Nos últimos 15 anos, a compreensão da doença de Alzheimer deu um salto, com a identificação de proteínas que, modificadas, destroem os neurônios progressivamente, provocando os bem estabelecidos sintomas de perda cognitiva e funcional nos pacientes. Contudo, esse conhecimento não se traduziu em benefícios clínicos, e todos os medicamentos em potencial falharam nos testes. Agora, pesquisadores da Universidade do Alabama, em Birmingham (EUA), afirmam terem encontrado a peça que faltava para fechar o quebra-cabeça dessa enfermidade, que deve chegar a 152 milhões de casos até 2050, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em um artigo publicado na revista Science Translational Medicine, a equipe de pesquisadores demonstra a importância de um terceiro personagem na patologia: o neurotransmissor noradrenalina, também conhecido como norepinefrina. Os testes com camundongos e tecidos cerebrais humanos revelaram que o bloqueio de um receptor dessa substância natural produzida pelo cérebro favorece o efeito tóxico que caracteriza a deterioração da proteína beta-amiloide. Além disso, os cientistas descobriram que medicamentos já existentes no mercado conseguiram, em camundongos, retardar a progressão da neurodegeneração e restaurar as funções cognitivas.
“Nosso estudo fornece novas ideias sobre os mecanismos subjacentes à toxicidade da proteína beta-amiloide que podem ter fortes implicações no projeto de futuros medicamentos”, afirma Qin Wang, professora de biologia celular, desenvolvimento e biologia integrativa e líder da pesquisa. “Ele identifica um alvo terapêutico atraente e específico para a doença de Alzheimer.” De acordo com ela, o mecanismo patológico identificado no estudo também pode explicar por que vários ensaios clínicos visando à redução do acúmulo da proteína amiloide no cérebro fracassaram.
A bióloga diz que já se sabe que o excesso de pedaços gordurosos de beta-amiloide no cérebro atua como um gatilho para induzir alterações em outra proteína, a tau. Modificada, ela se transforma em uma destruidora de neurônios, o que caracteriza a doença de Alzheimer. Porém, o caminho entre esses dois mecanismos era desconhecido até agora. Nos exames com tecidos cerebrais de pacientes que morreram com a enfermidade, os cientistas descobriram que as placas beta-amiloides sequestram a sinalização da noradrenalina nos neurônios. Esses, por sua vez, redirecionam esse sinal para ativar uma enzima chamada GSK3-beta. Ativada, ela torna a tau tóxica para as células cerebrais.
Isso ocorre em um receptor de membrana celular na superfície dos neurônios chamados alfa-2A. Receptores de membrana são proteínas específicas para determinadas moléculas: quando entram em contato com elas, desencadeiam reações químicas dentro da célula. Nesse caso, dos neurônios. Wang explica que, embora o acúmulo de placas beta-amiloide ative a enzima GSK3-beta, a presença de norepinefrina dobrou a sinalização para que ela entrasse em ação e, assim, promovesse a toxicidade das proteínas tau.
Os pesquisadores descobriram que, no tecido do córtex de pacientes que morreram com a doença, o receptor adrenérgico alfa-2A estava significativamente aumentado, o que suporta a hipótese levantada por eles. Outra informação que apoia a existência desse mecanismo é um estudo epidemiológico do Centro Nacional de Coordenação de Alzheimer, nos Estados Unidos. Ele mostrou que o uso da droga clonidina – um ativador do alfa-2A – usada para baixar a pressão arterial, piorou a função cognitiva em pacientes que já apresentava esse tipo de deficit. Além disso, os efeitos adversos da substância foram mais fortes em pacientes com demência grave. O uso de clonidina não provocou alterações em indivíduos com cognição normal.
TESTES PROMISSORES
Em outra faze do estudo, a equipe testou um medicamento existente – idazoxan – em um modelo de camundongo da doença de Alzheimer. Essa substância é um antagonista do alfa-2A que está sendo pesquisado em ensaios clínicos para depressão. A hipótese era de que, ao bloquear a ação do receptor em animais com patologia semelhante ao Alzheimer, o medicamento poderia agir diretamente contra a doença.Os camundongos foram tratados por oito semanas a partir dos 8 meses de idade, um momento em que as placas beta-amiloide já estão presentes no cérebro e o receptor adrenérgico alfa-2A está em ação. Comparado ao grupo de controle, os animais que receberam a substância apresentaram diversas melhoras. O idazoxan reverteu a hiperativação da enzima GSK3-beta; houve redução do acúmulo das placas beta-amiloide no córtex cerebral; a proteína tau sofreu menos alterações e, consequentemente, ficou menos tóxica; e o desempenho em testes cognitivos foram quase tão bons quanto ao dos ratos normais e significativamente melhor, comparados aos ratos modelo de Alzheimer não tratados.
“Os bloqueadores dos receptores adrenérgicos alfa-2A, como o idazoxan, foram desenvolvidos para uso em outros distúrbios, e o reaproveitamento desses medicamentos pode ser uma estratégia potencialmente eficaz e prontamente disponível para o tratamento da doença de Alzheimer”, afirma Wang. “Além disso, nossos dados sugerem que o alfa-2A é um alvo terapêutico atraente e específico para a doença de Alzheimer”, observa.