O curta-documentário “Preciso falar sobre ELA”, da Segredo Filmes, protagonizado por Marden Zionede, de 47 anos, diagnosticado com Esclerose Lateral Atrófica (ELA) em 2015, está viralizando nas redes sociais desde o dia 30 de abril. A doença ficou conhecida por conta do físico Stephen Hawking, e ficou em evidência, no Brasil, em 2014, após o desafio do balde de gelo nas redes sociais.
cineasta Lilih Curi e ganhador do Prêmio Riachão, é contada um pouco da história da família de Marden, resgatando suas memórias, e os desafios de viver com a ELA, responsável por atingir os neurônios motores do sistema nervoso e provocar fraqueza muscular progressiva. Marden mora com a esposa, Ana Paula Gasparini, de 45 anos, e a filha, Alice Zionede, de 10, em Belo Horizonte.
No curta-documentário, dirigido pela Tema necessita e merece a atenção da sociedade
Marden conta que, em agosto de 2014, notou que estava com dificuldade em pronunciar palavras com a letra ‘r’ e, mesmo não sendo nada perceptível, isso o incomodava. Porém, ao consultar um neurologista e fazer exames, o resultado não apontou nenhuma anormalidade.
“Em 2015, por sua vez, comecei, novamente, a apresentar outros problemas na fala. Ela estava ficando mais lenta. Eu e minha esposa pesquisamos sobre o assunto, e um amigo indicou um neurologista, que pediu vários exames, incluindo a eletroneuromiografia, que diagnosticou a ELA. Fui descobrir um ano depois do primeiro sintoma. A ELA é assim, difícil de fechar o diagnóstico, porque ela se manifesta gradualmente e difere de pessoa para pessoa”, completou.
O protagonista do documentário afirma que, para minimizar o avanço de alguns sintomas, faz, em casa, alguns atendimentos de fisioterapia motora e respiratória, além de fonoaudiologia. Apesar disso, ele brinca que, se tirar a quantidade de mulheres, o cotidiano na casa da família é normal.
“Imagina, além da minha esposa e filha, tem uma cachorrinha, uma ajudante, uma cuidadora particular, e a equipe de técnicas de enfermagem. Esta é composta por três mulheres, que revezam em plantões de 24 horas, pagas pelo plano de saúde. Sou privilegiado por estar cercado de pessoas alegres e que tornam os dias mais leves. Nem sempre foi assim, muitas pessoas passaram por aqui, e não foi fácil. Como em qualquer lugar, também temos dias ruins”, disse.
Marden reconhece que tem uma condição financeira estável, mas, ainda assim, a situação é delicada, já que os tratamentos são muito caros. “Ter ELA é muito caro, porque é uma doença que exige muitos profissionais da saúde. São médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, além de remédios, cadeiras de rodas e de banho, guincho hospitalar, entre outros. Ou seja, temos a perda física e ainda temos que lidar com todos esses gastos”, explica.
Ele também se preocupa com outras pessoas diagnosticadas com ELA e que, certamente, não conseguem arcar com todos esses recursos.
Para o paciente ter o mínimo de qualidade de vida, ele precisa ter uma situação financeira estável. Sei que essa, provavelmente, não é a realidade de todas as pessoas que têm ELA no Brasil. Por isso, precisamos que o poder público abrace a causa. É necessário dar a atenção que o tema merece
Marden Zionede
Documentário poderá ajudar no tratamento
Por conta disso, Marden ressalta a importância do documentário “Preciso falar sobre ELA”, não somente para conscientizar as pessoas sobre a doença, como também captar recursos para o tratamento dele, caso o vídeo seja monetizado. “Não é nada simples monetizar um canal no YouTube, pois há metas a serem cumpridas, definidas pela própria rede social. Preciso incluir um medicamento na terapia da doença e, por ele ter somente nos Estados Unidos, é muito caro. Portanto, é muito importante que as pessoas continuem se inscrevendo no canal da Segredo Filmes e divulgando o documentário”, afirmou.
Ele explica que, antes de gravar o filme, não sabia bem o que poderia acontecer e tudo ocorreu de forma muito natural. “A Lilih, que é minha prima, pediu para separar os vídeos e as fotos, e, ao longo do processo, as ideias foram aparecendo. Mesmo tendo um roteiro, muitas coisas ocorreram de modo espontâneo. O curta, que deveria ter só 15 minutos, acabou resultando em 22 minutos, sem contar o material que ficou de fora. Estamos amadurecendo novas ideias, em breve podemos ter novidades”, afirma.
Para auxiliar também no tratamento, o protagonista do curta-documentário decidiu comercializar o livro “Alice, faça o que eu falo, e não o que eu fiz”, escrito por ele, que, a princípio, era destinado a presentear algumas pessoas. O e-book ainda não está pronto, mas, enquanto isso, por meio do Instagram, ele recebe encomendas.
Escrevi esse livro para a minha filha, contando algumas histórias da minha infância e juventude. Cheguei a imprimir 45 exemplares, para distribuir entre familiares e amigos. Como a repercussão foi muito positiva, mudei de ideia e resolvi vendê-lo
Marden Zionede
Marden se comunica com a ajuda de um aparelho conectado ao computador, que, por meio da leitura do olhar, transcreve o que ele quer dizer. Foi assim que ele escreveu o livro e também concedeu essa entrevista ao Estado de Minas.
Amor pela filha trouxe outra perspectiva sobre a ELA
No documentário, é possível ver que Marden costuma levar a vida de forma bem humorada, não diferindo de quando foi diagnosticado com ELA. Por conta da filha, ele enxerga a doença com outra perspectiva, como uma oportunidade de acompanhar o crescimento e ficar próximo dela.
“É muito difícil não conseguir fazer tudo com minha filha. O que sinto mais saudades é poder pegá-la nos braços e abraçar forte. No entanto, conseguimos nos adaptar e posso dizer que fiz e faço muitas coisas com ela, graças ao aparelho que me ajuda na comunicação. A Alice cresceu convivendo com minhas limitações e isso torna a nossa relação espontânea. Hoje estudo com ela, vejo vídeos, brinco e até dou bronca. Temos uma relação muito próxima e feliz”, lembrou.
Avanços na ciência tem melhorado sobrevida dos pacientes
Segundo Rodrigo Santiago Gomez, neurologista de doenças neuromusculares no Hospital das Clínicas da UFMG, a ELA é uma doença neurológica degenerativa, equiparada, em linhas gerais, ao Parkinson, que degenera uma determinada região do cérebro, e ao Alzheimer, que tem a degeneração de células relacionadas à memória.
“No caso da ELA, há uma degeneração de dois neurônios, inferior e superior, responsáveis pela motricidade voluntária, encarregados, por exemplo, pelo andar, respiração e mastigação. O neurônio inferior está localizado na medula espinhal, e o superior na área motora do cérebro. Este manda ordens para o neurônio inferior, que executará o movimento”, explica.
O neurologista afirma que a degeneração tem graus diversos, o que faz com que a clínica da doença seja conduzida de acordo com cada caso.
Tendo isso em vista, ele ressalta que os sintomas da ELA podem aparecer de formas distintas. “Quando o neurônio superior é mais acometido, o paciente pode apresentar um movimento lento e estático, popularmente conhecido, como rígido. Já no caso do neurônio inferior, poderá causar flacidez e fasciculação. Nas duas situações, por exemplo, haverá fraqueza muscular, mas cada uma por vias diferentes, uma de espasticidade e a outra em manter o tônus adequado, por perda de neurônios”, disse Rodrigo.Às vezes, haverá um predomínio de achados no neurônio motor inferior e, em outros casos, do neurônio motor superior
Rodrigo Santiago Gomez
Além disso, entre os indícios da doença estão a dificuldade na fala, de deglutição, respiração e, em raros casos, na motricidade ocular e problemas de cognição, ligado ao juízo crítico, tomada de decisões e riso e choro imotivado.
“Não há problemas cardíacos, no funcionamento da bexiga e intestino diretamente ligados a ELA. Porém, o acometimento da força como um todo, pode causar constipação intestinal e a força da bexiga. Não há também perda da sensibilidade, como o tato, a sensação de dor, frio e calor”, afirma o neurologista do Hospital das Clínicas da UFMG.
Para diagnosticar a doença, Rodrigo ressalta que, ao lidar com a ELA, é necessário perceber qual a queixa principal e os músculos envolvidos.
“A história clínica é fundamental, além dos exames, para poder julgar se a pessoa está com a doença. Por isso, é importante ouvir o paciente, fazer uma boa análise neurológica e, assim, fazer, por exemplo, a ressonância magnética e a eletroneuromiografia. Estes, se dissociados das queixas e daquilo que é encontrado no exame físico, não tem valor nenhum, já que ele será usado como uma confirmação”, conta.
O neurologista garante que, mesmo sendo uma doença incomum e causar desafios e limitações aos pacientes, o avanço da ciência e, consequentemente, do tratamento da ELA, permitiu que crescesse a quantidade de pessoas com a doença, tendo em vista que houve um aumento da expectativa de vida. Geralmente, se a doença avançar sem nenhuma intervenção, o indivíduo vive em torno de um a quatro anos.
“Por conta da dificuldade na respiração e deglutição, prejudicadas com o passar do tempo, os pacientes precisam de equipamentos que auxiliam na sobrevida dele. Exemplo disso, são as sondas nasoentérica e gastrostomia, além de equipamentos respiratórios de pressão positiva, que revolucionou a qualidade de vida das pessoas com ELA”, disse.
Além disso, a administração de medicamentos, acompanhamento médico, e das áreas de fisioterapia, fonoaudiologia e nutrição, são fundamentais para minimizar os acometimentos da doença, tendo em vista que não há cura. “É preciso ter cuidados, como em qualquer caso de pacientes crônicos e acamados. A Alimentação deve ser adequada, mesmo não tendo nenhum tratamento dietético ou vitamina que reverta a condição, pois a dificuldade em deglutição pode provocar a perda de massa magra”, explica Rodrigo.
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), estima-se que existam entre dois a sete casos de ELA para cada 100 mil pessoas. Mesmo parecendo pouco, anualmente, no Brasil, surgem 2,5 mil casos todos os anos. Rodrigo acrescenta que não existe uma causa específica que provoque a doença, que, geralmente, ocorre de forma esporádica e não há como se prevenir.
O neurologista explica que a maioria das pesquisas ligadas à ELA está concentrada nos Estados Unidos. No Brasil, os estudos estão voltados ao caráter mais descritivo dos sintomas, associados ao acometimento dos músculos e à cognição do paciente.Apenas 5% a 10% dos casos têm origem genética, isto é, a pessoa tem algum familiar que já desenvolveu a doença. Portanto, na maioria das vezes a ELA surge de forma esporádica
Rodrigo Santiago Gomez
Balde de gelo
Em 2014, a ELA esteve em evidência no país por conta do desafio do balde de gelo, iniciado nos Estados Unidos e que se popularizou no Brasil. Se a pessoa não aceitasse jogar um balde de água gelada no próprio corpo, ela deveria doar um valor indicado para as instituições dedicadas à doença. Na época, famosos, como Neymar e Gisele Bündchen, também aderiram à causa.
Confira o documentário “Preciso falar sobre ELA”:
* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.