Jornal Estado de Minas

Estudo brasileiro aponta que incêndios na Amazônia afetam geleiras andinas



A grande quantidade de queimadas na Amazônia, recentemente, fez com que o mundo virasse os olhos para o Brasil, desencadeando, inclusive, crises políticas e diplomáticas. Isso porque os danos ocorridos na floresta – boa parte dela em território brasileiro – podem desencadear problemas para todo o planeta. Em um estudo publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros mostram que os incêndios nos trópicos estão ligados ao derretimento das geleiras andinas. Por meio de uma série de cálculos e projeções, os investigadores mostram que aerossóis gerados pela queima de biomassa podem intensificar o derretimento do gelo.





Newton de Magalhães Neto, pesquisador do Instituto de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e principal autor do estudo, explica que a pesquisa foi motivada por dados que revelaram como emissões geradas pela queima de combustível fóssil em regiões vizinhas eram transportadas para o Ártico e para a Groenlândia, contribuindo para o derretimento do gelo nessas áreas. “Imaginamos que as queimadas geradas na Amazônia também poderiam gerar efeito nas geleiras dos Andes devido à sua proximidade”, conta.

No estudo, Newton de Magalhães Neto e sua equipe, que contaram com a participação de cientistas franceses, usaram dados coletados entre 2000 e 2016 sobre incêndios, movimento da fumaça pelo vento, precipitação e derretimento de geleiras. Eles descobriram que os aerossóis gerados pela queima de biomassa, como o carbono preto, podem ser transportados pelo vento para as geleiras andinas tropicais. Lá, são depositados na neve e têm o potencial de aumentar o derretimento das geleiras. Isso acontece porque a neve que é escurecida pelo carbono preto ou pelas partículas de poeira reflete menos luz – o que compromete um fenômeno chamado albedo. “O albedo é o que impede que as geleiras derretam. Se ele diminui, é muito mais fácil que elas se deteriorem”, detalhou o pesquisador brasileiro.

FASE CRÍTICA 

Os pesquisadores resolveram dar foco aos anos de 2007 e 2010, períodos em que a região amazônica mais sofreu com as queimadas. “Analisamos uma base de dados oficiais. Com ela, identificamos as regiões que mais queimavam na Amazônia. Usamos um modelo de transporte que consegue prever o quanto do material gerado pelas queimadas pode ser depositado sobre as geleiras e, dessa forma, contribuir para o seu derretimento”, detalha o cientista brasileiro.





A análise mostrou que apenas o carbono preto ou a poeira tem o potencial de aumentar o derretimento anual das geleiras em 3% a 4%. Quando ocorrem juntos, a taxa sobe para 6%. Em situações de alta concentração, a poeira sozinha pode aumentar o fenômeno em 11% a 13%. O carbono preto, em 12% a 14%. “Escolhemos essa região para ser analisada porque ela está próxima da Amazônia e também porque é uma das áreas de que mais temos dados. Então, podemos trabalhar com um número mais amplo de informações. Vimos, por meio dessa análise, que, realmente, o efeito nessa área pode ser muito grande”, destaca.

Segundo a equipe de pesquisadores, há a possibilidade de o aumento da demanda global por alimentos agravar o problema. Ele pode resultar em maior expansão da agricultura e do desmatamento da floreta amazônica, culminando na ampliação das emissões de carbono preto e CO², que, como mostra a pesquisa, impactam as geleiras andinas. “A mensagem que o estudo passa é mais uma vez a necessidade de preservação desses territórios. Precisamos preservar as florestas e evitar sua queima de todas as formas possíveis”, frisa Newton de Magalhães Neto.

INVASORES NA ANTÁRTIDA 

A excessiva presença do homem pode prejudicar a rica biodiversidade da Antártida, segundo um estudo britânico divulgado na revista Science Advances. De acordo com autores, com as mudanças climáticas, atividades como o turismo facilitam que espécies invasoras se estabeleçam na região. A grande quantidade de espécies é preservada por um equilíbrio entre o frio extremo e o isolamento de uma massa terrestre cercada por correntes oceânicas poderosas.





“Uma mudança climática reduz a barreira de entrada (dos invasores)”, explica Peter Convey, especialista do Instituto de Pesquisa British Antarctic Survey e coautor da pesquisa. A estimativa é de que mais de 100 tipos de espécies invasoras estejam na região. Um tipo de grama chamado Poa annua já fincou raízes em algumas ilhas, assim como duas espécies de mosca levadas pelo homem. “O ponto principal é que os humanos trazem 99% das espécies invasoras”, frisa Convey.

Segundo o cientista, milhares de pesquisadores e 50 mil turistas visitam o continente remoto a cada ano. No caso das mudanças climáticas, a estimativa é de que, mantido o atual nível de aquecimento global, uma área de terra que já está sem gelo na península antártica, no Oeste, aumente seu tamanho em 300% no próximo século. “Isso significa que qualquer espécie invasora terá muito mais terras para colonizar”, ressalta o cientista.

Com mais terra e água disponível, também é provável que se intensifique a competição por recursos entre as espécies. Para os investigadores, é necessário repensar as atividades humanas na região urgentemente. 





“A exploração marinha histórica, a mudança no uso da terra e as invasões biológicas vão, provavelmente, continuar gerando impactos imediatos muito maiores nos ecossistemas antárticos do que as mudanças climáticas em si”, justifica Peter Convey.

IMPACTOS LOCAIS 

Os impactos locais da relação entre os incêndios na Amazônia e o derretimento de geleiras nos Andes também são lembrados pelos pesquisadores. “Sabemos dos danos da fumaça para quem mora próximo a essas áreas. Além disso, o derretimento das geleiras pode causar uma crise hídrica. Temos uma população vivendo nessa área que depende dessa reserva de água, que pode ser perdida”, explica Newton de Magalhães Neto, autor principal do estudo.

A equipe tem a intenção de dar continuidade ao trabalho. “Queremos analisar outras regiões, entender o impacto desses elementos em outros locais e revelar as possíveis consequências para poder criar alternativas que possam evitar possíveis prejuízos. Mas, para isso, precisamos de financiamento”, diz o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).





Para José Francisco Gonçalves, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), a pesquisa brasileira revela dados interessantes e reforça a necessidade de preservação das matas. “Esse estudo mostra uma análise extremamente inovadora, altamente qualificada e que ajuda a entender ainda mais os efeitos que as mudanças climáticas podem causar. 

Nesse caso, principalmente por causa das queimadas”, diz. “Fica muito claro que os efeitos não são só regionais, eles se expandem e chegam até os Andes. Vemos que não é só a Amazônia que sofre com os incêndios.”

O professor da UnB também ressalta que os danos causados pelo derretimento das geleiras podem ser extremamente cruéis. “Os efeitos podem ser catastróficos, a presença desse carbono preto e da poeira pode fazer com que surjam inundações e também resulta na diminuição da reserva de água nessas regiões. Isso pode provocar um grande desequilíbrio e prejudicar a população”, relata.





Para José Francisco Gonçalves, mais pesquisas sobre o tema são necessárias, pois fortalecem os alertas feitos constantemente pela comunidade científica quanto à importância da preservação do meio ambiente. 

“Esses dados são um reforço ainda maior para algo que repetimos sempre e que precisa ser levado a sério: é muito importante evitar os danos causados pelas mudanças climáticas, pois eles podem acarretar enormes prejuízos para o mundo inteiro”, frisa.