Alerta: este artigo contém várias referências a suicídio.
Em uma tarde de abril de 2018, atendi meu telefone fixo, raramente usado, e me vi diante de uma enxurrada de perguntas.
Era uma pesquisadora da Universidade de Exeter, no Reino Unido, fazendo uma entrevista padrão para verificar se estava apto a participar de um ensaio clínico.
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Ela fazia parte de uma equipe que buscava testar a eficácia da cetamina — uma droga anestésica que está sendo redefinida como antidepressivo.
É o primeiro tratamento farmacológico para a depressão que surge em décadas.
E os cientistas de Exeter esperavam descobrir se a droga, quando combinada com psicoterapia, poderia prevenir as recaídas de alcoólatras.
As perguntas haviam sido elaboradas para estabelecer se eu era dependente de álcool, o que não era novidade, já que me candidatei ao teste para lidar com os problemas que tinha com bebida. Mas duas perguntas me deixaram indignado.
"Você já pensou em se ferir ou tentar tirar a própria vida?" perguntou a pesquisadora.
Tive dificuldade de entender por que ela estava perguntando isso. Todo mundo, às vezes, tem esses pensamentos, eu achava. Realmente não conseguia entender o significado.
Mas relutantemente respondi "sim". Então vieram duas perguntas complementares: "Com que frequência eu pensava nisso?" e "se eu tinha planos de suicídio?"
Eu havia tido este pensamento naquele mesmo dia mais cedo e em vários dias, respondi, mas não tinha nenhum plano.
Por mais estranho e intrusivo que pareça este tipo de pergunta, o que descobri depois sobre como minhas respostas seriam interpretadas foi ao mesmo tempo intrigante e perturbador.
Amigos que são psicólogos e um que realiza ensaios clínicos na indústria farmacêutica me contaram algo que me surpreendeu: ensaios clínicos de medicamentos antidepressivos normalmente descartam pacientes com risco de suicídio.
Na verdade, esta é uma proteção fundamental para o paciente na forma com que os pesquisadores testam novos tratamentos.
É fácil ver por que isso é importante — os médicos e pesquisadores não desejam aumentar o risco para populações vulneráveis testando um novo medicamento nelas.
É a razão pela qual, por exemplo, mulheres grávidas tampouco tendem a ser incluídas nos testes de novos medicamentos e vacinas.
No entanto, também parece estranho que este critério seja imposto para uma classe de medicamentos que seria usada para tratar aqueles que talvez correm mais risco de cometer um atentado contra a própria vida.
Tampouco seria surpresa que as pessoas que podem precisar de antidepressivos respondessem afirmativamente a essas perguntas.
Segundo algumas estimativas, cerca de 50-66% das pessoas que morrem por suicídio apresentam algum tipo de transtorno de humor (embora seja importante observar que apenas 2-4% das pessoas tratadas para depressão morrem por suicídio).
Será então que excluir estas pessoas dos ensaios clínicos pode acarretar novos problemas?
Apesar das perguntas, os pesquisadores de Exeter me recrutaram para participar do ensaio, cujos resultados foram publicados em janeiro de 2022.
Mas, como alguém que já trabalhou como escritor científico e agora cobre regularmente a indústria farmacêutica, queria entender por que outras pessoas com pensamentos potencialmente suicidas poderiam ser excluídas de ensaios como este.
Isso também levanta uma questão importante: tais medidas podem estar colocando pacientes em risco se posteriormente forem receitados a eles medicamentos aprovados por meio deste processo?
Está longe de ser uma questão clara. Algumas autoridades de saúde reconhecem que esta abordagem pode distorcer o que os ensaios revelam sobre a eficácia ou o risco dos medicamentos.
Alguns estudos também sugerem que essas preocupações significam que quem realiza os testes pode estar subestimando os riscos, talvez devido a conflitos de interesse ou vieses na maneira como são registrados.
Mas aqueles que conduzem os ensaios clínicos também têm um dever ético bem estabelecido de garantir o bem-estar dos pacientes que participam e, acima de tudo, proteger suas vidas.
Agora, os pesquisadores estão começando a questionar se excluir este grupo de pacientes dos testes é a abordagem correta e se existem maneiras de incluí-los, mantendo-os seguros.
Como primeiro passo para sair deste labirinto moral criado por essas políticas, eles estão propondo novas estratégias que podem possibilitar incluir uma variedade mais ampla de pessoas nos testes com antidepressivos.
Instintivamente, você poderia esperar que os medicamentos antidepressivos são uma ferramenta vital para ajudar a proteger as pessoas de sentimentos suicidas.
Mas a preocupação em relação a eles começou em 1990. Na época, surgiram relatos de que a classe de medicamentos amplamente receitada, conhecida como inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), havia aumentado as tentativas de suicídio entre algumas pessoas que os tomavam.
Os medicamentos ISRS incluem a paroxetina, vendida sob as marcas Paxil e Seroxat, entre outras, e a fluoxetina, que é mais comumente vendida sob a marca Prozac.
As evidências de que estes antidepressivos amplamente utilizados tinham um efeito paradoxal cresceram gradualmente.
Um documentário do programa Panorama, da BBC, chamou a atenção da população britânica para o tema em 2002.
Em 2004, cientistas do Reino Unido destacaram que os ISRS podem aumentar potencialmente o risco de comportamento suicida em crianças e adolescentes.
Hoje, as autoridades de saúde alertam sobre o risco de pensamentos suicidas e o desejo de se automutilar, especialmente quando estes medicamentos são usados para tratar menores de 25 anos.
A Eli Lilly, fabricante do Prozac, afirma que a fluoxetina está agora entre os "medicamentos mais estudados da história" e que apresentou décadas de dados de segurança às autoridades reguladoras.
"A fluoxetina é aprovada pelo MHRA e FDA (a Anvisa britânica e americana, respectivamente) para o tratamento da depressão pediátrica e continua a ser considerada como tendo um perfil de risco-benefício positivo por autoridades reguladoras, médicos e pacientes em todo o mundo", disse um porta-voz da empresa à BBC.
Mas, para complicar ainda mais as coisas, um estudo de 2014 mostrou que estas advertências haviam diminuído o uso de antidepressivos e, por sua vez, haviam aumentado as taxas de suicídio.
Outros pesquisadores contestaram, no entanto, esta descoberta, incluindo um que trabalha para a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês).
Os cientistas, compreensivelmente, queriam evitar uma situação semelhante que pudesse colocar em risco pessoas vulneráveis.
Para seu trabalho, os pesquisadores que realizam ensaios clínicos precisam de métodos para avaliar os riscos de suicídio antes e depois de as pessoas começarem a tomar os medicamentos.
Para ajudá-los a fazer isso, eles desenvolveram vários questionários que classificam o risco de uma pessoa em escalas ligeiramente diferentes.
As perguntas que respondi faziam parte da Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia (C-SSRS), explica a psicofarmacologista Celia Morgan, da Universidade de Exeter, que liderou o estudo do qual participei.
Todos os ensaios clínicos realizados no Reino Unido são enviados para aprovação da agência reguladora britânica de medicamentos (MHRA, na sigla em inglês).
Da mesma forma, nos EUA, todos os testes para um novo tratamento medicamentoso são submetidos à FDA.
Quando a equipe de Morgan apresentou seu protocolo de teste, o MHRA pediu que incluíssem o C-SSRS, que é comumente usado em ensaios clínicos em todo o mundo.
Mas as escalas de risco de suicídio não são usadas para avaliar as pessoas que participam de todos os testes médicos, diz Hugh Davies, consultor de ética em pesquisa da Agência de Pesquisa em Saúde do Reino Unido.
"Onde você sente que há uma associação com o risco de suicídio, você tem que analisar e perguntar: 'A participação nesta pesquisa vai aumentar isso? Qual é o benefício? Como avaliamos isso?'", explica.
"Você pode querer fazer pontuações de suicídio. Observar para ver o risco real, quantificar isso, e então fazer uma avaliação. Acima deste risco, vamos excluí-los. Abaixo deste risco, vamos aceitá-los."
Acontece algo semelhante com ensaios regulamentados pela FDA, nos EUA, e pela Agência Europeia de Medicamentos, na Europa.
Na prática, isso significa que os testes de medicamentos que afetam o cérebro avaliam os participantes usando escalas de risco de suicídio como prática padrão.
Alguns testes de antidepressivos que avaliam as pessoas desta maneira, mas não as excluem, agora estão voltando a ser conduzidos, mas permanecem excepcionalmente raros.
Ainda assim, dado que tantos ensaios clínicos excluem pessoas com base no risco de suicídio, será que esta abordagem realmente protege os participantes?
"O risco de suicídio nos ensaios diminuiu", diz Arif Khan, diretor médico do Northwest Clinical Research Center em Bellevue, Washington.
Segundo ele, a triagem para descartar pacientes em risco de suicídio está, talvez sem surpresa, levando a taxas mais baixas de suicídio nos ensaios clínicos.
Em 2018, um estudo realizado por Khan e seus colegas descobriu que os suicídios caíram de 644 para cada 100 mil pacientes para apenas 26 por 100 mil.
As tentativas de suicídio também foram reduzidas drasticamente, inclusive entre as pessoas que tomaram placebo, em vez de medicamentos antidepressivos.
Isso acontece em meio à diminuição de 36% nas taxas de suicídio a nível mundial entre 2000 e 2019, mas um aumento de 46% nos EUA.
Embora não possam descartar que outras mudanças na concepção do ensaio causaram tal efeito, Khan e seus colegas dizem que pode ser graças a ferramentas como o questionário C-SSRS.
"Estas descobertas podem refletir procedimentos de triagem aprimorados e a exclusão efetiva de pacientes suicidas", escreveram.
No entanto, nem todo mundo concorda que os testes estão ficando mais seguros.
As sugestões de que o risco de suicídio nos ensaios diminuiu são "totalmente duvidosas", diz Michael Hengartner, professor e pesquisador da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça.
Uma razão é que os suicídios e as tentativas de suicídio ainda estão acontecendo, mas as empresas que realizam os ensaios não os estão registrando adequadamente, argumenta.
Hengartner baseia este argumento em evidências que incluem um estudo de 2014 comparando resultados publicados em revistas científicas com dados detalhados em um banco de dados online.
Mais da metade dos casos de suicídio na base de dados não foram relatados em revistas científicas quando os estudos foram publicados.
Hengartner diz que há, inclusive, acusações de tentativas de suicídio sendo registradas como "instabilidade emocional (mudança emocional constante) ou piora da depressão".
Em resposta, Khan observa que os dados dos ensaios são auditados pela equipe da FDA.
"Se estes relatórios não são confiáveis, então o que é confiável?", questiona.
Um porta-voz da FDA afirma que a agência incentiva o "cumprimento dos requisitos legais" para o registro de testes e apresentação de resultados.
"Quando esses requisitos não são atendidos, a FDA tem autoridade para tomar medidas de cumprimento", afirma.
Segundo ele, a FDA leva "extremamente a sério" seu papel de fazer cumprir os requisitos de registro e apresentação de resultados.
Enquanto isso, um porta-voz da MHRA diz que, embora a organização não comente estudos específicos, eles também destacam os padrões que os ensaios devem seguir e a obrigação relacionada de publicar os resultados.
Hengartner também reforçou a evidência anterior de que alguns antidepressivos podem aumentar o risco de suicídio.
Em 2021, ele e seus colegas publicaram uma revisão analisando dados de 27 estudos observacionais de pessoas medicadas com ISRS e outros antidepressivos semelhantes, em vez de artigos científicos com resultados de ensaios clínicos.
Isso ajuda porque os suicídios são relativamente raros — então, para estimar com segurança quaisquer mudanças no risco, você precisa rastrear muita gente, diz Hengartner.
A revisão feita por sua equipe abrangeu 1,45 milhão de indivíduos. E encontrou uma relação entre o ISRS, assim como outros antidepressivos de "nova geração", e o aumento do risco de suicídio em jovens e adultos, em comparação com pessoas que não os tomavam.
Ao analisar se os estudos ou os autores foram financiados ou não pela indústria farmacêutica, a equipe de Hengartner também encontrou evidências de conflitos de interesse financeiros e vieses para a publicação de resultados positivos.
"Não vemos absolutamente nenhuma evidência de redução do risco de eventos suicidas", enfatiza Hengartner.
Então, mesmo que a triagem esteja funcionando para proteger os participantes dos ensaios, ela pode estar causando outros problemas.
A ironia de excluir pessoas em risco de suicídio dos testes de antidepressivos significa que aumentos potenciais nas taxas de suicídio entre as pessoas vulneráveis passam despercebidos.
E isso pode ter implicações muito maiores se o medicamento for aprovado para uso geral.
"Sabemos por muitos estudos que essas pessoas incluídas em testes de antidepressivos mal refletem a população real que usa esses medicamentos, porque possuem critérios de inclusão/exclusão muito rigorosos", diz Hengartner.
A maioria dos testes de antidepressivos também exclui participantes que tomam outras drogas ou aqueles com problemas relacionados ao uso abusivo de substâncias, por exemplo.
Isso ajuda a dividir as pessoas em grupos facilmente comparáveis em ensaios controlados randomizados, geralmente vistos como a melhor maneira de testar novos tratamentos médicos.
Controles rígidos sobre quem participa de um estudo deveriam supostamente garantir que os pesquisadores vejam com a maior clareza possível os sinais de que um tratamento funciona.
Mas isso também gera uma fragilidade importante em ensaios controlados randomizados.
A triagem para excluir pessoas em função de fatores como outras doenças, uso abusivo de substâncias e risco de suicídio significa que esses testes não refletem diretamente as populações do mundo real que podem tomá-los.
"Você não pode, na verdade, extrapolar para a população mais ampla de pessoas", diz Hengartner.
"Ao excluir populações inteiras da pesquisa, nega-se a grupos inteiros de pessoas os benefícios potenciais das descobertas da pesquisa e sua saúde pode ser afetada como resultado", explica Ana Iltis, diretora do Centro de Bioética, Saúde e Sociedade da Universidade Wake Forest, em Winston-Salem, nos EUA.
Em fevereiro de 2020, Iltis e seus colegas revisaram 64 ensaios clínicos publicados entre 1991 e 2013. Apenas um incluiu um participante considerado em risco de suicídio.
"A proteção contra os riscos da pesquisa, mediante a exclusão das pessoas, resolve um problema, mas cria outros novos", acrescenta Iltis.
Ela acredita que os pesquisadores de saúde devem procurar maneiras de ajudar as pessoas com "uma variedade mais ampla de interesses em saúde".
As autoridades nacionais de saúde dizem que querem abordar estas questões.
Em 2018, a FDA mencionou em suas orientações que pacientes com histórico de pensamentos ou comportamentos suicidas "não precisam ser sistematicamente excluídos" dos ensaios clínicos para transtorno depressivo maior.
"A agência está trabalhando para garantir uma representação significativa de populações sub-representadas em ensaios clínicos que testam novos produtos médicos, enquanto garante salvaguardas adequadas para proteger os participantes do estudo", afirmou um porta-voz da FDA.
Outros órgãos reguladores de medicamentos em todo o mundo estão pensando de maneira parecida. Um porta-voz da MHRA, do Reino Unido, concordou que não há necessidade de exclusão sistemática.
"Os critérios de inclusão e exclusão são decididos e justificados com base na avaliação individual de risco-benefício de cada ensaio", afirmou.
"É importante que qualquer programa de desenvolvimento clínico seja representativo da população afetada pela indicação para a qual o produto está sendo desenvolvido."
Para ajudar os pesquisadores que realizam ensaios clínicos a incluir pessoas em risco de suicídio, Iltis e seus colegas recomendaram uma nova estratégia na hora de estabelecer seus estudos.
"A inclusão requer pelo menos três elementos críticos", explica.
"O primeiro é ter protocolos escritos para incluir pessoas em risco de suicídio e que tenham proteções apropriadas incorporadas".
Tais proteções incluem monitorar os participantes, determinar quando poderiam ser levados ao hospital e comunicar-se com os cuidadores e familiares.
Também envolvem dizer aos participantes quais são os limites da confidencialidade em relação ao suicídio e ter planos de gerenciamento para quando as pessoas revelam intenção suicida e tentativas de suicídio.
Finalmente, os protocolos devem incluir um monitoramento de segurança independente e critérios para retirar participantes ou interromper um estudo por questões de segurança.
O segundo elemento crítico, de acordo com Iltis, é ter pesquisadores dispostos a incluir estas pessoas e que trabalhem proativamente para isso.
"O terceiro elemento crítico é ter indivíduos dispostos e capazes de dar consentimento informado voluntário para participar", acrescenta.
Estes passos devem ajudar os grupos que realizam ensaios clínicos a superar as barreiras relacionadas à sua responsabilidade legal e aos riscos para os participantes do estudo, de acordo com Iltis e seus colegas.
Um grande desafio que resta é que as medidas sugeridas por sua equipe sairiam caras e não há incentivos financeiros para estimular os pesquisadores a adotá-las.
Não é à toa que Iltis não ouviu falar de ninguém adotando a abordagem sugerida por sua equipe.
"A mudança na medicina e na pesquisa biomédica leva muito tempo", diz ela.
"Não espero ver mudanças significativas até que os incentivos sejam estabelecidos para encorajar a melhoria."
Em contrapartida, Khan permanece firmemente a favor da exclusão contínua. Segundo ele, a comunidade médica, a indústria farmacêutica e os órgãos reguladores não querem expor pessoas em risco de suicídio aos ensaios clínicos.
"Se uma empresa relata um suicídio em um teste, o que você acha que acontece com a empresa?", questiona.
Ele também argumenta que as diretrizes da FDA minimizam o problema de grupos serem excluídos dos ensaios clínicos.
Os participantes do estudo devem "refletir as características das populações clinicamente relevantes em relação à idade, sexo, raça e etnia", segundo suas diretrizes de diversidade.
Além disso, quando os medicamentos não se destinam a tratar as tendências suicidas, o risco de suicídio de uma pessoa não é relevante para um ensaio, argumenta Khan.
"Não há nenhuma exigência por parte de nenhuma agência/autoridade reguladora de que as empresas farmacêuticas incluam pacientes suicidas nos ensaios clínicos", diz ele.
Khan destaca ainda que os comitês criados para garantir que a pesquisa médica seja conduzida de forma ética não permitiriam que fossem realizados testes incluindo pessoas com um risco maior de suicídio. Mas por que isso? E será que isso pode mudar?
Hugh Davies explica que as principais regras para experimentos com seres humanos estão estabelecidas na Declaração de Helsinque.
"Embora o objetivo principal da pesquisa médica seja gerar novos conhecimentos, este objetivo nunca pode prevalecer sobre os direitos e interesses dos sujeitos de pesquisa individuais", afirma.
Com base nisso, os testes devem evitar aumentar quaisquer riscos para as pessoas envolvidas, como argumenta Khan.
No entanto, os pesquisadores de ética discutem se isso deve ser sempre verdade, diz Davies.
O risco de os medicamentos aumentarem potencialmente as taxas de suicídio em geral poderia ser um caso em que os interesses da sociedade também são um fator, especialmente se medidas como as propostas pela equipe de Iltis mitigam os riscos para os indivíduos.
Motivado pela afirmação de Khan, perguntei a 16 membros do comitê de ética em pesquisa com sede em Oxford, no Reino Unido, como eles equilibram estas considerações ao decidir se aprovam um estudo.
Perguntei se permitiriam que pessoas em risco de suicídio participassem de testes — e se apoiavam estratégias como a apresentada por Iltis e seus colegas.
Dos oito membros que responderam, a maioria concordou que questionários como o C-SSRS eram essenciais para medir o risco de suicídio de alguém.
Eles também gostariam de saber em que estágio do processo de desenvolvimento do medicamentos o teste estava e qual era o risco de suicídio que havia.
Por exemplo, medicamentos que estão sendo testados em humanos pela primeira vez deveriam excluir pessoas em risco de suicídio.
"Certamente, se a população a que se destina incluísse pessoas vulneráveis (aquelas com histórico médico de depressão grave, psicose, etc.), eu esperaria não só um processo de triagem, mas também uma estratégia para gerenciar aqueles que estão em risco", escreveu Christine Montague-Johnson, enfermeira de pesquisa pediátrica da Universidade de Oxford, que é um dos membros do comitê.
Mas, sob estas condições, a maioria concordou que, se uma estratégia semelhante à proposta por Iltis estivesse em vigor, eles permitiriam que um teste que desejasse incluir pessoas em risco de suicídio seguisse adiante.
Claro, estas são as opiniões de apenas um comitê de ética, com sede no Reino Unido, respondendo a perguntas hipotéticas.
Mas dá uma ideia dos tipos de questões que as pessoas que aprovam os ensaios clínicos devem ponderar antes de permitir que prossigam.
E mesmo com uma maior proteção para pacientes de risco durante os testes, como Iltis identificou em sua estratégia, nem todos os grupos de pesquisa estarão preparados para lidar com as possíveis consequências.
"É um pesquisador corajoso que diz: 'Vou incluir essas pessoas em risco de suicídio em um estudo em que a medicação pode fazer com que isso piore'", diz Davies.
"Eles precisam ir até o comitê de ética em pesquisa e dizer, estamos sendo corajosos, e tornar os benefícios muito evidentes. Depois, precisam das opiniões de todos os grupos com um interesse legítimo e um debate prolongado. É um comitê corajoso que adere a isso."
Mas os benefícios tampouco devem ser ignorados. A inclusão nos ensaios pode ajudar pacientes como eu que participam, mas também pode esclarecer os riscos que rondam os tratamentos com antidepressivos.
Isso pode significar medicamentos mais seguros para os pacientes de forma mais ampla.
E em um momento em que a pandemia de covid-19 piorou consideravelmente a saúde mental, isso pode ser mais importante do que nunca.
Como diz Davies, serão necessários alguns passos ousados de pesquisadores, órgãos reguladores e empresas farmacêuticas para que a maneira como os ensaios são conduzidos mude.
"Mas, às vezes, acho que precisamos ser corajosos", acrescenta.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) na sessão Lovelife do site BBC Future.
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