O MDMA é um composto químico geralmente confundido com o ecstasy. Próximo ao que ocorre com o uso medicinal do princípio ativo da maconha, a substância já é aplicada na recuperação de pacientes que sofrem com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ideal para uso complementar ao acompanhamento terapêutico de pessoas com trauma. O potencial curativo do MDMA é conhecido desde antes de sua proibição, nos anos 1980, desvendado pelo químico norte-americano Alexander Shulgin, que, na década de 1960, testou os efeitos em si mesmo e depois apresentou as descobertas para a comunidade científica.
“MDMA é a sigla de um composto químico, uma molécula, chamada metilenodioximetilanfetamine. É uma molécula específica e nenhuma outra. Entretanto, a denominação científica se confunde com gírias usadas em cenas de uso de drogas ilícitas, como MD, ‘Michael Douglas’, ou outros apelidos, como ecstasy, bala ou simplesmente ‘e’. Isso é um grande problema, pois as pessoas pensam estar consumindo MDMA, mas muitas vezes não estão”, explica o neurocientista Eduardo Schenberg, diretor da ONG Plantando Consciência e pioneiro no país em estudos sobre efeitos de drogas psicoativas como MDMA, ibogaína, LSD e ayahuasca no cérebro.
O MDMA é uma droga sintetizada em laboratório, transformada em cristais incolores e inodoros que, normalmente, são misturados com água e cujo efeito passa por euforia, sensação de bem-estar e alterações sensoriais, com expansão dos sentidos. Consumido no mundo inteiro, o MD ficou popular entre os jovens, principalmente em festas rave. O especialista cita pesquisa da Fapesp, em conjunto com a Polícia Federal, que revelou que menos da metade desses comprimidos ou pós/cristais encontrados no mercado ilícito contêm MDMA – em quase todas as amostras foram encontrados contaminantes, incluindo mais de 200 outras substâncias, como cafeína, cocaína, anfetamina e parametoxianfetamina, uma molécula bem mais tóxica do que o MDMA.
É comum que pessoas que viveram ou presenciaram alguma situação de violência extrema desenvolvam o transtorno de estresse pós-traumático. Pacientes com o mal apresentam menor ativação cerebral nas áreas ligadas à memória e aprendizagem. Por outro lado, sobressaem os campos que ativam o medo, como a amígdala. Quando o MDMA chega ao cérebro, diminui a ação da amígdala, influenciando, assim, para a minimização de sinais como medo e ansiedade, dando à pessoa uma sensação mais clara de autoconfiança.
MAIS CLAREZA O novo método de tratamento contra o TEPT é chamado psicoterapia assistida com MDMA – como o nome indica, é uma abordagem que combina psicoterapia com o uso de um fármaco, e os resultados não se dão por um ou outro fator isoladamente (terapia ou medicação), mas sim pela combinação deles, explica o neurocientista. A terapia inclui 15 sessões com dois terapeutas simultaneamente, um homem e uma mulher, sendo uma sessão por semana, em um total de aproximadamente três meses de tratamento. Apenas três sessões incluem uso do MDMA, sempre sob supervisão constante dos terapeutas e do médico responsável pela administração do medicamento. As sessões com MDMA duram de seis a oito horas – o paciente ouve músicas instrumentais evocativas e pode interagir com os terapeutas sempre que quiser. Após as sessões, a pessoa faz pernoite na clínica e, na manhã seguinte, tem uma consulta sem uso da substância.
“Durante os efeitos do MDMA, os pacientes sentem, temporariamente, menos medo e conseguem raciocinar com clareza, criando um momento propício para a psicoterapia sobre traumas muito dolorosos e dos quais os pacientes mais graves, com os quais lidamos, praticamente não conseguem falar sem o auxílio do MDMA. Portanto, a substância não cura o trauma por si só, mas permite uma interação otimizada entre terapeutas e paciente. Nesse ponto, a atuação dos terapeutas é fundamental para garantir segurança e orientar o paciente a revisitar suas memórias de forma segura e terapêutica. Os pacientes se emocionam muito, choram, refletem, confessam sentimentos, expressam raiva, rancor, mágoa”, elucida.
No Brasil, as práticas médicas associadas ao MDMA ainda são incipientes – até então, o tratamento foi realizado com três pessoas, todas vítimas de abuso sexual. Segundo Eduardo, os pacientes reagiram bem à terapia, sem nenhum evento adverso grave. No exterior, já foram tratadas centenas de pessoas, em mais de 1 mil sessões com MDMA, registrando apenas um efeito negativo, uma arritmia cardíaca temporária, que não acarretou problemas de saúde ao paciente. “Os resultados são impressionantemente positivos, com cerca de 70% dos pacientes chegando no fim do tratamento curados do transtorno. É importante notar que todos tratados até agora já tinham tentado outros métodos convencionais, sem sucesso, e que os benefícios foram duradouros.