O Planeta Vermelho nunca esteve tão próximo da Terra. A Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) pretende enviar homens a Marte depois da próxima missão à Lua, prevista para chegar ao satélite em 2024. Com a tecnologia existente hoje, seriam necessários apenas nove meses para uma viagem dos terráqueos ao solo marciano. Por isso, pesquisadores estudam estratégias que garantam o bem-estar dos astronautas em um ambiente tão diferente. Uma delas é uma substância encontrada no vinho, segundo cientistas da Universidade de Harvard.
Trata-se da molécula resveratrol, presente na uva e nas bebidas à base dela, já conhecida por diversos benefícios por ter ação antioxidante. Agora, o estudo, publicado na revista Frontiers in Physiology, demonstra que a substância preserva substancialmente a massa muscular e a força em ratos expostos aos efeitos devastadores da gravidade simulada de Marte.
Sem o desafio da gravidade, os músculos e ossos enfraquecem no espaço. Os de sustentação do peso, como os da panturrilha, são os primeiros a ser atingidos, e de forma mais grave. “Depois de apenas três semanas no espaço, o músculo sóleo (que fica entre a panturrilha e o tendão calcâneo) encolhe em um terço”, diz Marie Mortreux, principal autora do estudo financiado pela Nasa, e pesquisadora no Laboratório Seward Rutkove, na Escola de Medicina de Harvard. “Isso é acompanhado por uma perda de fibras musculares de contração lenta, que são necessárias para a resistência”, conta.
Para permitir que os astronautas operem com segurança em longas missões a Marte, cuja atração gravitacional é de apenas 40% em relação à da Terra, medidas de mitigação serão necessárias. “As estratégias dietéticas podem ser fundamentais”, frisa Mortreux. “Especialmente porque os astronautas que viajarão para Marte não terão acesso ao tipo de máquinas de exercícios existentes na Estação Espacial Internacional.”
Entre os suplementos alimentares, um forte candidato é o resveratrol. O composto comumente encontrado na casca da uva e dos mirtilos tem sido bastante estudado por seus efeitos anti-inflamatório, antioxidante e antidiabético. “Essa substância tem sido estudada extensivamente por seus benefícios à saúde. E também já se mostrou que ela preserva os ossos e a musculatura. Porém, não havia pesquisas a respeito de seu efeito no sistema musculoesquelético na gravidade parcial”, explicou, em nota, Sweard B. Rutkove, chefe da Divisão de Doenças Neuromusculares do Centro Médico Diaconisa Beth Israel, e coautor do estudo.
No experimento, feito com ratos, a molécula preservou a massa óssea dos animais, submetidos a uma situação análoga à da microgravidade durante os voos espaciais. “Portanto, supomos que uma dose diária moderada ajudaria a mitigar o descondicionamento muscular em um análogo da gravidade de Marte também.”
PANTURRILHAS
Para imitar a gravidade marciana, os pesquisadores usaram uma abordagem primeiramente desenvolvida em ratos por Marie Bouxsein, também pesquisadora de Harvard. Os roedores foram equipados com um cinto de segurança e suspensos por uma corrente no teto da gaiola. Vinte e quatro machos foram expostos à carga normal (Terra) ou 40% de carga (Marte) por 14 dias. Em cada grupo, metade recebeu resveratrol (150mg/kg/dia) na água; os outros só tomaram água.
Para imitar a gravidade marciana, os pesquisadores usaram uma abordagem primeiramente desenvolvida em ratos por Marie Bouxsein, também pesquisadora de Harvard. Os roedores foram equipados com um cinto de segurança e suspensos por uma corrente no teto da gaiola. Vinte e quatro machos foram expostos à carga normal (Terra) ou 40% de carga (Marte) por 14 dias. Em cada grupo, metade recebeu resveratrol (150mg/kg/dia) na água; os outros só tomaram água.
A circunferência da panturrilha e a força de preensão da pata dianteira e traseira foram medidas semanalmente e, aos 14 dias, os músculos da panturrilha foram analisados. Como esperado, a condição análoga à de Marte enfraqueceu a força dos ratos e reduziu a circunferência da panturrilha, o peso muscular e o conteúdo de fibra de contração lenta. Porém, a suplementação de resveratrol quase que totalmente resgatou a força das patas dianteira e traseira nos animais, que apresentaram o mesmo nível muscular dos ratos em gravidade normal, não suplementados.
Além disso, o resveratrol protegeu 100% a massa dos músculos sóleo e gastrocnêmio dos “ratos de Marte” e, em particular, reduziu a perda de fibras musculares de contração lenta. A proteção, porém, não foi completa: o suplemento não conseguiu recuperar inteiramente a área seccional média das fibras dos dois músculos nem a circunferência da panturrilha.
“Mais estudos são necessários para explorar os mecanismos envolvidos, bem como os efeitos de diferentes doses de resveratrol (até 700mg/kg/dia) em machos e fêmeas”, diz Mortreux. “Além disso, será importante confirmar a falta de interações potencialmente perigosas do resveratrol com outras drogas administradas a astronautas durante missões espaciais”, alerta. Segundo a pesquisadora, o laboratório também estuda se ameixas secas, fontes de antioxidantes, promovem o mesmo efeito.