Pela primeira vez, uma pessoa com a medula espinhal completamente danificada foi capaz de andar novamente, graças a um implante desenvolvido por uma equipe de pesquisadores suíços.
O italiano Michel Roccati ficou paralisado após um acidente de moto há cinco anos que o fez parar de sentir completamente as pernas. Recentemente, ele passou por uma cirurgia para colocar um implante elétrico ligado à sua coluna, tecnologia que ele diz ser "como um presente". Os animadores resultados do procedimento foram divulgados nesta segunda-feira (7/2) na revista científica Nature Medicine.
"Eu me levanto, ando para onde quero, posso subir as escadas. É quase uma vida normal", comemorou o jovem em entrevista à BBC.
Os pesquisadores, por sua vez, ressalvam que esta conquista não significa ainda uma cura para lesões na medula espinhal e que a tecnologia ainda é complicada para ser usada no dia-a-dia. Entretanto, eles reconhecem que trata-se que um grande passo para a melhora na qualidade de vida de pessoas com essa condição.
Os nervos da medula espinhal têm a função de enviar sinais do cérebro para as pernas. Por isso, algumas pessoas ficam paralisadas quando os nervos são danificados por uma lesão.
No caso de Michel, não havia sinal para as pernas porque sua medula espinhal foi completamente lesionada. É aí que entra o implante: ele envia sinais diretamente para as pernas, permitindo que o paciente ande, mas apenas quando o implante está colocado. O italiano tem caminhado com a ajuda também de um andador.
A determinação de Michel também teve papel em sua recente conquista: ele contou que, desde o acidente, condicionou-se a progredir o máximo que pudesse.
"Eu lutava boxe, corria e treinava na academia. Depois do acidente, não pude fazer as coisas que eu gostava, mas não deixei meu humor baixar. Nunca parei minha reabilitação. Queria resolver meu problema."
A velocidade da recuperação de Michel surpreendeu a neurocirurgiã que inseriu o implante e conectou habilmente eletrodos a fibras nervosas, a Jocelyne Bloch, do Laboratório de Neuroterapias e Neuromodulação (LNTM) em Lausanne, Suíça.
"Fiquei extremamente surpresa", ela disse à BBC. "Michel é absolutamente incrível. Ele conseguirá usar essa tecnologia para progredir cada vez mais."
A pesquisa também foi celebrada por Ram Hariharan, consultor do Hospital Geral do Norte em Sheffield, na Inglaterra, que não fez parte da equipe envolvida no experimento.
"Eles fizeram algo que não foi feito antes", aponta Hariharan. "Eu não ouvi falar de nenhum estudo onde foi colocado um implante e isso demonstrou melhora do equilibro e a produção de movimentos musculares, o suficiente para uma pessoa ficar de pé e andar."
Mas o cientista lembra que ensaios clínicos, testes envolvendo dezenas de pacientes, precisam ser realizados antes que se possa dizer que o tratamento é eficaz.
Progresso em etapas
"Precisamos de mais números [de pacientes] para mostrar que, primeiro, é um procedimento seguro e que melhora significativamente a qualidade de vida. Só então ele pode ser levado adiante".
Até agora, nove pessoas receberam o implante e recuperaram a capacidade de andar. Entretanto, nenhum deles usa a tecnologia em suas rotinas, porque seu manejo ainda é complicado. Em vez disso, eles a usam para praticar a caminhada com a supervisão de profissionais, algo que exercita seus músculos, melhora a saúde e, muitas vezes, é capaz de restaurar um pouco dos movimentos.
David M'zee foi um dos primeiros pacientes a receber o implante. Assim como Michel, ele conseguiu andar com o implante enquanto usava um andador. A saúde de David melhorou a tal ponto que ele conseguiu ter uma filha com sua parceira Janine, algo que não era possível após seu acidente em 2010.
A filha, Zoe, agora tem 1 ano de idade. Ela adora competir com o pai, e chegar na frente, quando os dois estão andando com seus andadores.
"É realmente bonito!", comemora David M'zee com um orgulho paternal. "É muito divertido. É a primeira vez que ando com ela dessa maneira: ela com seu andador infantil, eu com meu andador."
Ter uma família deu a David uma enorme alegria. Ele relata que o implante trouxe outros benefícios além da possibilidade de andar, como o controle da hipertensão.
"São essas pequenas coisas que fazem uma grande diferença", ele contou à BBC.
Ainda há um longo caminho a percorrer antes que a tecnologia possa ser usada ampla e rotineiramente por pessoas com movimentos paralisados, de acordo com o professor Grégoire Courtine, que liderou a equipe que desenvolveu a tecnologia na École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL).
"Esta não é uma cura para a lesão medular, mas é um passo fundamental para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Vamos empoderar as pessoas. Vamos dar-lhes a capacidade de ficar de pé, de dar alguns passos. Não é suficiente, mas é uma melhoria significativa."
A cura significaria a regeneração da medula espinhal, o que possivelmente pode ocorrer com terapias com células-tronco, que no entanto ainda estão em um estágio muito inicial de pesquisa. Courtine acredita que sua tecnologia de implante pode ser usada em conjunto com os tratamentos de regeneração nervosa assim que estes estiverem mais avançados.
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