Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Viajar sozinho: caminho do autoconhecimento



Viajar é preciso. Entre muitas outras coisas, a pandemia nos tirou um dos grandes prazeres de viver em um planeta tão diverso e cheio de novos lugares e culturas para conhecer. Mas o avanço da vacinação permitiu que certos sonhos se tornassem realidade. Entre eles, fazer a mala e seguir, muitas vezes, ao encontro de si mesmo.




 
Esse é o caso da dona de casa Maria Arlete Pimentel de Lima, de 55 anos. Foi somente no fim do ano passado que ela conseguiu realizar um de seus antigos desejos: fazer a Romaria para Aparecida, em São Paulo. A aventura de Arlete, sua primeira viagem sozinha, sem a companhia de nenhum dos filhos ou do marido, estava programada para acontecer no início de 2020, mas teve que ser adiada em virtude da pandemia.
 
"Sempre tive vontade de fazer essa viagem, mas não tinha condições. Foi uma pena que, quando finalmente pude ir, tivemos que esperar. Além disso, estávamos todos com medo, sem saber direito o que ia acontecer. Rezei muito", conta Arlete.
 
Gustavo Emmanuel de Castro sempre teve o hábito de viajar sozinho e quando terminou a faculdade fez um intercâmbio de um ano que mudou sua vida (foto: Ed Alves/CB/D.A Press - 29/11/21)
 
 
Não foi fácil para a dona de casa lidar com a frustração da viagem, adiada indefinidamente. E, apesar de todo o medo trazido pelo novo coronavírus, Arlete conta que tudo correu bem em sua família. Respeitando o isolamento e se vacinando assim que podiam, todos ficaram com saúde.




 
Com o grupo de amigas da igreja, duplamente vacinada, ela, finalmente, pôde realizar o sonho. Em novembro, embarcou em um ônibus e acrescentou novas bênçãos em suas preces de agradecimento à santa. "Eu queria agradecer à Nossa Senhora pelas bênçãos alcançadas e, agora, também posso ser grata por ninguém da minha família ter pego essa doença horrível. Todas estamos felizes, contentes por, finalmente, viver esse momento especial."
 
Além de ser a primeira viagem solo de Arlete e a realização de um sonho de juventude, o passeio foi a primeira vez em que ela se afastou da família desde o início da pandemia. "O sentimento principal é de felicidade e alívio por, finalmente, viver esse momento."
 
 
 
(foto: Arquivo pessoal)
 
 
Além da igreja e do roteiro religioso, Arlete conta, aos risos, que estava muito ansiosa para conhecer o shopping da cidade. Ficar no ônibus com as amigas e conhecer outras pessoas também foi importante para a aposentada. O isolamento a fez valorizar ainda mais as novas amizades. "Depois de afastar, acho que a pandemia reuniu as pessoas, fazendo a gente ser mais caridoso e humilde, valorizando o nosso próximo e as relações uns com os outros", acredita a dona de casa.





MOMENTOS EM FAMÍLIA Diferentemente de Arlete, o consultor político Gustavo Emmanuel de Castro, de 27, sempre viajou sozinho e até deixava de embarcar com a família para viver uma aventura particular. Tudo começou em 2017, quando ele fez um intercâmbio para a Irlanda.

Recém-formado na faculdade, Gustavo queria aperfeiçoar seu conhecimento da língua inglesa para o futuro profissional e descobrir o que queria fazer da vida. "Um amigo sugeriu essa viagem, eu estava bem perdido e curti a ideia. No fim, ele desistiu e eu acabei indo só", lembra.
 
Ao entrar no avião e se deparar com os comissários falando outra língua, assim como os passageiros, o frio na barriga aumentou, e o mix de medo e animação tomou conta de Gustavo. Foi a primeira vez que ele saiu de casa e, apesar das dificuldades que surgiram no caminho, o rapaz define a experiência como libertadora. "Tinha que me virar e, por ser uma pessoa muito ansiosa, ser forçado a viver tudo no presente me ajudou a me conhecer e entender melhor a vida", afirma.




 
Além de não ter muito tempo para se preocupar com as incertezas do futuro, Gustavo acredita que estar longe de casa e de todos que conhecia permitiu que ele se desligasse também do passado e pudesse entender melhor quem ele era no presente, sem interferências.

"Vivi tudo de maneira muito amplificada, foquei no presente, em mim mesmo e acho que pude me entender melhor, o que me permitiu voltar e ser uma pessoa melhor para minha família e meus amigos também. Além de ter uma noção do que eu queria da vida", conta.

LIBERDADE ZERO Porém, pouco tempo depois de voltar para o Brasil, Gustavo se viu trocando a liberdade total pela liberdade zero. O isolamento com os pais e a irmã fez com que a readaptação de Gustavo à convivência familiar 24 horas por dia acontecesse intensamente.



Em home office durante todo o ano, depois da vacinação, surgiu a oportunidade da primeira viagem após o isolamento. Foi a primeira vez, desde a infância, que Gustavo viajou com a família. Em Fortaleza, além de estar com os pais e a irmã, ele pôde reencontrar toda a família do pai, que não via havia mais de 10 anos.
 
"Sempre fui mais na minha, não viajava tanto com eles, mas acho que a pandemia me fez entender o quanto vale a pena a gente valorizar esses momentos com quem amamos. Vale a pena me esforçar para estar com eles, em vez de priorizar outra viagem sozinho, por exemplo."
 
Mas a experiência positiva não tirou o espírito aventureiro de Gustavo. Ele já se prepara para viver algo novo assim que tirar suas primeiras férias com carteira assinada. Sempre pensando para onde vai depois, ele planeja conhecer a América Latina, e a Patagônia está em primeiro lugar na lista. "Vou sozinho e lá reencontro alguns amigos que fiz pelo mundo. As grandes viagens que mudaram a minha vida eu fiz sozinho e estou ansioso e animado para descobrir o que me aguarda", diz.
 
Para Gustavo, a liberdade é um dos grandes atrativos desses passeios. Quando está acompanhado, ele acha que fica mais cauteloso; sozinho, permite-se um pouco mais. Sem precisar combinar e considerar a vontade de outras pessoas, pode viver experiências únicas e inesperadas.