São Francisco – As empresas que hoje miram o futuro das soluções para mobilidade urbana entenderam onde está o sinal verde para a próxima revolução tecnológica de fazer arrepiar os cabelos: nas ruas de Mountain View, na Califórnia, circulam ideias e protótipos dos carros que seguem por conta própria, sem motoristas. Os chineses da Didi – a gigante que comprou a startup brasileira 99 – não perderam isso de vista e por isso, desde maio, têm no carro autônomo o principal produto em desenvolvimento no novo laboratório instalado na mesma cidade onde o Google fincou os pés.
“Em cinco anos, a tecnologia deve estar pronta para o mercado”, prevê Zhaoyin Jia, o coordenador do time que cuida do carro autônomo. O Estado de Minas esteve entre os meios de comunicação convidados para a primeira visita internacional de jornalistas ao lab. A princípio, parece uma startup como outra qualquer: prédio austero, de linhas retas, decoração quase infantil, com mapa estilizado da cidade, aquela alegria típica do discurso corporativo da construção de um mundo melhor, estampada em almofadas em forma de carros cartunizados. “Tudo à la Vale do Silício”, frisa uma sorridente chinesa da equipe de comunicação, empolgada com os novos móveis e o grande espaço para refeições com lanches disponíveis o tempo todo. O tour de jornalistas passa pela turma “que faz os testes nos carros”: uma garota de cabelos coloridos e um rapaz gordinho acenam cheios de simpatia.
E então o passeio nos laboratórios da Didi chega à parte cercada de tensão. Em uma cidade em que mais de 20 empresas fazem testes com carros sem motoristas, os avanços de cada uma são guardados a sete chaves. Some-se a isso a forma chinesa de lidar com informação e você terá uma visita de imprensa em que fotos não são permitidas – proibição expressa em letras e ícone garrafais logo na entrada da garagem.
Os assessores de comunicação (em maior volume do que os jornalistas do México, Japão e Brasil – mercados considerados estratégicos para a Didi) cercam os profissionais de imprensa para garantir que nenhuma imagem irregular será produzida.
No topo de um dos carros, um sensor em formato de balde virado de cabeça para baixo gira, muito rápido, em torno do próprio eixo, a ponto de fazer barulho, semelhante ao de um ventilador em velocidade máxima: é o lidar, instrumento que permite decodificar em números todas as distâncias e volumetrias de objetos que cercam o carro. Funciona como um scanner em 360 graus, capaz de “enxergar” o entorno do automóvel. Dispostas de forma circular, distribuem-se ali também sete câmeras, capazes de identificar cores (o semáforo precisa ser percebido!) e outras informações visuais. Radares completam o esforço do aparato que pretende substituir os olhos e ouvidos humanos.
Cada uma das informações é levada para um computador posicionado no porta-malas do carro: a máquina que a Didi usa é gigante e ocupa todo o espaço. Ali está o cérebro da operação, onde todos os dados são processados – e também onde se concentra o aprendizado.
Isso porque enquanto desliza pelas ruas, o veículo adquire conhecimento sobre os trajetos, e se torna um “motorista experiente”; há ali uma tecnologia que permite, de fato, uma consolidação de saber, a partir da soma das decisões e desafios enfrentados, para tornar a máquina mais esperta – por mais assustador que soe, a coisa realmente funciona à imagem e semelhança das nossas cabeças.
“Há novos desafios que precisamos enfrentar até sentir a confiança plena na tecnologia: a segurança é um deles. Ainda há fundamentais limitações para a inteligência artificial e o aprendizado pelas máquinas.
A Waymo se dedica, desde 2009, a pesquisar as tecnologias que tornam possível o carro sem motorista. Esses nove anos de estrada deixam empresas como a Didi, por enquanto, atrás na largada para o lançamento dos primeiros carros. Os protótipos chineses ainda soam bastante experimentais, na comparação com o que a principal concorrente já mostrou.
Contratar para chefiar a equipe alguém que esteve há pouco dentro da “garagem inimiga” não soa antiético para o dr. Gong Fengmin, chefe do laboratório: “Temos um código de ética muito claro sobre isso, o que já é o padrão em todo o Vale do Silício. Quando contratamos alguém, esperamos mão de obra qualificada, que obviamente traz uma bagagem, mas tem consciência de que deve, ao chegar a uma nova empresa, ser capaz de desenvolver novas coisas.”
Enquanto cresce a insatisfação dos motoristas humanos que hoje fazem o dinheiro da empresa, dr. Gong não vislumbra futuro em que haja substituição total da mão de obra humana, indicando que, ao menos a princípio, operadores para o carro serão indispensáveis. Toda a base do aprendizado das máquinas que funcionam como cérebro dos veículos autônomos é a qualidade das vias e digitalização confiáveis das informações – outro fator que ainda pode distanciar mercados como o brasileiro da novidade. Tudo, contudo, mera questão de tempo – justamente contra ele correm chineses e americanos em busca do carro autônomo perfeito.
*O jornalista viajou a convite da 99
Terra da inovação
As típicas casinhas de subúrbio estadunidense conservam, nas ruas dos bairros residenciais de Mountain View, certo suspense – com as portas de garagem fechadas – inspirado na mítica história local: haverá, por trás de alguma delas, duplas de gênios da informática reunidas criando novidades que mudarão o futuro da humanidade? Se não, ao menos nos laboratórios das grandes empresas que resolveram se instalar por lá, a competição segue acirrada.
A busca por aprimorar as tecnologias do carro autônomo colocam a pequena cidade, distante 120 quilômetros de San Francisco, colada à Universidade de Stanford, de volta aos trilhos da descoberta excitante de novidades que podem mudar a vida de muita gente, em escala global – tanto que à Didi não bastou o laboratório em Pequim.
Por isso, a prefeitura garantiu as licenças a mais de 20 empresas para que as ruas da cidade fossem palco dos novos testes.
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