciar na capacidade de ser produtivo e combater o “empurrar a vida”, a falta de motivação?

Em geral, a produtividade e a capacidade de realização de tarefas são sustentadas por dois sistemas cerebrais em interação: um sistema de controle cognitivo e um sistema de processamento afetivo/emocional. O sistema de controle cognitivo, localizado principalmente no córtex pré-frontal, exerce controle de cima para baixo para facilitar comportamentos direcionados a objetivos específicos. O sistema de processamento afetivo é responsável por responder a estímulos emocionais e informações autorrelatadas, e esse sistema é o límbico. Curiosamente, as evidências empíricas demonstraram que a procrastinação está associada à falha do controle cognitivo. Por outro lado, um estudo sugere que a procrastinação está correlacionada com estados emocionais ruins, e indivíduos com procrastinação tendem a se concentrar na reparação do humor a curto prazo, apresentando um descompasso temporal entre o eu presente e futuro. A procrastinação é atribuída às operações do córtex pré-frontal e do sistema límbico. Ou seja, a atividade regional no córtex pré-frontal se correlacionaria negativamente com a procrastinação comportamental, enquanto a atividade no sistema límbico estaria positivamente associada à procrastinação.

3 - Quais as armadilhas que podem desencadear a procrastinação? É possível identificá-las?

A primeira armadilha é não reconhecer que você está procrastinando. Sim, não reconhecer uma dor é também uma forma de recompensa. Uma armadilha moldada pela evolução do nosso sistema nervoso central. A boa notícia é que somos capazes (muitas vezes com ajuda) de identificar as causas. Tente descobrir o porquê da procrastinação: será a desorganização? Transtorno de ansiedade? Baixa autoestima? Prejuízo na capacidade de tomada de decisão?



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