Estudo liderado por pesquisadores brasileiros ligados a instituições de Minas Gerais põe uma pá de cal sobre os supostos benefícios da ivermectina no combate à COVID-19. Publicado na revista científica “New England Journal of Medicine” (Nejm), o estudo, apontado como o maior sobre o tema até o momento, conclui que o fármaco não reduz o risco de hospitalização dos infectados pelo vírus. “O tratamento com ivermectina não resultou em menor incidência de internações médicas por progressão da COVID-19”, dizem os pesquisadores.
Desde o início da pandemia, a ivermectina, medicamento prescrito para a eliminação de parasitas, foi associado ao tratamento contra a COVID-19, depois que testes laboratoriais iniciais sugeriram que o remédio poderia bloquear a proliferação do vírus. Apesar de os supostos benefícios nunca terem sido demonstrados em testes em seres vivos, a droga continua sendo usada em alguns países. No Brasil, ela faz parte do “kit covid”, conjunto de medicamentos ineficazes ou sem eficácia comprovada contra a doença que, mesmo assim, continuam sendo promovidos como tratamento contra o coronavírus.
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Durante o estudo, salientou-se a importância de identificar terapias baratas e amplamente disponíveis contra a COVID-19, mas esse, definitivamente, não é o caso do vermífugo. “Não há indicação de que a ivermectina seja clinicamente útil”, disse Edward Mills, um dos principais pesquisadores desse novo estudo e professor de ciências da saúde na Universidade McMaster, do Canadá.
CORRIDA No início da pandemia, explica Reis, todo mundo procurou redirecionar medicamentos já existentes para um possível tratamento da COVID-19, já que encontrar um medicamento novo baseado na biologia viral era quase impossível, uma vez que nem se sabia qual era o genoma do vírus. “Dentro dessa ótica, utilizamos a pesquisa de medicamentos bem conhecidos que, do ponto de vista da ciência experimental, da ciência básica, demonstraram algum efeito contra o vírus. Por isso, foram estudados inicialmente três medicamentos: metformina, ivermectina e a fluvoxamina.
Até a publicação desse trabalho, o que se tinha era uma série de estudos de pequeno ou médio portes, com um número razoável de pacientes usando a droga, mas metodologicamente incompletos, não randomizado, não duplo-cego ou não controlado por placebo. Essas circunstâncias acabavam trazendo dúvidas na comunidade científica sobre realmente sepultar ou não a medicação, explica.
“Mas, agora, trata-se do maior estudo sobre a ivermectina já feito no mundo. Do ponto de vista acadêmico, científico e metodológico, é um estudo muito bem-feito, realizado dentro de uma rede de colaboração enorme. Nosso grupo Together é considerado o mais importante de pesquisa em COVID-19 ambulatorial do mundo inteiro. Acreditamos que, a partir de agora, não tenha o menor sentido prescrever a ivermectina para a COVID-19 e ponto”, finaliza Gilmar Reis.
METODOLOGIA Os cientistas realizaram um estudo duplo-cego, com pacientes infectados que não tiveram sintomas da doença por mais de sete dias e sem histórico de uso de ivermectina para tratamento da enfermidade. Entre 23 de março e 6 de agosto de 2021, 1.358 pacientes foram observados, dos quais, 679 receberam aleatoriamente a ivermectina, enquanto os outros 679 tomaram um placebo (preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos). Pacientes assintomáticos que testaram positivo para o SARS-CoV-2 não entraram na conta.
A média de idade dos voluntários era de 49 anos. Eles foram monitorados para averiguar se a ivermectina foi capaz de eliminar o vírus do corpo em menos tempo; se os sintomas desapareceram mais cedo; se ficaram internados ou utilizaram ventilação mecânica por menos tempo; e se havia alguma diferença nas taxas de mortalidade entre os dois grupos. Nem os médicos nem os pacientes sabiam quem recebia o medicamente ou o placebo. No relatório final, os pesquisadores afirmaram que não houve nenhuma diferença entre os grupos.
Em entrevista ao “The New York Times”, David Boulware, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Minesota, salienta que agora as pessoas poderão mergulhar nos detalhes e nos dados e espera que o estudo, finalmente, desvie a maioria dos médicos da ivermectina para outras terapias.
DEFINITIVO “Esse estudo publicado recentemente tem uma importância grande. Foi um trabalho conduzido de maneira técnica bastante apurada, correto e com um número grande de participantes. Consequentemente, considerando um dos estudos mais amplos sobre o uso da ivermectina. Ele tem essa importância de ser um ‘ponto final’ nessa história, mantendo a conclusão prévia e definitiva de que de fato esse vermífugo não tem um poder de auxiliar no tratamento paliativo ou principal para infecções causadas pelo SARS-CoV-2”, comenta Flávio da Fonseca, virologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atual presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
O infectologista Estevão Urbano concorda que esse é um estudo importante. “Só se começa a provar teorias (sobre medicamentos) quando elas são testadas em seres vivos. Muitos estudos foram feitos e comprovaram a ineficácia da ivermectina. Os pouquíssimos estudos que mostravam a droga como um potencial agente tinham metodologias muito frágeis, diferentemente dos bons estudos, com metodologias científicas e adequadas como esse”, comenta.