Assim como a fisioterapia pode proporcionar a recuperação de movimentos perdidos, realizar exercícios neurais pode auxiliar a recuperar funções cerebrais básicas. É o que mostram cientistas brasileiros. Pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), no Rio de Janeiro, observaram que o uso de uma técnica de treinamento cerebral chamada neurofeedback levou a um fortalecimento das conexões neurais e da comunicação entre as áreas do cérebro de pessoas saudáveis. As descobertas foram publicadas na última edição da revista especializada Neuroimage e podem ajudar futuramente em terapias para o AVC e o Parkinson.
Os autores do estudo destacam que a pesquisa foi feita com base em um conceito antigo, bastante conhecido na área médica: a neuroplasticidade cerebral, a capacidade de readaptação do órgão. “Sabíamos que o cérebro tem uma capacidade incrível de se adaptar, mas não tínhamos certeza de que poderíamos observar essas mudanças tão rapidamente”, detalhou Theo Marins, um dos autores da pesquisa e neurocientista e pós-doutorando no Idor.
No experimento, Marins e sua equipe usaram a técnica de neurofeedback, que tem sido considerada uma ferramenta promissora para regular áreas disfuncionais do cérebro associadas a distúrbios, como dor crônica e depressão, por exemplo. “Nessa técnica, usamos a ressonância magnética, que ajuda os indivíduos a ter acesso à sua própria atividade cerebral em tempo real. Com isso, eles conseguem rapidamente ganhar controle sobre ela”, disse o cientista.
O neurofeedback foi aplicado em 36 pessoas saudáveis, com o objetivo de aumentar a atividade das regiões cerebrais envolvidas nos movimentos da mão. No entanto, em vez de realmente mover a mão, os voluntários foram convidados a imaginar apenas o movimento, em total descanso, enquanto eram monitorados.
GRUPOS Os pesquisadores relataram que 19 dos participantes da pesquisa receberam o treinamento cerebral real e os 17 restantes foram treinados com neurofeedback placebo, para fins de comparação. Imediatamente antes e após o treinamento cerebral, que durou cerca de 30 minutos, suas redes neurais foram escaneadas para investigar o impacto do neurofeedback (ou placebo) na “fiação” e comunicação do cérebro, também conhecidas como conectividade estrutural e funcional.
Segundo os especialistas, os resultados mostraram que o corpo caloso – a principal ponte cerebral que conecta os hemisférios direito e esquerdo – exibiu maior integridade e fortaleceu a rede neural que controla os movimentos do corpo. “Vimos que todo o sistema se tornou mais robusto”, destacou Theo Marins.
Da mesma forma, o treinamento teve um impacto positivo na rede de modo padrão, uma teia cerebral que é prejudicada após o AVC, Parkinson e depressão, por exemplo. Essas alterações não foram observadas no grupo de controle. “Mostramos que o neurofeedback pode ser considerado uma ferramenta poderosa para induzir alterações cerebrais em velocidade recorde”, especificou Fernanda Tovar Moll, também autora do estudo e pesquisadora do Idor. “Vimos que em menos de uma hora o cérebro fortaleceu as áreas neurais relacionadas ao movimento que trabalhamos, que foi o da mão. O cérebro ficou mais rápido do que esperávamos. Isso comprova essa neuroplasticidade”, complementou Marins.
AUXÍLIO MÉDICO Para Ivan Coelho Ferreira, neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, a pesquisa mostra dados extremamente importantes para a área neurológica. “O maior problema que temos atualmente, quando se fala em doenças neurológicas, como o AVC, é a reabilitação, que ainda não conseguimos fazer com que seja completa”, comentou o especialista, acrescentando: “Antigamente, achávamos que apenas pacientes mais jovens podiam apresentar melhoras completas e mais rápidas, mas hoje temos visto que a neuroplasticidade do cérebro não está relacionada com a idade, em adultos isso também é possível, e com os dados dessa pesquisa esse conceito se reforça.”
Ferreira destacou que o pouco tempo das sessões realizadas no experimento é um detalhe a ser ressaltado. “O neurofeedback, realizado em uma hora, já mostrou resultados positivos. Isso é muito interessante, pois seria uma forma eficaz de incorporar esse treino na recuperação dos pacientes”, frisou.
Na avaliação de Ferreira, testes futuros com pessoas que apresentam problemas como o AVC e o Parkinson serão de grande valia. “Acho que seria um bom grupo para ser avaliado, dessa forma será possível avaliar se os resultados positivos se repetem e o quanto isso pode ajudar na recuperação de cada caso. De qualquer forma, esse já é um começo extremamente promissor”, opinou o especialista. Theo Marins adiantou que a pesquisa terá continuidade e focará em pessoas com problemas cognitivos.
“Queremos continuar explorando essas melhoras em pesquisas futuras, e dando foco a um perfil de pacientes específico. Sabemos que algumas doenças se caracterizam como um funcionamento inadequado do cérebro. Queremos saber se com o neurofeedback isso pode ser controlado, e se dessa forma eles terão uma redução dos sintomas”, antecipou. “Com isso, poderemos ver no futuro se essa técnica pode se encaixar como uma nova terapia em casos AVC e Parkinson”, disse.