Uma nova tecnologia chega a um hospital. Os médicos, duvidosos sobre usá-la em cirurgias reais, preferem testar a ferramenta usando realidade virtual. Enquanto isso, operadores de uma grande fábrica aprendem, também recorrendo a simulações, como operar a máquina recém-comprada que vai acelerar as etapas produtivas. Não há perigo para os dois tipos de profissionais. Se os ambientes de ação são imaginários, os acidentes também são. Em busca desse tipo de tranquilidade, cientistas têm cada vez mais desenvolvido tecnologias de manipulação de objetos em realidade virtual (RV).
É o caso de uma equipe formada por pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausana (EPFL) e do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH Zurick), ambos na Suíça. Eles desenvolveram a DextrES, luva capaz de interagir com espaços replicados virtualmente. Quem usa o artefato consegue sentir objetos do ambiente imaginário ao interagir com eles.
Além da entrega tátil, Shea acredita que a solução melhora a usabilidade de aparelhos de realidade virtual. “Apesar de já existirem tecnologias semelhantes, nosso objetivo é produzir luvas com um exoesqueleto mais leve, que usem menos energia e sejam capazes de ser aplicadas, inclusive, em outros espaços, como
a realidade aumentada”, afirma.
A criação foi feita a partir de náilon e pequenas tiras de metal elástico, separadas por um fino isolador. Cada tira envolve um dos cinco dedos da mão do usuário, que consegue interagir com o ambiente quando uma voltagem diferente entre os dedos é gerada. “O fato de a voltagem ser diferente entre as cinco tiras causa uma atração eletrostática que junta todos os dedos da mão e bloqueia o movimento em torno do objeto virtual manipulado”, detalha Shea.
Leveza Com o movimento bloqueado, a tecnologia precisa de menos energia para funcionar. Edgard Lamounier, coordenador da pós-graduação em engenharia biomédica da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, explica que a manipulação de objetos em três dimensões é diferente da de materiais em 2D.
O DextrES usa 200 volts para aplicar uma força de 40 newtons em cada dedo da mão, grandezas que viabilizam o uso de baterias realmente pequenas, de acordo com os pesquisadores responsáveis. “Embora sejam valores muito bons, os criadores da luva ainda precisarão reduzi-los para adequá-los a padrões de segurança de tecnologias vestíveis”, pontua Denys Makarov, cientista do Instituto de Pesquisa em Materiais do laboratório de pesquisa alemão Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf e pesquisador em RV.
A luva também traz novidade em sua massa total. O material que envolve cada dedo pesa 8g. “É um nível de leveza e de conforto realmente interessante, mas que ainda precisará ser melhorado. Afinal, a luva somará cerca de 50 gramas, e esse valor pode ser melhor adaptado para a experiência final do usuário”, opina Makarov. Para Lamounier, o avanço da tecnologia viabilizará a reformulação com o passar do tempo.
Cérebro
enganado
As novas luvas fascinaram o pesquisador do Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Lisboa Joaquim Jorge, que destaca o potencial da tecnologia em “enganar o cérebro” e abrir novas portas para a experiência virtual. “Hoje, já conseguimos enganar relativamente bem o nosso sentido da visão. Falta descobrir como fazer o mesmo com os outros. Nesse contexto, a DextrES é um novo passo, uma vez que parte de um princípio muito interessante”, enfatiza.
De acordo com Joaquim Jorge, as luvas usam um material muito leve, que, em vez de usar força ativa, aposta na força passiva do usuário. “Conforme a força aumenta, mais pesado fica o aparelho. Se apostarmos em um equipamento que bloqueia os movimentos de quem o utiliza, reduziremos a força despendida e a sensação de peso, ao passo que melhoraremos a experiência das pessoas. É isso que a pesquisa de Shea faz”, explica.
A fim de avaliar a usabilidade e a experiência fornecida pela DextrES, os cientistas convidaram voluntários para testar a luva e outros dispositivos semelhantes. Ao fim do estudo, conta Shea, “eles acharam que o aparelho forneceu mais informações sensíveis, além de ser mais confortável”.
Desafio de
ser o mais real possível
Estudos em realidade virtual são conduzidos desde os anos de 1960, quando pesquisadores da área começaram a se interessar pela relação homem-máquina.
Entretanto, segundo Edgard Lamounier, criações mais recentes começaram a aprofundar ainda mais a experiência sensorial em ambientes replicados. “Depois do mouse, vimos um novo dispositivo de force feedback (resposta de força, em português), que aprimorava o contato tátil com objetos virtuais”, conta o professor de engenharia biomédica da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.
Para o especialista, agora, a necessidade é melhorar a relação entre computadores e humanos, permitindo que interações desse tipo possam ser o mais reais possíveis. “Hoje, conseguimos pagar as contas em um aplicativo do banco em um celular touchscreen. Nesse caso, porém, interagimos com plataformas digitais. Imagine que, com a realidade virtual, poderemos visualizar o próprio banco, ir ao caixa, fazer depósitos, tudo sem sair de casa, mas de uma forma bem convincente”, exemplifica.
“Há quem pense que ambientes replicados virtualmente são coisa de roteiros cinematográficos, mas quero dizer a todos que esse tipo de tecnologia está chegando para tomar conta do nosso dia a dia, com capacetes, luvas ou qualquer outro aparelho que nos ajude a interagir com ambientes e mundos imaginários”, ressalta Lamounier.
É justamente essa constante presença que preocupa Denys Makarov. O pesquisador do laboratório Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf problematiza a baixíssima interação social em espaços virtuais e acredita que as luvas criadas pelos cientistas suíços poderão ajudar a amenizar a questão. “Elas abrem espaço para que a pesquisa em realidade virtual social cresça, ponto muito importante e necessário. Afinal, as pessoas envolvidas com tecnologias do ramo têm perdido cada vez mais o contato tátil em espaços replicados”, justifica. (GB*)
* Estagiário sob supervisão da
subeditora Carmen Souza .