
Estar menstruada pode de fato ser incômodo, principalmente quando os sintomas são intensificados por alguma patologia que merece investigação e acompanhamento médico. Entretanto, parte desse desconforto está ligada a anos de estigmatização em torno do sangue menstrual, que ainda é tido como sujo e impuro em diversas culturas e religiões. Além disso, não possuir itens básicos de higiene, como os absorventes, faz com esse período seja indesejado e incapacitante.
A socióloga e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Ana Liési Thurler explica que a menstruação esteve milenarmente associada à impureza: "Na Bíblia ou no Alcorão, já havia o entendimento de que a mulher é considerada impura durante a menstruação. Elas, quando menstruadas, não podem participar das orações do Ramadão, e aquele que tocar nela ou nos objetos que ela havia tocado precisa lavar as vestes e banhar-se". São fatores religiosos como esse que mantêm o estigma e dificultam diálogos mais abertos sobre o assunto.
Nos primeiros ciclos, essa conversa torna-se mais pertinente ainda e, mesmo assim, as sensações iniciais costumam ser de desconforto e repulsa. Foi o que vivenciou a estudante de ciência política Marcela Barros, 19 anos, que, apesar de receber da mãe as orientações e explicações sobre a normalidade daquele sangramento, sentiu-se assustada e enojada. Hoje, a jovem reconhece que o tabu em torno da temática influenciou nessa relação. "Ninguém falava disso, não às claras, não como se fosse um assunto completamente natural, e isso contribui para que o encaremos como algo que deve ser considerado estranho."
Recentemente, Marcela participou das mobilizações no Congresso Nacional pela derrubada do veto presidencial ao Projeto de Lei nº 4968/19, que tem como um dos objetivos garantir gratuitamente absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Tanto para a estudante quanto para a socióloga Ana Thurler, essa pauta é de extrema importância, já que a ausência de produtos de higiene adequados interfere, por exemplo, no rendimento escolar das meninas, que precisam ausentar-se desse ambiente e, consequentemente, perdem oportunidades.
Falar e informar-se sobre a menstruação, portanto, é o primeiro passo para conhecer as potencialidades e as limitações que cada momento do ciclo proporciona; para vencer o estigma do sangue impuro, que hierarquiza homens e mulheres, e para lutar por dignidade menstrual e garantir direitos básicos de acesso à saúde e à educação.
Dicas de autocuidado
Começar a usar o coletor menstrual mudou a relação de Andreia com seu ciclo
Começar a usar o coletor menstrual mudou a relação de Andreia com seu ciclo (foto: Arquivo pessoal)
O avanço nos debates sobre menstruação possibilitou também a popularização de produtos de higiene diferentes dos absorventes descartáveis convencionais. Para a assistente social Andreia Pádua, 33 anos, o uso do coletor menstrual e da calcinha absorvente tem melhorado a relação com seu ciclo. Isso porque ambos proporcionam a sensação de conforto e segurança, além de permitirem a realização de suas atividades diárias de maneira mais fluida. "Outro benefício está na colaboração com o meio ambiente, visto que reduzem a produção de lixo", complementa.
Já para Marcela Barros, a utilização do coletor gera desconforto e, por isso, optar pelo absorvente tradicional de algodão, de cobertura suave, é uma saída. Mesmo assim, a jovem sugere, para as mulheres que conseguem superar esse incômodo, que priorizem itens menstruais mais sustentáveis. Outra recomendação diz respeito à rotina de autocuidado para os dias de maior indisposição: atender, na medida do possível, ao que o corpo pede e permitir se sentir sensível são atitudes que costumam funcionar. A manutenção dos exercícios físicos também auxilia nas cólicas e melhora o humor.
As terapias alternativas, como aromaterapia e acupuntura, são as opções de Andreia, que tenta evitar medicamentos, para lidar com os momentos em que seu fluxo é mais intenso. Além disso, compressas de água morna na região mais baixa do abdome são realizadas para aliviar as dores. A dica principal, entretanto, está em ser gentil consigo mesma e respeitar as próprias limitações, comportamentos que exigem, também, autoconhecimento. Afinal, fazer as pazes com o ciclo menstrual pode ser mais enriquecedor do que tentar resistir — todos os meses — a ele.
A luta pela dignidade menstrual continua
Marcela em evento sobre pobreza e dignidade menstrual
Marcela em evento sobre pobreza e dignidade menstrual (foto: Arquivo pessoal)
Segundo dados do estudo Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio; mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas; e 116 mil dependem de doações para ter acesso a absorventes. A socióloga Ana Thurler lembra que a oferta de novos produtos menstruais, por exemplo, um mercado em ascensão para as empresas, apesar de positiva, não chega a esse público mais vulnerabilizado, que, por vezes, utiliza até mesmo miolo de pão no lugar de absorventes.
No Distrito Federal, a Lei nº 6779, que prevê a distribuição gratuita de absorventes na rede de escolas públicas e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), de autoria da deputada Arlete Sampaio, foi sancionada pelo governador em janeiro de 2021. Em outubro, foi lançada a campanha Dignidade Feminina — Da transformação de meninas a mulheres: mais cidadania e menos tabu, pela Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) com as demais secretarias do GDF coordenadas por mulheres. A ação objetiva promover a discussão sobre a falta de recursos para cuidados íntimos durante o período menstrual, além de estimular a doação de absorventes, roupas e demais itens de higiene.
Apesar disso, a maior parte das iniciativas parte da própria sociedade. O projeto sem fins lucrativos Fluxo sem Tabu, com atuação no Distrito Federal e em oito estados, luta pela democratização do conhecimento sobre a menstruação e fornece itens de higiene íntima para as camadas mais vulneráveis da sociedade. Para ser voluntária, basta preencher um formulário presente no site do programa. Além disso, recentemente, o presidente da empresa Cacau Show, Alexandre Costa, anunciou que planeja destinar 3 mil pontos de venda de sua rede para a logística de distribuição de absorventes.
Os novos ciclos
A cada geração, meninas e meninos entram na puberdade mais cedo e, consequentemente, a menstruação também tende a ocorrer precocemente. Segundo a endocrinologista Anna Paula Oliveira, isso se deve a fatores como o aumento do Índice de Massa Corporal, que leva ao acúmulo de gordura e à produção antecipada de hormônios sexuais, e a presença de disruptores endócrinos no corpo, isto é, substâncias presentes em cosméticos, plásticos e poluição que geram a ativação dos hormônios.
A psiquiatra Nathália Arruda alerta para os possíveis efeitos emocionais da menstruação precoce. "Quanto maior a diferença entre a idade cronológica e a maturação sexual, maiores tendem a ser as repercussões psicológicas, tais como sintomas depressivos e ansiosos, sentimento de inadequação, distorções de imagem corporal e maior risco de abuso sexual." Por isso, a importância da atenção dos pais a essas mudanças, assim como da consulta ginecológica logo após a primeira menstruação.
Nesse primeiro momento, o atendimento médico é a oportunidade para as meninas se sentirem à vontade e tirarem dúvidas. Ana Luiza Resende, ginecologista geral, ressalta que, normalmente, nas consultas iniciais, as perguntas se concentram no que fazer para aliviar as cólicas, como manter a higiene correta durante o período e qual produto menstrual utilizar. A ginecologista e obstetra Karla Frota lembra, ainda, que é normal, nos dois primeiros anos da menstruação, ter irregularidades, tanto de frequência quanto de volume do fluxo.
Sinal de alerta
Se, passados os dois primeiros anos de menstruação, os ciclos mantiverem-se irregulares, a orientação é investigar as possíveis causas, como sugerem as ginecologistas Ana Luiza Resende e Karla Frota. Além disso, dores incapacitantes, que não passam com medicação oral, e sangramento intenso por mais de sete dias também exigem atenção. A endocrinologista Anna Paula Oliveira cita também a ausência de menstruação durante o período equivalente a três ciclos e o intervalo entre fluxos acima de 40 dias como fatores que merecem averiguação.
Entre as patologias mais comuns relacionadas à menstruação estão a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) e a endometriose. Em ambos os casos, há alterações no ciclo, mas, no primeiro, sintomas como excesso de peso, de pelos e de acne também são comuns. No segundo, podem ocorrer dores na parte inferior das costas e do abdome, na pélvis, no reto ou na vagina, além de dores ao defecar ou durante a relação sexual.
No que tange ao sistema endócrino, as principais causas hormonais ligadas à irregularidade menstrual são aumento na produção de prolactina, hormônio relacionado ao aleitamento; alteração na tireoide — hiper ou hipotireoidismo; modificações na glândula suprarrenal e mudanças na composição corporal (obesidade, anorexia e bulimia). "Cada caso deve ser ajustado à secreção hormonal, com reposição ou bloqueio. No que concerne às alterações de composição corporal, o tratamento nutricional deve ser instituído", especifica Anna Paula.
Empreendedorismo feminino

A ideia surgiu de Maria Eduarda, que, durante a pandemia, resolveu produzir os absorventes de pano para uso próprio, e acabou despertando nas amigas o interesse pelo produto. Apesar de já estar habituada a alternativas mais ecológicas, como o coletor menstrual, utilizado há anos, a jovem buscava opções mais fáceis de trocar na rua. Com isso, a motivação para fabricar os bioabsorventes estava completa.
"Os bioabsorventes da Mimosa são feitos com 100% de algodão, botão de pressão para melhor se ajustar na calcinha e estampas fofas. Nosso processo é todo artesanal, então colocamos muito amor e carinho em tudo que fazemos", detalha Maria Eduarda. A aceitação e a procura do público têm sido grande e, ao exporem em feiras, sempre aparecem pessoas curiosas para testar e entender mais sobre as "almofadinhas de pano".
Outra marca brasiliense que se dedica a produtos menstruais é a Lunittas (@_lunittas), fundada pela estudante Natália Gonçalves. A busca por um estilo de vida mais sustentável foi o que a motivou a pesquisar sobre novos artigos de higiene, mas o objetivo vai além de reduzir o uso dos absorventes descartáveis. O maior cuidado com a saúde íntima, evitando os químicos industriais, foi também uma preocupação.
A relação das mulheres com seus corpos e a discussão sobre menstruação é, para Natália, algo extremamente importante. "Fomos educadas a não gostar do nosso próprio corpo e a odiar o fato de sangrar todo mês. Com produtos que não são descartáveis, logo percebemos que, em algum momento, teremos que lavar e tocar no nosso sangue, gerando outro sentido nessa relação.", explica.
A finalidade do empreendimento tem sido cumprida, visto que o feedback das clientes é bastante positivo, com relatos de melhora, tanto na relação com o corpo quanto no bem-estar físico. "Não se trata apenas de uma marca, acreditamos que podemos ajudar mulheres a terem uma vida mais saudável e feliz", finaliza a jovem. No momento, o principal meio para adquirir os itens é pelo site, com expectativas de expandir os negócios futuramente.
Alimentação balanceada
Investir na saúde por inteiro inclui também alimentar-se adequadamente. A nutricionista e especialista em saúde da mulher Lígia Carneiro sugere observar em qual fase o ciclo está, já que o corpo demanda nutrientes diferentes em cada momento. Na fase lútea, pós-ovulação, o hormônio progesterona, responsável pela manutenção de uma possível gravidez, aumenta no início do ciclo, trazendo vitalidade e energia, e cai, ao final, gerando os sintomas da TPM.
Para impedir que essa redução ocorra de forma brusca, estratégias nutricionais com foco em detoxificação são essenciais. Portanto, recomenda-se consumir alimentos ricos em vitamina C e B6, cálcio, magnésio e ômega-3, além de sementes, como a de girassol. Pratos que contenham triptofano, como aveia, folhas verdes, ovo, banana, chocolate amargo, colaboram para melhorar o humor, o prazer e a sensação de bem-estar, como ressalta Ana Luiza Resende.
Na fase folicular, antes da liberação do óvulo, há a predominância do hormônio estrogênio, diretamente relacionado à produção de serotonina e ao aumento da libido. Em desequilíbrio, ele pode aumentar inflamações e gerar estresse. Para evitar isso, a dica é investir em fitoestrogenos — compostos que regulam esse hormônio — como a linhaça. Boas fontes de carboidratos, como tubérculos e frutas, também auxiliam no processo.
"Evitar toda categoria de açúcar, refinados, industrializados, álcool, além de procurar ter um sono adequado e modular o estresse, mantendo a atenção ao momento presente, praticando técnicas de meditação e fazendo atividade física, são recomendações fundamentais para regular os hormônios", finaliza Lígia Carneiro.
Mente sã, fluxo são
A psiquiatra Nathália Arruda explica que existem fortes evidências de que o estresse emocional, oriundo de quadros depressivos e ansiosos, inibe o eixo hipotálamo-hipótese-gônadal e causa irregularidade menstrual, amenorreia (ausência de menstruação) e até infertilidade. "A função cíclica ovariano pode ser facilmente perturbada por um estresse emocional, levando à interrupção temporária da menstruação", completa. A serotonina, principal neurotransmissor envolvido em patologias como depressão e ansiedade, age como uma dupla com o estrogênio, então, quando um está baixo é provável que o outro também esteja.
A ligação entre neurotransmissores e hormônios justifica também as alterações de humor na TPM. Entretanto, no que concerne ao momento pré-menstrual, é necessário avaliar a intensidade dos sintomas, já que em casos mais debilitantes, há de se avaliar a possibilidade de existirem patologias, como o transtorno disfórico pré-menstrual. No TDPM, as mudanças de temperamento e os sintomas físicos geram prejuízos significativos para a pessoa, tais como instabilidade emocional, irritabilidade, tristeza, baixa autoestima, tensão e angústia. Os principais tratamentos estão ligados a mudanças no estilo de vida, a medicações e a pílulas anticoncepcionais.
Para todos os gostos
Qual produto menstrual escolher para o seu ciclo? Veja abaixo as vantagens e desvantagens das opções presentes no mercado:
Absorvente descartável externo*
- Vantagens: praticidade; variedade de tamanhos e níveis de absorção; facilidade em encontrar no mercado; valor acessível a curto prazo.
- Desvantagens: poluição ao meio ambiente; contém substâncias nocivas que podem causar alergias e infecções; desconfortável e suscetível a vazamentos; custo alto a longo prazo; e precisa ser trocado com frequência.
Absorvente descartável interno*
- Vantagens: praticidade; maior liberdade de movimentação para atividades físicas; conforto em praias e piscinas; facilidade em encontrar no mercado; valor acessível a curto prazo.
- Desvantagens: poluição ao meio ambiente; custo alto a longo prazo; precisa ser trocado com frequência; além de conter substâncias nocivas, causa ressecamento na região vaginal, desequilibrando seu pH.
Absorvente reutilizáveis de pano
- Vantagens: feito com algodão, portanto, não causa irritações; sustentável e econômico a longo prazo, já que é reutilizável; possui modelos diferentes para cada fase do fluxo.
- Desvantagens: custo inicial alto, visto que é necessário adquirir mais de um por ciclo; precisa ser trocado com frequência; é necessário esperar o tempo de lavagem e secagem para utilizar novamente.
Calcinha absorvente de tecido
- Vantagens: feito com algodão, portanto, não causa irritações; maior sensação de liberdade; sustentável e econômica a longo prazo; possui formatos e modelos diferentes para cada fase do fluxo.
- Desvantagens: custo inicial alto, visto que é necessário adquirir mais de uma por ciclo; precisa ser trocado com frequência; é necessário esperar o tempo de lavagem e secagem para utilizar novamente.
Coletor menstrual
- Vantagens: liberdade de movimentação; sustentável e econômico a longo prazo, já que pode durar anos; sem risco de vazamentos; feito com materiais hipoalergênicos e antibacterianos que evitam mau cheiro; não resseca a região vaginal; maior capacidade de armazenamento; e maior tempo para trocas, podendo ser utilizado por até 12 horas.
- Desvantagens: custo inicial alto; exige um período de adaptação; demanda atenção na esterilização e no armazenamento.
Disco menstrual
- Vantagens: liberdade de movimentação; sustentável e econômico a longo prazo, já que pode durar anos; feito com materiais hipoalergênicos e antibacterianos que evitam mau cheiro; não resseca a região vaginal; permite relações sexuais com penetração; maior tempo para trocas, podendo ser utilizado por até 12 horas.
- Desvantagens: custo inicial alto; exige um período de adaptação; precisa ser inserido próximo ao colo do útero, o que pode causar dificuldades na sua inserção e retirada; demanda atenção na esterilização e no armazenamento.
*Atualmente, existem no mercado opções de absorventes internos e externos descartáveis produzidos com matérias-primas naturais, como algodão orgânico e celulose. Por conta disso, não possuem toxinas que prejudicam a flora vaginal.
Cada caso é um caso
A escolha do produtos menstrual adequado depende de fatores como: se a mulher já tem vida sexual ativa, se apresenta alergia ao utilizar o absorvente descartável e se o fluxo é volumoso ou não. A médica Ana Luiza Resende lembra que ideal é consultar um ginecologista para conversar sobre as possibilidades, principalmente nos primeiros ciclos. Além disso, há uma ressalva sobre o uso dos coletores menstruais, que precisa ser avaliado em caso de pacientes que utilizam DIU. "Por fazer um vácuo na vagina, o coletor pode sugar o contraceptivo na retirada. Não é tão comum, mas já vi acontecer", alerta a especialista Karla Frota.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte