O menino Theo tem contato com a música desde quando estava no útero. A mãe, a empreendedora social e fundadora da 21Conecta, Daniela Drumond, de 39 anos, sempre colocava uma música ao fundo, ainda grávida. Ela costumava cantar para o pequeno, principalmente quando o percebia angustiado ou agitado, e essa interação com os estímulos sonoros logo foi edificada.
Hoje, aos 5 anos, Theo, que tem síndrome de Down, tem um amplo repertório musical, e não só com temáticas infantis, mas diversos tipos de composições. Com um ano e meio, os pais o levaram para aulas de musicalização para bebês e, a partir dos três, começaram as sessões de musicoterapia com a musicoterapeuta e psicóloga Simone Presotti Tibúrcio.
Daniela se lembra da experiência do garoto em um bloco de carnaval em Belo Horizonte, quando tinha 2 anos. "A música aí se fez ainda mais presente. Ele já experimentava a música no ambiente social, interagindo e mostrando seus sentimentos", diz a mãe. Ela também conta sobre um episódio recente em que, junto com o filho em uma praia, o garoto começou a cantar e logo foi acompanhado pelo coro de uma turma de amigos que estava por perto. "Um menino de 5 anos que estabeleceu uma conexão com outros adultos de forma social, proativa, liderando um grupo. A música promove esse empoderamento, essa liberdade", relata.
Depois do tempo de vivência com o universo musical, Daniela percebe o filho com mais facilidade para construir frases, por exemplo, influenciando efetivamente na melhora de seus processos de comunicação. "É um valor social, uma maneira de ligação com outras pessoas", diz. Juntos, eles escutam música todos os dias, até mesmo quando fazem outras atividades, como estar no trânsito, cozinhar ou arrumar a casa.
EM SINTONIA Para Daniela, a música tem imensos benefícios, é uma forma de estar em sintonia com seu filho, de se comunicar com ele de uma maneira poderosa, de estar próximo. "É uma conexão com a alma. Relaxa, acalma o coração, principalmente nas horas difíceis. Traz leveza para o momento. A música tem esse poder."
"Se vejo que a criança gosta de sons rápidos e fortes, começo por aí"
Arthur Bortolus, musicoterapeuta clínico
Foco nas habilidades motoras finas
No âmbito da atenção às crianças, para iniciar o tratamento, o musicoterapeuta realiza uma primeira avaliação, observando as características de cada uma quanto à saúde, seu desenvolvimento emocional, físico, psicológico e cognitivo, assim como o contexto familiar, social e cultural, e a partir daí definir suas necessidades e as atividades com a musicoterapia a serem trabalhadas. É o que ensina o musicoterapeuta clínico Arthur Bortolus, graduado em musicote- rapia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da Associação de Profissionais e Estudantes de Musicoterapia de Minas Gerais (Apememg), entidade vinculada à Ubam.
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"Se eu observar que a criança tem dificuldade de relação emocional, de entender a emoção, indico atividades musicais que vão propiciar-lhe entender isso. Se tem uma demanda física, farei abordagens para suprir essa demanda", diz Arthur. A musicoterapia é aplicada baseando-se, essencialmente, na identidade sonora da criança, seu universo musical e seus inte-resses com a música, ensina o musicoterapeuta.
"Pensamos nos sons que ela gosta ou não. Existem também sons que não são agradáveis. Se vejo que a criança gosta de sons rápidos e fortes, começo por aí. As atividades são definidas conforme o repertório dessa criança e, assi- milada sua identidade sonora, vamos elaborando os objetivos.
Existem músicas que farão com que ela fique mais atenta, por exemplo", ensina o especialista.
Arthur enfatiza que a musicote- rapia não tem como objetivo central o desenvolvimento das habilidades musicais em si – são um resultado secundário do tratamento. Ao tocar um instrumento de baqueta ou percussão, a criança começa a desenvolver habilidades motoras finas que vão auxiliá-la, por exemplo, na escrita, ou a conseguir manipular objetos pequenos.
Assim como as habilidades motoras, a música contribui para a noção do que é em cima, embaixo, um lado e outro lado, e nas habilidades sociais. "Melhora a comunicação, o momento em que falo, em que o outro fala, como controlar a voz, falar mais baixo ou mais alto. Também as habilidades de reconhecimento de emoções, perceber melhor quando a pessoa está com raiva ou quando está feliz, que é uma coisa que as crianças autistas, por exemplo, têm dificuldade", pontua o musicoterapeuta.
IMPROVISAÇÃO Artur ensina que a musicoterapia parte de quatro experiências musicais principais: a recriação, a partir de canções conhecidas e por meio de outras performances, cantar de diversos jeitos, fazer diversas coreografias; a improvisação, pequenas situações em que a criança improvisa, manipula objetos, brinca com a voz, o que acontece variando bem como o momento que se experimenta e livremente; a criação, que se trata de fazer composições, definir produções com início, meio e fim; e por último a chamada experiência receptiva, quando o indivíduo recebe os sons de uma maneira mais passiva a partir mesmo da escuta, pode conversar sobre os sons e perceber os efeitos da vibração sonora para saúde.
A musicoterapia funciona bem em uma abordagem de saúde multidisciplinar, sendo explorada em conjunto, por exemplo, com terapeutas ocupacionais, psicomotricistas, psicólogos e psiquiatras, pediatras, enumera Arthur. "A musicoterapia auxilia no trabalho com as outras áreas, é um ponto de conexão muito forte", acrescenta.
Sobre seus reflexos na educação infantil, o musicoterapeuta cita pesquisas que comprovam que crianças que fazem música têm um melhor desempenho na escola. "Trabalhamos o tempo de atenção, por exemplo. É quando a criança consegue ficar mais tempo sentada em um mesmo lugar com a atenção focada, o que acaba refletindo na sala de aula."
Esse é um trabalho terapêutico que demanda continuidade. Não adianta fazer sessões isoladas. O ideal, segundo Arthur, é uma ou duas vezes por semana, em atendimentos que geralmente duram 50 minutos. E serve para todo perfil de criança. O atendimento é adaptado a cada situação, com um olhar individualizado.
OS MECANISMOS DA MÚSICA
APLICADOS NA SAÚDE DAS CRIANÇAS
» Ao avivar diversos canais sensoriais e áreas distintas do cérebro,
a música cumpre um papel multimodal e integrativo
» Também é, por si só, uma vivência prazerosa, fazendo com que a
criança se desenvolva brincando
» A música motiva, é estimulante, mas também tranquiliza e relaxa
» Na abordagem pela linguagem musical, não há distinção entre certo e errado,
tudo vale. Assim, melhora o sentimento de autoaceitação na criança
» A musicoterapia é ainda indicada para crianças com dor ou quadro de estresse
» A música encoraja a socialização, a autoexpressão e a comunicação
» A música é fundamental para a evolução da linguagem
palavra de especialista
LUISIANA PASSARINI, Musicoterapeuta
e Fundadora do Centro de Musicoterapia Benenzon
Atuação do musicoterapeuta é ampla
A musicoterapia é indicada sempre que pensamos em saúde, bem-estar e qualidade de vida do ser humano. Pessoas de diferentes idades e condições de saúde podem ser beneficiadas pelo atendimento musicoterapêutico. A atuação do musicoterapeuta é ampla. Em uma sessão é possível cantar, tocar, dançar ou expressar o silêncio, a pausa. São utilizados instrumentos musicais simples, de fácil manuseio, com a intenção de facilitar a expressão e a comunicação entre as pessoas que vivenciam a música juntas. Ou seja, o paciente não precisa ter conhecimento musical, saber tocar um instrumento ou cantar afinado para ser atendido em musicoterapia. O foco é na prevenção e promoção de saúde, como é o caso de musicoterapia com gestantes, com bebês e primeira infância, musicoterapia no envelhecimento ativo e saudável, musicoterapia organizacional, musicoterapia na saúde mental. No universo infantil, em particular, é imprescindível a ludicidade, o brincar, a leveza, o prazer – e a música proporciona isso.