Nos últimos 50 anos, a expectativa de vida do brasileiro aumentou cerca de 20 anos. Agora imagine só o quanto a ciência avançou, principalmente na medicina e promoção da saúde, mas também em políticas sociais, econômicas e comportamentais. Pelo menos em países que se preparam para o envelhecimento de sua população. E o Brasil está num patamar intermediário nesse campo. Tão importante quanto cobrar ações governamentais para o apoio a uma nova geração de idosos, completamente diferente da de seus avós, é entender seu papel individual e ajudar na conscientização de vida saudável. Como?
“O que fazemos antes de envelhecer influencia, é a nossa poupança de saúde”, adianta a médica Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra do Saúde no Lar. Para ela, tão importante quanto o aspecto físico, já trabalhado há mais tempo e melhor compreendido pela população, estão o bem-estar mental e a busca por desenvolvimento social para que cada pessoa receba as condições básicas necessárias para envelhecer da melhor maneira possível, seja ela rica ou pobre, como e onde quiser viver.
Um estudo feito pela Escola Médica da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, definiu cinco áreas que têm grande impacto para a queda do risco de morte prematura: hábitos saudáveis, prática de atividades físicas, peso saudável, evitar o cigarro e consumir quantidade moderada de álcool. Segundo os pesquisadores, quem adota estes hábitos antes dos 50 pode acrescentar de 12 a 14 anos de vida para homens e mulheres, respectivamente.
“Essas pessoas fazem mais exercícios, têm uma alimentação mais saudável durante toda a vida, uma vida mais saudável para envelhecer melhor. Elas chegam melhores fisicamente aos 60, 70 e 80 anos. Tenho pacientes no consultório que têm 80 anos e viajavam pelo mundo, pré-pandemia. Eles têm uma independência física e uma cognição preservada para aproveitar isso. O mundo precisa se adaptar a esses novos idosos”, comenta Simone, ressaltando a importância de também se manter saudável psicologicamente.
CONVIVÊNCIA COM AMIGOS
Exemplo de envelhecer de maneira saudável, física e psicologicamente falando, Francisco de Assis Ribeiro, de 82 anos, potencializa o argumento da médica. “O homem é um ser social e sociável e não pode viver sozinho. Quem vive sozinho passa a ter problemas mentais, emocionais e desequilíbrios. A convivência com os amigos sempre foi muito importante pra mim durante toda a vida e isso serve para todo mundo. Convivi em aeroclube, com militares no quartel, pois já fui militar, em orquestras, sempre tendo muitos colegas e amigos. Hoje toco em três orquestras diferentes, vou ao clube e pratico esportes”, estima o aviador aposentado, segundo colocado na disputa do campeonato de squash no clube.
Dessa forma, é essencial a maneira como hoje os idosos valorizam sua liberdade, sexualidade, as relações de amizade, familiares, da autonomia e independência na terceira idade, ressignificando as dificuldades da vida e as vitórias conquistadas durante a juventude e fase adulta. “É importante falar da independência e da saúde física e mental, sempre pareando as duas coisas. Quando uma não está legal, não adianta ter a outra. Nós temos que ter consciência de que podemos mudar, mesmo com 60, 70 ou 80 anos. Nossa capacidade de mudar é eterna e isso nos torna jovens”, lembra a médica.
“Embora seja aposentado da minha profissão, procuro me manter ativo, trabalhando tanto a minha mente, quanto fisicamente e isso ajuda a parte emocional. É assim que vou vivendo, com amor dos filhos, dos netos, que são pessoas que eu amo muito e sei que também têm muito amor por mim. Agradeço muito por isso”, diz Francisco.
Prestes a entrarmos no terceiro ano com restrições adotadas por causa da pandemia de COVID-19, é considerável o impacto negativo que o distanciamento social, os impedimentos de deslocamento nacional e internacional e tantas outras mudanças tiveram na vida dos idosos. “É muito importante cuidar da parte mental e ter saúde mental e que foi muito prejudicada e abalada durante a pandemia. Várias famílias me procuraram dizendo que o pai ou a mãe piorou. Às vezes, já tinha um déficit cognitivo e piorou, ou não tinha e fazia de tudo e passou a não fazer. Por causa das limitações impostas”, revela Simone.
“Esse período de distanciamento foi um período diferente para todo mundo. Tivemos de nos readaptar e nos acostumar às medidas de prevenção e higienização para evitar a propagação do vírus, uso do álcool, o hábito de lavar as mãos e usar máscara. Como ficava difícil manter o contato com outras pessoas, tentei continuar ativo de alguma forma, indo à padaria, supermercado, fazendo caminhadas”, detalha o aposentado.
AUTOESTIMA
Por outro lado, a pandemia pode ter ajudado a dar mais visibilidade a certas demandas que há tempos os idosos tinham, como manter boa autoestima, seja aceitando mudanças em aspectos físicos ou sendo melhor entendidos como consumidores. “É um processo, como a questão do cabelo branco. A pandemia valorizou a pessoa que não vai no cabeleireiro pintar o cabelo, vários artistas assumiram os cabelos brancos. Isso é um processo de adaptação”, cita Simone, apontando outras questões práticas.
“As roupas, você vê no mercado roupas para idosos, aquela cheia de bordadinho, da senhorinha, ou de jovens. O mercado precisa se adaptar a uma nova idade, que não é jovem e não vai usar roupas de jovens, mas também não vai usar a chamada antigamente de roupa de vovó. Isso eles costumam reclamar muito. Dizem ‘eu não me vejo, eu não quero esse tipo de roupa e nem a outra, cadê a minha? Quem está me representando?’, explica. “Teve um desfile em Paris há algum tempo e a marca usou só modelos de mais idade, já pensando nisso, foi superlegal”, complementa a médica.
Simone ressalta ainda que, aliado à saúde pública, é dever do governo preparar o país estrutural, social e economicamente para o aumento da população idosa. “Essa visão do idoso como uma pessoa frágil que não dá conta das coisas tem mudado. É o que chamamos de cultura do envelhecimento. Hoje as pessoas pensam mais sobre o processo de envelhecimento durante a vida e não só quando a idade chega”, aponta, cobrando também mudança de postura da sociedade.
“Os preconceitos precisam acabar. ‘Você está velho demais para trabalhar’, como assim? Qual a idade limite, tem? Por que não? Na Europa e nos Estados Unidos vejo vários idosos trabalhando. No Brasil não é esse o padrão. O pessoal geralmente espera que os idosos fiquem em casa. Só que eles estão chegando tão bem, por que não podem trabalhar? Qual seria o mercado deles? Isso precisa de um melhor preparo para absorver”, salienta.
Envelhecimento saudável
Para a chamada "Década do Envelhecimento Saudável nas Américas (2021-2030)", a OPAS estipulou quatro áreas de ação para que as nações atendam às necessidades básicas da população idosa e fortaleçam os cuidados para essas pessoas.
Área de Ação I:
Mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos com relação à idade e ao envelhecimento
Área de Ação II:
Garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas
Áreas de Ação III:
Entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados na pessoa e adequados à pessoa idosa
Áreas de Ação IV:
Propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem