Jornal Estado de Minas

INTOLERÂNCIA À GLÚTEN

Maio Verde: pessoa com doença celíaca pode apresentar alteração neurológica

A doença celíaca é uma condição autoimune e genética desencadeada pela ingestão de glúten (proteína presente em grãos como trigo, aveia, centeio e cevada). Ela agride as células de defesa do organismo, causando um processo inflamatório que afeta principalmente o intestino delgado, levando à atrofia das vilosidades no órgão e diminuindo a capacidade de absorção dos nutrientes.





Desde 2016, um projeto de lei da Federação Nacional dos Celíacos (Fenacelbra), ainda tramita na Câmara dos Deputados, para que a data de hoje, 20 de maio, se torne o Dia Nacional da Pessoa com Doença Celíaca de forma oficial junto ao governo. 

Veja aqui o Projeto de Lei


 Marcelo Valadares, neurocirurgião, médico do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e pesquisador da disciplina de neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que "a doença celíaca é considerada multissistêmica, portanto pode acometer inúmeras regiões do organismo, incluindo o cérebro”. Conforme ele, "entre as principais formas de manifestações neurológicas da condição estão a cefaleia, a neuropatia periférica e a ataxia".

O neurocirurgião ensina que a suspensão total do glúten da dieta só é recomendada quando paciente tem o diagnóstico de doença celíaca ou de sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC). "A primeira é uma doença autoimune, mutissistêmica e hereditária. Já a segunda (SGNC), é uma “intolerância”, que pode ser diagnosticada apenas depois que a doença celíaca é descartada."




 
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Marcelo Valadares, neurocirurgião, médico do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que doença celíaca é autoimune, mutissistêmica e hereditária (foto: Arquivo Pessoal)
E para que esse diagnóstico ocorra, Marcelo Valadares enfatiza que o paciente deve passar por um gastroenterologista, que irá pedir os exames necessários (sorologias e endoscopia digestiva alta com biópsia de 6 a 8 fragmentos da porção duodenal do intestino). "Antes de fazer os exames, o paciente não deve restringir o glúten, porque isso pode atrapalhar o diagnóstico. Essa é a única forma de chegar a um resultado confiável. Quando existe dor de cabeça leve ou enxaqueca como um sintoma, o neurologista consultado pode ser um aliado para que se chegue ao diagnóstico, avaliando os sintomas de forma adequada e, acima de tudo, considerando a possibilidade dessa doença." 

O neurocirurgião lembra que nem sempre a enxaqueca está relacionada à ingestão de glúten. "Existem inúmeras outras causas. Porém, quando associada à doença celíaca, os pacientes costumam apresentar melhoras significativas em pouco tempo após a retirada definitiva do glúten."
 
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Marcelo Valadares afirma que a dor de cabeça causada pela doença celíaca está relacionada a citocinas inflamatórias: "O contato com o glúten desencadeia uma resposta sistêmica com produção de irradiadores inflamatórios que causariam, por exemplo, os sintomas das dores de cabeça. É por isso que um celíaco diagnosticado que reduz o glúten e tem enxaqueca, por exemplo, diminui a frequência das dores com a retirada da proteína da alimentação".





O neurocirurgião conta que por muito tempo acreditou-se que as manifestações neurológicas de celíacos estavam relacionadas com a perda de vitaminas ocasionada pelos danos do glúten ao intestino delgado. "Em 1966, entretanto, uma pesquisa realizou a biópsia de tecidos cerebrais e nervos periféricos, e observou-se que havia inflamação. Essa inflamação teria origem na resposta imunológica adequada, atacando as próprias estruturas dos sistemas nervoso central e periférico”, explica.
 
Entre as principais formas de manifestação neurológica observada em celíacos, está a ataxia. "As ataxias são sintomas de incoordenação motoras no cerebelo, que é responsável por diversas funções. Pacientes com doença celíaca frequentemente podem ter um processo inflamatório no cerebelo, e isso pode levar à incoordenação da fala e dos movimentos dos braços ou pernas", esclarece o neurocirurgião.

Marcelo Valadares alerta que "a ataxia é um problema grave. Mas boa parte das manifestações clínicas associadas a doença celíaca podem ser potencialmente graves se não tratadas, em especial as manifestações gastrointestinais."





Além disto, outra reação comum é a neuropatia periférica, que acomete os nervos das mãos e dos pés: "Ela pode causar principalmente alterações de sensibilidade, como percepção do toque, de temperatura, de vibração e, até mesmo, de alteração de força. Outra doença também pode causar neuropatia periférica é o diabetes melittus". Neste caso, o médico neurologista saberá avaliar e orientar corretamente o que é responsável e como tratar.
   

Diagnóstico confirmado exige exclusão do glúten da dieta 

Marcelo Valadares diz que é importantíssimo lembrar que a doença celíaca não é uma simples intolerância alimentar e, por isso, deve ser tratada com seriedade. "Não existem tratamentos paliativos: o único tratamento existente até o momento é a isenção total do glúten da dieta e da contaminação cruzada. Uma porcentagem mínima de glúten ingerido (um farelo, por exemplo) já pode ser prejudicial ao celíaco tanto no momento da ingestão, quanto no futuro."

O médico avisa: "Não é, de forma alguma, uma recomendação médica que estes pacientes continuem ingerindo glúten. Isso está descrito inclusive em estudos. A exclusão total da dieta é mandatória. O celíaco deve, inclusive, tomar muito cuidado na alimentação fora de casa. Existem hoje excelentes opções sem glúten nos principais mercados, que estão cada vez mais acessíveis. Também existem formas de se alimentar de forma saudável dentro de casa. Lembrando sempre que o paciente nunca deve retirar o glúten por conta própria antes de fazer os exames com orientação médica: isso pode afetar o diagnóstico."   


Não existe cura


Apesar de não ser uma doença rara, essa é uma condição ainda incompreendida, principalmente no Brasil (foto: Kurious/Pixabay )
Não há cura para a doença celíaca e, até o momento, o único tratamento possível é a retirada total de alimentos que contenham glúten.




 
A forma clássica da doença, mais conhecida inclusive entre os próprios celíacos diagnosticados, conta principalmente com sintomas intestinais, como: diarreia, perda de peso, excesso de gases e distensão abdominal. Muitas vezes, quando os sintomas não são óbvios, existem dificuldades para a identificação por meio de outras manifestações, como as alterações neurológicas.

Apesar de não ser uma doença rara, essa é uma condição ainda incompreendida, principalmente no Brasil. Estima-se que 1% da população mundial tem a doença celíaca. Porém, no país, ainda não existe uma estatística oficial que defina o número de celíacos, segundo a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), principalmente devido à dificuldade que muitos pacientes encontram para obter o diagnóstico adequado. 

Marcelo Valadares destaca que "ainda que os números não sejam precisos no Brasil, a Fenacelbra estima que 2 milhões de pessoas sejam celíacas no país. Esta não é, portanto, uma doença rara. A falta de conhecimento sobre o tema, inclusive na área médica, costuma sim trazer dificuldades para que, em muitos casos, se chegue ao diagnóstico correto, principalmente quando os sintomas não são clássicos".