Antes da pandemia, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2019, já apontava o Brasil como o país com maior número de pessoas ansiosas no mundo: 18,6 milhões de brasileiros sofrem com algum tipo de transtorno de ansiedade. E, claro, crianças e adolescentes fazem parte deste contexto.
Nesse cenário, o filósofo José Donizetti dos Santos, especialista em neurociência aplicada à educação, diretor do Colégio Maria Clara Machado, no Bairro Cidade Jardim, em BH, introduziu no ambiente escolar a prática de mindfulness, pela própria experiência como instrutor sênior de meditação mindfulness.
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Fibromialgia: um a cada dois pacientes relata impacto na qualidade de vidaProcura por cirurgias plásticas dispara pós-pandemia; confira as principaisNúmero de brasileiros que se dizem felizes caiu, diz IpsosEstudo mostra que 10% de quem tem entre 5 e 17 anos faz xixi na camaCannabis auxilia na qualidade de vida dos pacientes com esclerose múltiplaHarmonização facial: quais são os limites para fazer o procedimento?“A ideia de levar a prática para dentro da escola partiu da constatação, cada vez mais crescente, de um elevado nível de estresse e ansiedade, da dificuldade de concentração e déficit de atenção, cada vez mais marcantes, sobretudo, na vida dos estudantes, mas também nos educadores de maneira geral (pais e professores).”
José Donizetti dos Santos explica que mindfulness é uma palavra em inglês que pode ser traduzida como “atenção plena” ou “consciência plena”. “É a consciência que emerge ao prestar atenção de modo intencional no momento presente, sem julgamento, segundo Jon Kabat-Zinn, da Universidade de Massachusetts, que, em 1978, começou a utilizar mindfulness com pacientes diagnosticados com estresse, crises de ansiedade e dores crônicas”, explica o instrutor.
“A prática envolve um conjunto de técnicas para estar no momento presente, desperto e consciente de sua atitude frente à vida, impulsionando as forças pessoais para ajudar no autoconhecimento, autocuidado e no autodesenvolvimento dos potenciais humanos.”
Segundo José Donizetti dos Santos, mindfulness é uma prática para toda a vida, até que a pessoa se torne um modo de ser, o “modo mindful”. Assim, ele destaca que os alunos do Maria Clara Machado estão nesse processo. “Muitos estudantes, cada vez mais conscientes dos benefícios, usam a prática em momentos de ansiedade, tais como conflitos familiares e com colegas, na hora de fazer avaliações ou em situações relacionadas a problemas de saúde. Percebemos, no clima geral do colégio, uma sensação de maior respeito e tolerância com as diferenças pessoais, sobretudo com os colegas de inclusão.”
No colégio, a prática está presente na vida dos estudantes, tanto do ensino fundamental como do médio. As práticas são adaptadas para cada faixa etária e para o contexto das diversas turmas e, em geral, ocorrem duas vezes por semana. “Eventualmente, um ou outro estudante não se sente confortável para participar, devido a alguma questão pessoal relacionada à sua saúde física ou emocional”, pontua.
mudanças Para aqueles que se propõem a participar, José Donizetti dos Santos enumera os benefícios: “Para os estudantes que praticam mindfulness regularmente, o programa está relacionado ao maior controle da impulsividade, à potencialização da memória, ao aumento da concentração e do foco, à redução da ansiedade durante as situações avaliativas, à melhora da empatia nas relações. Como disse, a prática é um processo e quanto mais se pratica, mais é possível promover mudanças nas diversas áreas da vida. No caso dos estudantes, desenvolve o autoconhecimento e melhoria geral do aprendizado.”
José Donizetti dos Santos revela que, na fase aguda da pandemia, promoveu e conduziu, inúmeras vezes, práticas on-line de mindfulness tanto para os estudantes como para pessoas em geral, por meio de um grupo de WhatsApp: “Foram momentos de profunda conexão pessoal: com os sofrimentos de cada um, os medos, inseguranças. Mas, igualmente, com as alegrias pela superação pessoal frente aos momentos mais desafiadores causados tanto pela doença em si, quanto pelo próprio isolamento social ao qual todos fomos submetidos”.
O que o instrutor percebeu é que, no retorno ao presencial, houve um aumento no nível de ansiedade dos estudantes. Pais e professores, igualmente ansiosos. Por isso, o objetivo é oferecer, cada vez mais, práticas de mindfulness, chamando os estudantes, professores e pais, em diversas circunstâncias, para praticar – seja no Espaço de Atenção Plena do Colégio, nas salas de aula, em workshops, imersões na natureza, caminhadas etc.
“Afinal, estudos científicos já demonstraram que práticas regulares de mindfulness são benéficas para a saúde humana, seja ela física, mental ou social. Incluir as práticas no dia a dia pode diminuir o estresse e a ansiedade, aumentar a atenção e a memória, além de promover empatia e autoconhecimento. Além disso, pode ajudar também os pacientes que sofrem com depressão e hipertensão.”
Daniela Cordeiro de Almeida Lemos, coordenadora educacional do Colégio Maria Clara Machado e bióloga, conta que a prática de mindfulness teve um início tímido, com práticas espaçadas e eventuais. “Com o passar do tempo, implementamos de maneira sistemática as práticas meditativas e a rotina do colégio mudou. Os conflitos continuam existindo, mas a forma de lidar com eles e como resolvê-los modificou, tanto a conduta com os alunos quanto suas respostas aos problemas, assumindo o erro de maneira adulta, comprometida, equilibrada e serena para resolver as situações de conflito. Assim, o final do dia se torna mais leve na sensação de “dever cumprido”.
Depoimentos
Rosana Teixeira Lima, confeiteira, mãe de Clara Lima Rodrigues, de 13 anos, do 7º ano
“A minha filha é muito ansiosa e com mindfulness ela conseguiu um equilíbrio maior para a sua vida. A concentração, a paciência e o foco aumentaram. Ela é agitada de natureza, mas até isso ficou um pouco mais organizado. Existe uma evolução natural quando nos entendemos e voltamos para dentro de nós mesmos. Vejo isso claramente em minha filha. Ela busca cada vez mais como ela é, e o que sente, para poder, cada vez mais, melhorar.”
Clara Lima Rodrigues de 13 anos, aluna do 7º ano
“O mindfulness me ajudou a ficar menos ansiosa, menos agitada e menos irritada. Quando fico muito ansiosa, respiro fundo e fico um pouco melhor. Teve uma noite em que eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Então, me sentei, respirei fundo umas quatro vezes e me deitei de novo. Aí sim, eu consegui dormir. E percebo que minha convivência com os colegas também melhorou. Eu fiquei com mais paciência, não só com os colegas, mas com os amigos e a família. Então, sim, eu gosto muito de fazer mindfulness. Na verdade, até se tornou um hábito muito bom. E me sinto bem.”