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Estado de Minas SAÚDE MENTAL

Languishing: um barco à deriva, a vida sem direção, sem destino

Languishing está longe dos extremos, seja o de felicidade plena ou da tristeza angustiante, é o meio-termo. O fenômeno implodiu com a COVID-19


30/01/2022 04:00 - atualizado 27/01/2022 12:32

Daniel de Paula Oliva, psiquiatra e psicanalista, médico do Hospital Israelita Albert Einstein
Daniel de Paula Oliva, psiquiatra clínica, diz que há um aumento do número de casos de transtornos psiquiátricos, mas também um salto na oferta de serviços em saúde mental, da discussão sobre os estigmas e popularização dos temas (foto: Arquivo Pessoal)
Ainda há muito o que aprender sobre o que causa o definhamento e como curá-lo, mas nomeá-lo pode ser o primeiro passo para tratar o languishing. O médico Daniel de Paula Oliva, psiquiatra clínico e psicoterapeuta, que faz parte do Núcleo de Saúde Mental e Bem-Estar do Hospital Israelita Albert Einstein, é um dos especialistas no assunto.

Ele explica que neste estado os indivíduos acabam por desenvolver um quadro de extrema apatia, distanciamento das pessoas à sua volta, percepções negativas sobre si e, principalmente, sensação de vazio.
 
O termo vem dos estudos em psicologia positiva que o sociólogo americano Corey Keyes desenvolveu. Ele classifica a intensidade do bem-estar emocional, psicológico e social em três níveis: o de maior saúde mental, “flourishing” ou “florescimento”, no qual as pessoas se sentem melhores em sua vida, mais produtivas, com autoaceitação e empatia pelo próximo, conectadas à sua comunidade; um estado intermediário de moderada saúde mental; e o de menor saúde mental, “languishing” ou “definhamento”.
 
Daniel de Paula Oliva compara a pessoa que enfrenta o languishing a alguém que está com o barco à deriva, sem direção, sem destino. “Não é algo necessariamente novo, mas percebemos um aumento com a pandemia. O crescimento das incertezas, dos medos, da angústia, diante da ameaça iminente e da perda do mundo habitual, somado à trajetória de vida individual, é fator importante para o aumento do fenômeno.”
 

O crescimento das incertezas, dos medos, da angústia diante da ameaça iminente e da perda do mundo habitual, somado à trajetória de vida individual, é fator importante para o aumento do fenômeno

Daniel de Paula Oliva, psiquiatra e psicanalista, médico do Hospital Israelita Albert Einstein

Conforme o psiquiatra e psicoterapeuta, não é fácil dar a receita para quem precisa reconquistar e retomar a vontade de viver e encontrar a motivação diante da incerteza do mundo e também do seu microuniverso: “Acredito não haver uma fórmula única, cada indivíduo tem um universo particular. No entanto, práticas como tentar se conectar com sua espiritualidade, que contempla religiosidade, mas também valores e propósito de vida, cultivar relações positivas verdadeiras e profundas, buscar autoconhecimento, estão entre as medidas para a transição do definhamento para um estado de melhor saúde mental”.

QUARTA ONDA: IMPACTO EM DIFERENTES CAMPOS


Daniel de Paula Oliva alerta que já estamos na quarta onda de impactos da pandemia, exatamente na que afeta diretamente a saúde mental da população.

“Percebemos um aumento do número de casos de transtornos psiquiátricos, mas também percebemos um salto na oferta de serviços em saúde mental, da discussão sobre os estigmas e popularização dos temas. Acho que a COVID-19 e a pandemia vêm amplificar sofrimentos que estavam presentes mesmo antes de todas essas mudanças. Tristeza pela perda trágica de pessoas, desigualdade social que afeta diretamente como os indivíduos conseguem lidar com adversidades (como acesso a tratamento e hospitais), condições insalubres de trabalho trazendo adoecimento. Talvez não consiga fazer uma projeção para o futuro, mas espero que isso possa servir de aprendizado para a gente existir em comunidade.”

Para o psiquiatra, o prolongamento do quadro languishing pode levar a prejuízos em diferentes campos. No trabalho, impactando o desempenho; nos relacionamentos interpessoais, afastando o indivíduo do convívio; para a saúde, deteriorando o físico e aumentando as chances de um adoecimento mental.
 
Além do adoecimento mental e físico, a pessoa ainda tem de lidar com o preconceito, tabu, medo, receio, desqualificação (mimimi) e vergonha até de revelar o que sente e, consequentemente, procurar ajuda.

Primeiro, Daniel de Paula Oliva avisa que a forma de lidar com as pessoas à nossa volta é perceber mudanças consistentes no comportamento, abrir um caminho para o diálogo e ajudar na medida do limite de cada um. Estar atento a mudanças nas pessoas mais próximas, percebendo alterações de humor, no corpo, como variação nos ritmos de sono e alimentação, ritmo gastrointestinal, surgimento de dores, esquecimentos, falta de concentração, é importante.
 
“O próximo passo, após  identificar essas mudanças, é abrir um canal de diálogo buscando uma postura acolhedora, empática e livre de julgamentos ou preconceitos. Essa aproximação tem um poder grande, uma vez que é por meio da fala que conseguimos dar mais contorno aos medos, e saber que uma outra pessoa consegue entender nosso sofrimento reduz a autocobrança e os fantasmas que temos sobre nossa condição.”
 
Nesse momento, o psiquiatra explica que é importante ter em mente que todos temos limites para ajudar o próximo. Por vezes, a intensidade dos sintomas aponta para a necessidade da ajuda de um profissional de saúde mental, sendo importante o direcionamento para um psicólogo, psiquiatra ou terapeuta. 
Casos em que os prejuízos vão se acumulando no campo pessoal, nos relacionamentos e no trabalho são exemplos de quando procurar por ajuda especializada.

DESMOTIVADO, COM MEDO E O DESAFIO DE DESABAFAR


Kayc Keven Amaral Machado
Kayc Keven Amaral Machado, de 18 anos, não conhecia o termo languishing, mas revela se sentir (foto: Arquivo pessoal)
Kayc Keven Amaral Machado, de 18 anos, estudante de jornalismo, confessa que nunca tinha ouvido o termo languishing, mas conta que é bem similar ao que está ocorrendo com a maioria das pessoas pós-pandemia. Ele revela que ultimamente se sente extremamente desmotivado e com medo das coisas.

“Não é exatamente como se tivesse parado na vida, sinto que cresci e me desenvolvi pessoal e mentalmente, mas, ao mesmo tempo, parece que as coisas continuam as mesmas. Evoluí de forma pessoal, mas não saí do lugar em relação à vida, tenho os mesmos costumes, rotinas e atividades de quando ainda tinha aos 16 anos e isso, de certa forma, me desespera. Sinto que perdi muitas coisas na vida e agora estou tendo que encarar a realidade de um adulto que eu não me preparei para ser.”
 

Parece que minha mente está tão fatigada que qualquer problema ou conflito a leva ao ponto extremo e ao quase surto. A minha vontade de crescer e viver diminuiu. Na verdade, não exatamente diminuiu, só sinto medo de coisas que antes sentia muita vontade

Kayc Keven, de 18 anos, estudante de jornalismo

Kayc Amaral diz que até já conversou com as pessoas mais próximas sobre como sente: “Na verdade, já. Muitas vezes, eu e meus amigos conversamos bastante sobre isso sempre, pois acho que de uma forma geral ajuda bastante a tentar lidar, mas é algo que não tem volta, então é bem difícil aceitar e realmente enfrentar alguns desafios. Acho que desabafar seja um ótimo caminho, principalmente com profissionais, como em uma terapia, e alguns métodos de tratamento que nos ajudem a cada vez mais se sentir bem e estável com essa situação”.
 
Outra saída que Kayc Amaral destaca é que costuma usar como válvula de escape sair. Depois de tanto tempo dentro de casa e tantas medidas restritivas, aproveita qualquer oportunidade de contato e diversão.

“Mas sinto também que, às vezes, só faço isso para preencher minha cabeça e ocupar minha atenção com outra coisa em vez de encarar outras. Mas parece que minha mente está tão fatigada que qualquer problema ou conflito a leva ao ponto extremo e ao quase surto. A minha vontade de crescer e viver diminuiu. Na verdade, não exatamente diminuiu, eu só sinto muito medo de coisas que antes sentia muita vontade. Daqui a alguns meses, vou ter que me mudar para a cidade onde farei faculdade, e isso, por exemplo, está me causando vários questionamentos mentais e ansiedade, mesmo sendo algo com que sempre sonhei. Então, creio que sim, muitos dos meus sonhos foram adiados.”
 

SINAIS DE UM POSSÍVEL LANGUISHING
 

  1. Estado de profundo vazio pessoal.
  2. Sensação de estar “adormecido" psicologicamente.
  3. Percepção em estar estagnado de uma maneira geral.
  4. Sentimento de estar sem saída.
  5. Certeza em ser dominado por uma profunda apatia generalizada.
  6. Dificuldade para focar em atividades.
  7. Falta de interesse geral.
  8. Falta de esperança.
  9. Visão negativa e pessimista.
  10. Não consegue fazer planos.
  11. Sente medo.
  12. Aos poucos começa a parar de fazer suas atividades porque vê sua vida estagnada.

COMO ENFRENTAR O LANGUISHING

  1. Não ter receio de viver uma nova rotina.
  2. Dar atenção ao que realmente importa.
  3. Acordar mais cedo.
  4. Criar o hábito de ler algo interessante.
  5. Se exercitar.
  6. Buscar o autoconhecimento.
  7. Buscar estudar mais sobre sua área de interesse.
  8. Se desafiar diariamente.
  9. Focar no presente
  10. Buscar motivação, interesse, otimismo e credulidade em suas possibilidades.
  11. Entender que controla poucas coisas na vida além da sua própria atitude... e olhe lá.
 


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