Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Alopecia: vários tipos, todos com tratamento

Até onde pode ir uma piada? Questão polêmica, que envolve liberdade, direito de se expressar, mas também respeito, responsabilidade, cuidado com o outro.

No fim de semana passado, na noite de entrega dos prêmios do Oscar 2022, em Los Angeles (EUA), o comediante de stand-up, diretor, produtor e criador da série “Todo mundo odeia o Chris”, Chris Rock levou um tapa na cara do ator Will Smith após o comediante, que apresentava o prêmio de melhor documentário, fazer uma piada sobre a cabeça raspada de Jada Pinkett Smith, mulher de Will.




 
A razão do descontrole é que Jada tem alopecia, doença que causa a queda de cabelos. Chris Rock disse que a mulher de Will Smith iria estrelar “G. I. Jane 2”. O filme de 1997 “G. I. Jane”, que no Brasil se chamou “Até o limite da honra”, foi estrelado pela atriz Demi Moore que raspou os cabelos para dar vida a uma tenente. A piada virou ofensa e teve reação.
 
médica Maria Sílvia Laborne, chefe do Serviço de Dermatologia da Santa Casa BH, explica que alopecia é a perda dos pelos de qualquer área do corpo. “Apesar dos pelos não desempenharem funções vitais no ser humano, eles exercem um papel psicológico de extrema importância.”

Segundo ela, as perdas podem ser difusas ou localizadas, ocorrer de maneira repentina ou de evolução bem lenta. E as causas podem estar associadas a doenças no couro cabeludo, alterações de glândulas, doenças nutricionais (dietas, deficiência de ferro, zinco), como efeito colateral de medicamentos, associadas a doenças internas, de causas genéticas.




 


A dermatologista explica que, quando se faz a avaliação do paciente, devem-se analisar todos os pelos quanto à cor, textura, brilho e densidade para a área. “Os sintomas variam de acordo com a causa. Sempre que observar queda importante dos cabelos, áreas do corpo sem pelos, ou diminuição da densidade dos fios, a pessoa deve procurar atendimento médico.” O dermatologista é o especialista para fazer o diagnóstico e tratamento adequado. Todas as formas de alopecia têm tratamento e quanto mais precoce feito o diagnóstico, maior a chance de controle.
 
Conforme Maria Sílvia Laborne, o tratamento deve ser individualizado, considerando a faixa etária e a extensão da doença. A médica avisa que diferentes modalidades são importantes no controle da doença.

“Ele pode ser local ou sistêmico ou até intralesional. Se o diagnóstico é de alopecia areata podemos usar anti-inflamatório local, imunomoduladores, anti-inflamatório oral, imunossupressores orais. No diagnóstico de alopecia androgenética pode ser usada medicação local e oral, lembrando que o tratamento deve ser constante, já que a causa é genética. E quando o diagnóstico é de eflúvio devemos tratar da causa, quando é possível, e aguardar a recuperação dos cabelos, que normalmente ocorre entre dois e três meses.”





EFEITOS PSICOLÓGICOS


Amanda Gomes, médica dermatologista do Hospital Socor, mestre pela UFMG e fellowship em tricologia no Hospital Sant'Orsola da Universidade de Bologna, na Itália, conta que em 2018 fez mestrado em alopecia androgenética e o que a motivou foi, justamente, o impacto emocional e psíquico da doença na mulher: “Na época, encontrei até resistência da UFMG por considerar o tema superficial e raso. Mas a paciente que é portadora de alopecia e tem medo de perder o cabelo é impactada psicologicamente porque o cabelo está diretamente ligado a beleza, juventude e saúde. E quando esta ameaça é real, é uma devastação porque a mulher tem uma péssima autoestima, medo de se relacionar com o sexo oposto, preocupa-se excessivamente com o cabelo,  sente-se menos feminina e menos capaz. Todo o bem-estar dela gira em torno do bem-estar capilar também. E não é apenas uma especialista falando, mas tendo dados de estudos científicos bem controlados comprovando.”
 
Amanda Gomes, dermatologista do Hospital Socor, avisa que as alopecias não são exclusivas das mulheres ou adultos, elas acometem também homens e crianças (foto: Ana Paula Aguiar/Divulgação)
Amanda Gomes destaca que, com o diagnóstico, a aceitação não é rápida e se dá ao longo do tratamento, que pode durar meses, anos, e assim o paciente vai mudando a percepção.

“No início, ele chega afoito, querendo uma cura e propondo qualquer coisa, depois vê que é algo que terá de conviver e em seguida passa por uma fase de aceitação. Alguns pacientes desistem do tratamento e preferem assumir, como é o caso da Jada Pinkett Smith; outros não desistem e usam próteses ou buscam outros recursos. A melhor maneira de lidar com o preconceito é conversando o máximo possível a respeito, falando, divulgando, mostrando pessoas bonitas, famosas, que não é uma condição contagiosa, enfim, plantando uma semente de um olhar um pouco mais afetivo sobre a alopecia.”




 
A dermatologista lembra que alopecia é o primeiro nome da doença, mas que as alopecias têm sobrenome. No caso da Jada, a areata, não tem cura porque é autoimune. A pessoa nasce com a predisposição de criar anticorpos que acabam destruindo o cabelo.

Sua manifestação pode ser muito anárquica, ou seja, se manifestar como episódio único ao longo da vida ou de maneira recalcitrante e reincidente e deixar o paciente sem um fio de cabelo no corpo. E ela tem vários níveis, localizada, generalizada e universal.
 
“O tratamento vai desde medicamentos tópicos, usados em casa, infiltração de medicamentos no couro cabeludo no consultório, até os orais imunossupressores, mais fortes. Já tive casos da ariata em que a paciente fez uma infiltração e não precisou voltar, principalmente do sexo masculino, que tem alopecia na barba. E outros pacientes que me visitam a cada 15 dias. E sabemos que cada caso é único e o quanto antes a manifestação, se for mais na infância, fica mais difícil de controlar. Nos adultos os episódios são mais isolados.”




 
Amanda Gomes avisa que as alopecias não são exclusivas das mulheres ou adultos, elas são mais diagnosticadas nas mulheres porque elas procuram mais o atendimento médico. Mas homens e crianças podem ser acometidos.

“Os homens descobrem que não é grave e não voltam mais, já que eles são aceitos mais sem cabelo do que a mulher, é cultural.” A dermatologista conta que, recentemente, houve uma descoberta para tratamento da alopecia areata: “Foi por meio de imunobiológicos, que são medicamentos que fazem a supressão do sistema imune, mas por outro motivo, por uma doença reumática. E nesses pacientes os cabelos cresceram, eles também tinham alopecia areata. Foi uma descoberta ao acaso. Mas os efeitos colaterais e o preço são proibitivos. Então, não permitimos que o paciente use uma medicação que vai ameaçar a sua vida por causa de uma condição que não é uma ameaça à sua vida. Apesar de avanço recente, está longe de ser uma indicação clínica viável.”
 
CHÁ DE CEBOLA

Em termos de tecnologia, aparelhos inovadores que poderiam auxiliar no tratamento, Amanda Gomes assegura que não existe. “O que há é uma led, uma luz vermelha, que o paciente pode usar no consultório e em casa como se fosse um capacete e serve muito mais para a alopecia androgenética. E no consultório utilizamos aparelho que chama Cheyenne, tipo um aparelho de tatuagem, que ajuda a infundir o medicamento dentro do couro cabeludo. Mas é um tratamento um pouco arcaico, ele só ajuda a entregar o medicamento dentro do couro cabeludo, chamamos de drug delivery. Mas não é nada tecnológico e recente que está revolucionando o tratamento das alopecias.”



As mulheres, principalmente, fazem muitas intervenções nos cabelos. Uso de produtos químicos, tinturas, prancha, secador, alisamento e escova progressiva. Amanda Gomes explica que tudo isso pode desencadear a quebra do fio do cabelo, mas geralmente não provoca a queda do cabelo, já que são agressões externas, que fragilizam a estrutura capilar, as proteínas estruturais e fazem a haste do cabelo quebrar. Não vira uma alopecia.

“Mas temos que ver no ramo das escovas progressivas e alisamentos. Caso o produto seja extremamente básico ou ácido, ele pode sim causar uma área de queimadura no couro cabeludo e deixar áreas de alopecias definitivas. Seria uma queimadura seguida de uma fibrose, como se fosse uma cicatriz do couro cabeludo. Víamos muito isso antigamente, com o uso de alisamentos de hidróxido de sódio. Mas as escovas progressivas atuais são mais ácidas. Para o couro cabeludo, a substância básica é mais nociva do que a mais ácida.”
 
E quem ainda se vê estimulado a procurar tratamentos naturais, a médica Amanda Gomes avisa: “Os tratamentos naturais são empíricos, não foram testados antes de serem prescritos aos pacientes e vejo-os com receio. A medicina evoluiu até aqui baseada em evidências e estudos científicos bem-feitos e controlados. Se há um protocolo para tratar o câncer, com o cabelo não pode ser diferente. Há tratamentos convencionais com comprovação clínica anterior que devem ser seguidos. O grande risco de fazer tratamento natural das alopecias é que podem evoluir de maneira irreversível e o paciente fica empurrando a perda capilar por meses e anos e, ao chegar no consultório, não existe mais uma chance de recuperação. Por isso, o diagnóstico e tratamento devem ser feitos por profissionais médicos, já que falamos de um assunto médico. Então, não dá para ficar tratando com babosa ou chá de cebola”.