Psiquiatra, psicanalista e professora do curso de pós-graduação em psiquiatria Ipemed, Gilda Paoliello, em entrevista ao Bem Viver, explica por que o languishing não pode ser apontado como um transtorno mental e, portanto, não é uma doença.
Ela também alerta sobre o respeito a quem está sofrendo diante do languishing e que ninguém deve normatizar ou usar parâmetros morais para avaliar o sofrimento alheio.
Ela também alerta sobre o respeito a quem está sofrendo diante do languishing e que ninguém deve normatizar ou usar parâmetros morais para avaliar o sofrimento alheio.
Languishing é mais um transtorno mental fruto da pandemia?
O termo languishing não constitui um transtorno mental. Ele foi proposto pelo sociólogo americano Corey Keyes e descrito pelo psicólogo organizacional Adam Grant em matéria no The New York Times. Descreve um estado emocional que, em sua essência, se define pelo vazio, sentimento de apatia e, ao mesmo tempo, de apreensão, surgido nestes tempos sombrios da COVID-19. Seria uma tentativa de nomear o sintoma de nossa atualidade, caracterizado pela inexistência de uma bússola que possa permitir previsões, deixando todos à deriva. Na ausência de respostas sobre o futuro, surge uma apatia, uma languidez emocional como defesa. O termo logo se disseminou pela identificação que as pessoas tiveram com o que estava sendo descrito. Poder nomear os próprios sentimentos e ver que, de certa forma, ele é universal, dá um certo alívio.
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Entenda o languishing: entorpecimento da vida e sensação de vazioLanguishing: um barco à deriva, a vida sem direção, sem destinoEstudo revela que vinho pode ter ação protetora contra COVID-19É necessário acionarmos o polo oposto da apatia, que representa a pulsão de vida. É tempo de se reinventar e não se deixar cair na armadilha de que a pandemia nos impede de tudo. Importante uma reflexão sincera no sentido de não se colocar a pandemia como justificativa para as próprias acomodações e limitações. Temos lidado com muito sofrimento real pelas perdas e sequelas deixadas pela COVID-19 e constatamos que o melhor antídoto é a criatividade. Mas para aqueles que se paralisam no languishing, nesse limbo emocional que leva a uma espécie de anestesia que impede a pessoa até de perceber a necessidade de pedir ajuda, devemos estender a mão de forma ativa. A pandemia colocou todos numa condição de sobreviventes, é essencial buscarmos práticas que nos lancem para além dessa condição de estar entre a vida e a morte.
Se languishing não é uma doença, imagino ser ainda mais vista com preconceito. Imagino que surja o famoso mimimi, a desclassificação do problema, que há pessoas com problemas reais.
Sim, o languishing não é uma doença, mas um conjunto de manifestações emocionais frente as inconstâncias do novo cotidiano e não deve ser patologizado. Mas dependendo da intensidade e das consequências dessas manifestações, poderá, sim, se caracterizar como uma patologia e como tal deverá ser abordada. Entretanto, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, todo sofrimento é subjetivo e, portanto, deve ser respeitado. Alguns fazem da epidemia um refúgio para justificar suas limitações, outros encontram nela uma razão para se colocar de forma mais altruísta, relativizando seus problemas; enquanto outros são atropelados pelo real avassalador da COVID-19. Na formação do sintoma psíquico, realidade e vivência subjetiva têm o mesmo peso. Portanto, não devemos normatizar ou usar parâmetros morais para avaliar o sofrimento alheio. Lembrando que permitir a pessoa colocar seu sofrimento no campo da palavra possibilita dar a esse sofrimento uma nova dimensão, caminho para a elaboração e reposicionamento.
INDÍCIOS DO LANGUISHING
Mesmo com todos os transtornos existentes, surge um novo fenômeno que emergiu com a pandemia: o languishing, que inclui um sentimento persistente de apatia de difícil definição, mas que está longe dos extremos, seja o de felicidade plena e o da tristeza angustiante, mas sim no meio-termo. A psicóloga Ana Carolina Peuker, CEO e fundadora da Bee Touch, mental
healthtech responsável por mensurar riscos psicológicos digitalmente em empresas e instituições, aponta quatro indícios de que você pode estar desenvolvendo o languishing.
- Sentimento de “esvaziamento”: a crise sanitária global agrava este quadro. Não conseguir planejar o futuro é perturbador e acaba gerando mais ansiedade, acabando com a ilusão de que é possível ter controle das coisas. Ainda tivemos que nos adaptar muito rápido a tantas necessidades, e isso é exaustivo, pois as pessoas ficam em alerta contínuo. Essa exaustão é a responsável por causar o sentimento de culpa, esvaziamento emocional e apatia.
- Não se sente feliz e nem triste: existe um grupo que não se sente triste ao ponto de se encaixar na depressão, já que tem energia para tarefas do dia, mas está longe de estar satisfeito com a vida. Esse é um sintoma muito comum, que é praticamente invisível, e os tratamentos são destinados aos transtornos já existentes. Porém, quem não se encaixa nos critérios de depressão, síndrome do pânico, burnout e outros? A pessoa não consegue se realizar, por isso, também sofre.
- Não conseguir ter uma visão positiva: mesmo não se sentindo extremamente triste, a pessoa que apresenta o quadro de languishing não tem a dimensão positiva do futuro, apresentando padrões mais negativos e falta de perspectiva. Isso poderia ser definido como uma visão “embaçada” do futuro, a pessoa pode ter a sensação de que sua vida está estagnada. Se na síndrome de Burnout a sensação é de um motor pifado pelo “superaquecimento”, no languishing é como se o motor só pegasse “no tranco”.
- Sentir-se desmotivado no trabalho: na rotina profissional, uma das sensações que são importantes para a alegria é a sensação de progresso. Quem sofre com o languishing pode ficar desmotivado e, aos poucos, perder a produtividade. Assim, acaba criando um ciclo vicioso e levando para outras áreas da vida, como também a vida pessoal. Se a crise pandêmica fez com que muitas pessoas encontrassem seu propósito, neste quadro é ao contrário, as pessoas deixam de reconhecê-lo e se sentem sem rumo.