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Estado de Minas SAÚDE

Os alimentos naturais também têm seus riscos

Especialista esclarece que os ingredientes encontrados em plantas e oferecidos como tratamento potente na cura de doenças têm seus efeitos colaterais


13/03/2022 04:00 - atualizado 13/03/2022 08:17

Frederico Anselmo destaca que qualquer produto químico ingerido, natural ou sintético, tem potencial tóxico
O endocrinologista Frederico Anselmo alerta que até mesmo a conhecida vitamina D deve ter ingestão sob controle devido ao seu potencial tóxico (foto: Arquivo Pessoal - 17/2/22)
A mistura de desejos se torna, muitas vezes, difícil de controlar. Vontade se soma ao impacto da publicidade e do marketing e ao poder de convencimento bombardeado nas páginas da internet, nas postagens nas redes sociais, sobretudo na força dos blogueiros e famosos ou até mesmo em lojas físicas. As substâncias ditas naturais prometem efeitos rápidos e milagrosos para várias demandas, do emagrecimento ao ganho de potência sexual, e que podem ser mais do que enganosos. Os perigos podem, inclusive, levar à morte do usuário.
 
Os casos fatais não são raros, sendo um último com repercussão o da enfermeira Mara Abreu. Ela tomou cápsulas feitas da mistura de 50 ervas de um chá emagrecedor que provocou hepatite. Mara teve de ser submetida a transplante de fígado no Hospital das Clínicas de São Paulo, e morreu das complicações decorrentes do transplante.
 
Mistura de ingredientes sem procedência em drágeas podem até matar
Consumo de complexos de drágeas anunciados como mistura de ingredientes vegetais pode levar à morte (foto: Volodymyr Hryshchenko/Unsplash)
O caso levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a divulgar nota, em 4 de fevereiro, na qual alerta que produtos com a marca “50 Ervas Emagrecedor” estão proibidos no Brasil desde 2020, por não estar regularizados como medicamentos. “Entre estes componentes estão o chapéu-de-couro, cavalinha, douradinha, salsa-parrilha, carobinha, sene, dente-de-leão, pau-ferro, centelha asiática. Essas espécies vegetais têm autorização para uso somente em medicamentos, como fitoterápicos, e não em suplementos alimentares”, alertou a Anvisa.
 
O médico Frederico Rodrigues Anselmo, endocrinologista do Hospital Vila da Serra, de Belo Horizonte, chama a atenção para que as pessoas tenham em mente o fato de que um produto classificado como natural não significa ausência de efeitos colaterais. “Ao ingerirmos um produto natural, não temos como saber quais as substâncias presentes nesse produto, nem mesmo o quanto de cada substância estamos ingerindo. O risco de intoxicação é real. O certo é utilizarmos produtos vendidos por empresas que confirmem quais as substâncias estão presentes no produto e informem os riscos da ingestão destes.”
 
Entre os produtos naturais, os chás parecem ser os campeões de ingestão indiscriminada, tanto para milagres estéticos quanto para cura de muitas doenças. O primeiro facilitador está na crença de que 'se é natural, não tem malefícios'. Essa afirmativa é falsa. Qualquer produto químico ingerido, natural ou sintético, tem um potencial tóxico.
 
O segundo facilitador está na tentativa de se obter um efeito desejado da forma mais fácil e rápida possível. Assim, seria muito mais fácil perdermos peso apenas tomando uma xícara de determinado chá pela manhã do que fazer uma reeducação alimentar e atividade física regularmente. “Por fim, quando mediante às limitações da ciência médica (a exemplo da cura de determinada doença), o ser humano tende a procurar por curas milagrosas, esquecendo-se, às vezes, de buscar informações sobre os riscos presentes nos seus atos”, avisa o endocrinologista.

Sem milagre Ao lado no produto natural, surgem também modismos e receitas que ficam em evidência por algum tempo. É o caso da água com limão. “Não vejo riscos em tomar uma dose de água com limão pela manhã. Estamos falando de uma fruta rica em vitamina C, em uma dose que sabemos não ser tóxica. Entretanto, não devemos deixar de fazer nenhum tratamento necessário, prescrito por um médico, acreditando que a água com limão possa substituir esse tratamento”, destaca Frederico Anselmo.
 
O modismo, ou seja, aquilo que está “bombando” no mundo da alimentação natural, conta com impressionante veiculação em sites e blogs, até mesmo de médicos que se tornam famosos no Instagram. Forma-se uma avalanche de informação na qual muitos usuários das redes podem se perder. Frederico Anselmo recomenda cuidado ao avaliar todo esse conteúdo. “Quando nos referimos àquelas (informações) que podem impactar na saúde, temos que ter um cuidado maior. Procure ter um médico de confiança, consulte-o sempre antes de iniciar algum 'suposto tratamento' visto na internet. É importante lembrarmos que, na maioria absoluta de casos, não existem tratamentos milagrosos.”

Por conta própria Além dos chás, shots funcionais, receitas milagrosas, a onda de pessoas que ingerem 100 ou mais cápsulas de vitaminas e minerais por dia também tem muitos adeptos. Frederico Anselmo enfatiza que a maioria das vitaminas e micronutrientes necessários para uma boa saúde pode ser obtida por meio de uma dieta equilibrada e saudável, não necessitando de complementação.
“Exceção a essa regra são pessoas que têm alguma doença ou condição clínica que exija doses maiores de algum nutriente (exemplo daqueles que têm doenças do intestino que podem atrapalhar a absorção de alguns nutrientes, ou fizeram cirurgias prévias, como a cirurgia bariátrica). Nesses casos, a suplementação, geralmente, se faz necessária”, afirma o médico.
 
A receita de algumas vitaminas, em especial a D, em algumas situações se faz necessária, mas a ingestão indiscriminada jamais deve ser encorajada, segundo Frederico Anselmo. A vitamina D também tem potencial tóxico. O endocrinologista destaca que médicos podem e devem prescrever suplementação de nutrientes, desde que diagnostiquem uma deficiência. Entretanto, é importante o fato de que uma suplementação benéfica para determinada pessoa não representa que ela o será para toda a população. O processo de complementação de nutrientes deve, sempre, ser individualizado e acompanhado por um profissional qualificado.
 
Outro desafio, nesse universo de quem busca soluções rápidas pondo em risco a saúde, é a decisão, por conta própria, referente a alguma restrição alimentar. Um exemplo pode ser a retirada do glúten da alimentação, mesmo que a pessoa não tenha doença celíaca. Cortar produtos com lactose, sem orientação médica, também é desaconselhável.
 
Frederico Anselmo afirma que a procura por um corpo perfeito ou uma saúde blindada a doenças sempre causa interesse da população. Tais objetivos devem ser alcançados com uma dieta equilibrada, hábitos de vida saudáveis e a prática regular de atividade física. Contudo, tais ações exigem mudanças de hábitos que nem sempre são bem aceitas. “O problema é que não sabemos quais substâncias estão presentes nesses compostos. Isso aumenta muito o risco de efeitos adversos”, alerta.
 

Palavra de especialista 

Adauto Versiani Ramos   
Médico endocrinologista do Hospital Felício Rocho, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais 
 
“Até hoje, em pleno século 21, escutamos que determinada planta é boa para isso ou para aquilo, e por ser planta ou ser natural não faria mal à saúde. Ledo engano! Devemos nos lembrar de que a diferença entre um remédio e um veneno está na quantidade e seu excesso pode ocorrer ou por dificuldade na metabolização ou por excreção dessas substâncias, causando risco de intoxicação e até morte. Além do mais, diversas substâncias presentes em algumas plantas podem interagir de forma negativa com certos medicamentos empregados no tratamento de algumas doenças atrapalhando seu efeito ou potencializando danos colaterais. Outro ponto a ser abordado é que as plantas ou ditas substâncias naturais podem conter também alguns compostos que fazem mal à saúde, podem ter problemas de pureza e não há controle de qualidade. Desconfie de produtos milagrosos, pois, na grande maioria das vezes, não passam de panaceia sem nenhum benefício real comprovado, podendo agravar ainda mais o quadro de saúde do indivíduo. Algumas podem até ser cancerígenas (aumentar o risco de câncer). Existem vários casos de relatos de enjoo, vômitos, elevação da pressão arterial, irritações, problemas no sistema nervoso central, edema (inchaço), intoxicação, lesão renal ou hepática e até a morte. Portanto, não dê bobeira. Não acredite em tudo que ouve ou lê na internet, procure por orientação do seu médico de confiança e não corra riscos sem necessidade. Sua vida vale este cuidado.” 


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