As notícias recentes da morte de duas mulheres com danos no fígado após tomar fórmulas emagrecedoras chamou a atenção para o consumo desse tipo de mistura.
A enfermeira Mara Abreu morreu em fevereiro com uma hepatite fulminante que os médicos suspeitam ter sido causada pela ingestão do chá "50 ervas Emagrecedor", cuja venda é proibida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A cantora Paulinha Abelha morreu no mesmo mês de meningoencefalite, hipertensão craniana, insuficiência renal aguda e hepatite. Ela tomava diversas fórmulas (com 18 substâncias ao todo) e laudos médicos mostraram que ela tinha anfetamina no sangue e que as lesões que teve no fígado são compatíveis com as causadas por efeitos de medicamentos.
Médicos especialistas — endocrinologistas, gastroenterologistas e hepatologistas — alertam sobre os riscos de consumo de fórmulas para perder peso, que misturam diversas substâncias, entre elas suplementos, ervas ou remédios.
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Quem precisa fazer tratamento da obesidade pode ter se assustado com as notícias e com o alerta ou acabar acreditando que qualquer tratamento tem os mesmos riscos.
Mas os médicos apontam que existem sim remédios para o tratamento de obesidade que são eficazes, seguros e que podem ser prescritos por médicos a pacientes que precisam perder peso.
"É preciso separar o joio do trigo", diz a endocrinologista e pesquisadora Maria Edna de Melo, médica do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
"Existem tratamentos modernos, que foram objeto de muitos estudos e pesquisas clínicas, e cuja segurança e eficácia foram comprovados", diz Melo.
Um deles, por exemplo, é a liraglutida, que tem poucos efeitos adversos e não tem muitas contraindicações.
Mesmo assim, explica Melo, é um tratamento que precisa ser indicado por um médico e acompanhado por outras mudanças, como uma melhora na alimentação e acompanhamentos do estado de saúde do paciente. Além disso, é um tratamento recente e ainda muito caro.
Por outro lado, acrescenta, "não existe erva, fitoterápico ou suplemento para emagrecer com eficácia e segurança comprovados. Às vezes na pressa, na busca por um milagre, ou porque é mais barato, muitas pessoas procuram essas opções, acham que parece mais saudável, mas acabam em situações que colocam sua vida em risco".
A médica que havia receitado fórmulas para emagrecer para a cantora Paulinha Abelha emitiu uma nota afirmando que "todos os medicamentos prescritos para a paciente foram dentro de todos os protocolos médicos previstos para o quadro clínico que ela apresentava".
Perigo para o fígado
A gastroenterologista e hepatologista Monica Valverde Viana, diretora da Associação Paulista para Estudos do Fígado, diz que é extremamente comum receber pacientes com danos no fígado causados pelo consumo de fórmulas e compostos para emagrecer. "Não tem um dia que não chegue alguém com esse problema", diz ela.
"É cada vez mais comum ver pessoas consumindo essas misturas. (Pegam do) personal (trainer) que vendeu a fórmula na academia, de farmácias de manipulação que vendem suas próprias fórmulas e muitas vezes até mesmo de nutricionistas e médicos nutrólogos", diz Viana.
O principal problema das fórmulas e misturas emagrecedoras, diz ela, é que elas misturam muitas substâncias diferentes que individualmente podem não ser danosas, mas cuja ação conjunta pode ser prejudicial.
"Como as fórmulas variam muito, não tem como ter estudos de segurança ou interação medicamentosa", explica.
"É muito comum que as fórmulas prescritas misturem remédios alopáticos com ervas e suplementos. O problema é que as fórmulas acabam tendo absolutamente tudo em excesso, o que pode causar uma hepatite medicamentosa", afirma Viana.
"Elas são prescritas em uma quantidade que acaba sendo uma overdose."
A hematologista explica que muitas das substâncias misturadas são metabolizadas no corpo pela mesma enzima. Ingeridas ao mesmo tempo nesses compostos, elas acabam sobrecarregando o fígado — ele precisa produzir mais daquela enzima, não dá conta e acaba intoxicado.
"Se é algo pontual, o corpo até consegue dar conta, o fígado consegue depurar. Mas com o uso crônico, fica mais difícil e gera lesões", afirma Viana.
Há dois tipos muito comuns de lesões no fígado geradas por substâncias ingeridas: as causadas por remédios (dili — drug induced liver injury, em inglês) e as causadas por ervas (hili — herbal induced liver injury). Ambas podem ser graves e até mesmo levar à morte, diz Viana, que indica os recursos online do Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig) para quem quiser saber mais.
Há ainda uma série de outros riscos não associados ao fígado — dependendo de quais substâncias estão presentes nas fórmulas emagrecedoras.
"Às vezes há um excesso de diuréticos ou suplementos proteicos que podem causar problemas nos rins. gastrite, colite, alergias, gases. Às vezes o paciente chega com uma alergia que ele não sabe nem do que — e tem tanta coisa na fórmula que ele toma que é difícil identificar", afirma Viana.
Além disso, a interação entre as diversas substâncias — quer sejam entre remédios, ervas ou suplementos — e o seu excesso podem gerar outros efeitos adversos difíceis de prever.
Alto risco
Viana e Melo afirmam que o fato de que muitas vezes profissionais de saúde prescrevem esse tipo de fórmula para emagrecer dificulta a conscientização.
Segundo as regras do CRM (Conselho Federal de Medicina), os médicos têm a liberdade de receitar fórmulas do tipo de acordo com sua avaliação individual sobre o paciente.
Viana e Melo explicam, no entanto, que o entendimento majoritário nas sociedades de endocrinologia e hepatologia é de que os riscos são muito altos. "São muitas substâncias ao mesmo tempo e sem estudos não tem como saber os limites diários de metabolização", afirma Viana.
As fórmulas não devem ser prescritas por personal trainers, coaches, farmácias de manipulação ou tomadas por conta própria, afirmam os especialistas. Mas e no caso de indicação por um médico ou nutricionista?
O médico Nelson Vinicius Gonfinetti, endocrinologista do Instituto Castro, explica que qualquer tipo de tratamento para perda de peso ser feito simultaneamente com o acompanhamento do estado de saúde do paciente — o monitoramento da saúde dos rins, do fígado, do sistema cardiovascular.
Se o médico não estiver fazendo esse acompanhamento ou se não fizer perguntas sobre o histórico de saúde do paciente, é um sinal vermelho, diz Viana.
Outros sinais para ficar atento, acrescenta Melo, são promessas de emagrecimento rápido, uso de imagens de pessoas muito magras e musculosas para vender tratamentos e associação de um número muito grande de substâncias.
"Na dúvida, melhor buscar uma segunda opinião (de outro profissional)", diz a endocrinologista e pesquisadora.
O principal, afirmam os médicos, é entender que "não existe fórmula mágica" para a perda de peso.
"Para os tratamentos que são seguros, a gente nem usa o termo emagrecedor, porque dá a ideia para a pessoa de que ela vai tomar a automaticamente vai ficar magra, vai secar, e essa ilusão é muito danosa para o paciente", assinala Melo. "Chamamos de tratamento para a obesidade."
"A obesidade é uma condição, uma doença crônica que pode ser muito estigmatizante, ter um impacto muito grande na saúde mental. E com a pressão muitas vezes as pessoas acabam procurando um atalho, procurando o que parece uma solução mais rápida, mas que acaba sendo perigosa", conclui a médica.
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