Jornal Estado de Minas

REPORTAGEM DE CAPA

Cirurgia plástica: linha tênue entre necessidade e desejo

 
 

A cirurgia plástica exerce um papel importante para a melhoria da qualidade de vida para muitas pessoas que têm diferentes condições físicas, diz o cirurgião plástico Luís Felipe Maatz, especializado em cirurgia geral e cirurgia plástica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).



Há uma infinidade de características que podem levar o indivíduo a ter a autoestima diminuída, ele constata. E muitas dessas alterações podem levar também a problemas físicos e funcionais.
 
São muitos os exemplos e as correlações são múltiplas. O especialista cita crianças com orelhas de abano que podem ser vítimas de bullying na escola, o que leva a um desempenho escolar ruim, ao embotamento emocional, crises depressivas ou de ansiedade, com possíveis alterações físicas, como, por exemplo, compulsão alimentar, acarretando a obesidade.
 
Um adolescente do sexo masculino pode ter o crescimento anormal das suas glândulas mamárias (ginecomastia) e não querer praticar atividades físicas por vergonha dos seus colegas, pontua o cirurgião. Ou uma adolescente do sexo feminino que também pode deixar de praticar atividades físicas por uma mama de tamanho grande demais (gigantomastia), por conta de vergonha, ou mesmo restrição da movimentação dos braços ou dor nas costas.
 
Luísa Helena Saraiva, de 24 anos, durante a adolescência experimentou transtornos devido ao tamanho excessivo das mamas e passou pela cirurgia de redução (foto: arquivo pessoal)
 
 
"Uma pessoa com alterações no nariz e septo nasal pode ter dificuldades respiratórias e alterações no desenvolvimento da arcada dentária e face. O afastamento dos músculos retoabdominais (diástase retoabdominal), comum após a gestação, pode ser um dos fatores contributivos para dores lombares crônicas, comumente associadas a faltas ao trabalho e diminuição da capacidade para atividade física, também podendo resultar em obesidade e aumento do risco cardiovascular. Esses são exemplos comuns que vemos todos os dias no consultório de cirurgia plástica", enumera Luís Felipe.



Quando a cirurgia plástica é uma necessidade a ponto de se considerar uma forma de se ter dignidade, existe uma série de condições físicas que têm indicação para procedimentos corretivos. O cirurgião lista outras: cicatrizes inestéticas (hipertróficas e queloidianas), nevos gigantes congênitos (pintas presentes desde o nascimento, escuras e frequentemente com pêlos), tumores ou nodulações de pele ou subcutâneos benignos ou malignos (carcinomas, lipomas, cistos), alterações palpebrais, como a pálpebra "baixa" (ptose), paralisia facial, excessos de pele após perdas maciças de peso (em coxas, braços e abdome), pacientes submetidas a retiradas parciais ou completas das mamas (mastectomias) devido a carcinoma, ou outros tipos de tumores que necessitam de reconstrução, e feridas complexas (úlceras venosas, úlceras por pressão, pós-radioterapia, pós-trauma).
 
Na outra ponta, quando a cirurgia plástica é de fato algo supérfluo, quando a obsessão pelos procedimentos se torna exagero, uma doença, cabe ao cirurgião plástico estar atento ao paciente que tem uma expectativa irreal, diz Luís Felipe, sobre o possível resultado da cirurgia. 
 
Principalmente ao indivíduo que vê como alterada ou anormal uma parte do corpo sem nenhum problema e aqueles com histórico de múltiplos procedimentos prévios. "No limite, há uma doença chamada transtorno dismórfico corporal, em que o paciente tem uma autoimagem distorcida e nunca ficará feliz com qualquer resultado que tenha sido obtido, mesmo que seja o melhor possível."




 
PRESSÃO A valorização da estética é uma tônica no contexto das celebridades. Os famosos estão em constante exposição, e assim são mais pressionados para ter um nível elevado de cuidado com o corpo. "A escolha de uma atriz ou ator para um papel em um filme, por exemplo, muitas vezes parte de critérios como beleza e jovialidade, levando os artistas a uma busca mais intensa em se parecer jovens e belos. Isso poderia levar, em última instância, a conseguir melhores papéis e por mais tempo, ou seja, a ter uma carreira mais bem-sucedida e longa", pontua Luís Felipe Maatz.
 
Pensar nessa busca incessante pela beleza, sem ter o discernimento do que é verdade ou não, é perigoso. "Sem dúvida, isso é um grande problema hoje em dia. O real costuma ser bem diferente do virtual. Há, inclusive, diversas pessoas que expõem em seus perfis nas redes sociais os diversos truques de posicionamento de câmera, iluminação, poses e filtros", pondera o especialista.
 
A advogada e doula Luísa Helena Saraiva, de 24 anos, durante a adolescência experimentou transtornos devido ao tamanho excessivo das mamas. Quando estava na faixa etária dos 15 anos, lembra que as outras meninas da escola não tinham os seios ainda tão desenvolvidos, e a sua condição acabava chamando muito a atenção.



Para ela um grande incômodo, com reflexos diretos na baixa autoestima, ainda gerando um desequilíbrio emocional. Poderia fazer sol ou chuva, estava sempre de blusa de frio e não encontrava roupas íntimas do seu tamanho. "As pessoas olhavam muito. Era minha marca registrada, mas pelo lado ruim. Também ficava sexualizada", diz.
 
Em relação à saúde mesmo, Luísa tinha dores na coluna e problemas posturais (chegava a ficar encurvada), por causa do peso dos seios. Depois de um processo de amadurecimento emocional, ela conta, veio a decisão pela cirurgia plástica de redução das mamas, que foi realizada em março de 2021.

Luísa fala sobre o amadurecimento antes de cravar a escolha, porque esse seria um procedimento que tem impactos importantes na vida como um todo. Ela não colocou próteses em um momento posterior. Os seios são naturais. Em uma das mamas, o peso diminuiu 800 gramas, e em outra 1,2 quilo. "Minha mãe tem histórico de seios grandes, passou pelo mesmo problema. Por isso mesmo, me incentivou em relação à cirurgia."




 
Agora, Luísa diz que é outra pessoa, muito mais livre. "Encontro roupas para vestir, por exemplo, muitas vezes nem uso sutiã, minha autoestima melhorou. Foi uma questão mesmo de qualidade de vida", relata. Para Luísa, quando uma pessoa opta por uma cirurgia estética, há que ter discernimento, porque é algo diretamente ligado à harmonia emocional. "Nunca faça uma cirurgia sem saber o real motivo. Se a busca for por estar dentro de padrões, e o lado emocional não estiver equilibrado, nada nunca será o suficiente. Esse padrão é irreal, não existe", avalia.
 
Valéria Lúcia da Silva enfrentou transtornos devido à obesidade (foto: arquivo pessoal)
 
 
 
 
A queridinha do momento
 
A bichectomia é um tipo de plástica indicada para diminuir a proeminência da bochecha, e é a queridinha da vez. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), são realizadas mais de 40 cirurgias do tipo no Brasil por mês. Entre a mulherada que procurou o procedimento, estão famosas como Mila Kunis, Angelina Jolie, Jennifer Aniston, Lady Gaga, Victoria Beckham e Megan Fox.

“A bichectomia melhora o formato arredondado do rosto, realçando a região malar (maçã do rosto) e resultando em uma face mais magra e harmoniosa”, explica o cirurgião plástico Luís Felipe Maatz. A denominação é referência à bola de Bichat, tecido gorduroso localizado nas bochechas, batizado em alusão ao anatomista francês Marie François Xavier Bichat, o primeiro a descrever tal estrutura. A intervenção consiste na retirada de uma porção desse tecido gorduroso das bochechas, através de uma pequena incisão realizada dentro da boca e, assim, não há cicatrizes aparentes.




 
Mas nem tudo são flores. Apesar de ser considerada uma técnica relativamente simples, a bichectomia é uma cirurgia delicada. A bola de Bichat localiza-se muito perto de estruturas nobres da face, como artérias, nervos e ducto salivar, e por isso existem riscos. “É preciso ter pleno conhecimento das variações anatômicas e domínio da técnica cirúrgica. Se o procedimento for realizado por um cirurgião plástico experiente e capacitado, as complicações são raras. Mas, se houver lesão de alguma dessas estruturas, é possível a reparação”, alerta Luís Felipe Maatz.

ANGÚSTIA A questão da obesidade por muito tempo foi motivo de angústia para a designer de interiores Valéria Lúcia da Silva, de 48 anos. Com 1,57 metro de altura, ela chegou a pesar 105 quilos. "Era uma mulher bastante triste. Meu corpo me incomodava muito. Mama, barriga, braços, coxa, rosto, tudo. Não tirava foto de jeito nenhum, não usava roupa justa. Trabalhei com vendas e evitava que o cliente me conhecesse pessoalmente. Minha tristeza era nítida, estampada no meu rosto. Com o passar do tempo, tive depressão, fiquei um ano de cama. Não sei o que levou a isso de fato, mas para mim foi por causa do meu corpo e do meu peso", relembra.
 
Foi por indicação de uma conhecida, que havia feito cirurgia corretiva de mama, que Valéria chegou ao Instituto Mineiro de Cirurgia Plástica. Mas demorou para procurar a clínica, porque se sentia envergonhada, até que criou coragem. Lembra que, ao chegar ao consultório, quase desistiu, mas foi tão bem acolhida, que resolveu fazer a consulta com o médico. "No primeiro contato, parecia que ele me conhecia há anos. Ouviu minha história, meus desejos e disse que iria me ajudar. Achei que já ia sair de lá para a cirurgia, mas ele me disse que eu precisava emagrecer. E pontuou todos os benefícios que eu teria se perdesse peso."




 
Depois de quase um ano, Valéria retornou à clínica, agora com 62 quilos, e desta vez pronta para a cirurgia. A plástica corrigiu principalmente o excesso de pele, em grande parte do corpo gerado pelo processo de emagrecimento. "Fui para a cirurgia tranquila, porque sempre fui muito bem orientada. E o acompanhamento e amparo da equipe depois da cirurgia foi maravilhoso também."

Depois do procedimento e da fase para que desinchasse, vida nova. "Com o passar dos dias, me olhava no espelho e via a transformação. Não encontro palavras para descrever minha felicidade. Essa alegria começou a tomar conta de mim de tal forma que voltei a ser a Valéria que era antes de engordar. A cada dia me acho mais linda", comemora.
 
"Quando me vi pela primeira vez, depois de muitos anos, com uma lingerie que não dobrava, um seio que não caía, e uma barriga que não estava em cima da minha coxa, a sensação foi indescritível", acrescenta. Agora, não precisa mais usar só roupas largas, adora poder comprar um biquíni e aproveitar uma piscina. Também começou a praticar esporte e se cuida mais, atenta à pele, ao cabelo e às unhas, tudo sempre bem tratado. "É uma vontade de estar bonita", declara.




 
Diz que o marido é mais feliz com a mulher que tem agora, que seu filho tem uma mãe diferente, que todos com quem convive têm uma nova pessoa por perto, muito mais satisfeita e contente. Valéria também não precisa mais tomar os remédios de costume, como antidepressivo, ansiolítico e para a pressão. "Minha saúde foi renovada com a cirurgia plástica. A plástica não é apenas tirar um excesso de pele ou colocar uma prótese de silicone. Muda a vida, é algo transformador, e eu sou prova disso. Se não tivesse emagrecido e feito a cirurgia, talvez não estivesse aqui para contar essa história. Poderia ter morrido de tristeza do jeito que estava."