"Além dos aspectos físicos, durante as consultas falo da minha relação com os meus filhos, do meu sono, das coisas que gosto de fazer..."
Raquel Negri,
terapeuta
Viver bem, com autonomia e memória em forma, é uma conquista que não depende só de uma boa genética. O estilo de vida é decisivo para a maturidade ativa. Embora muitos não gostem de ouvir essa frase, envelhecer é inevitável e para todos. Chegar lá com disposição, alegria e leveza é uma experiência individual e envolve muitas descobertas. Nessa caminhada, o médico geriatra é uma espécie de guia, que ajuda na busca pela saúde e lucidez, esclarecendo pontos importantes para um país que começa a deixar de ser jovem.
Assim como o pediatra acompanha as crianças e o clínico deveria ser uma referência para os adultos, o geriatra cuida dos mais velhos e tem sido procurado por muitos pacientes antes mesmo dos 60 anos, idade considerada como marco da maturidade pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mais do que observar problemas específicos do corpo humano, o olhar desse médico vai além. Do seu radar minucioso e atento aos detalhes não costumam escapar questões sensíveis como os relacionamentos do paciente, a capacidade em pensar e executar ideias, além da habilidade para fazer amigos. Com visão multidisciplinar, esse médico pode ajudar a cuidar da saúde até mesmo em momentos delicados, como na transição para a aposentadoria.
Se a meta é ter uma boa qualidade de vida depois dos chamados "enta", quanto mais cedo as medidas preventivas começam, melhor. O médico Flávio Cançado, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria em Minas Gerais, explica que essa é uma prática que deve nascer na infância. É como preparar o terreno desde cedo para uma boa colheita. "A geriatria começa na estrutura da família, com a boa alimentação, vacinação adequada, com o bom exemplo de uma vida saudável dos pais para as crianças. Pelo acesso à educação." Um dos pioneiros da especialidade em Minas, Flávio diz que o envelhecimento ainda é um tema complexo, já que a maturidade traz um rompimento do equilíbrio fisiológico. Para viver bem, a prevenção e o conhecimento das necessidades dessa fase da vida são consensos. "Com as novas descobertas da tecnologia, se essa geração que está nascendo agora cuidar bem da saúde física e emocional pode chegar aos 100 anos", afirma o médico.
Mas como caminhar bem até o topo da montanha? Muitos fatores pesam, mas três são bem importantes: a genética, os hábitos de vida e os projetos pessoais. Como um bom exemplo, Flávio cita o caso de um paciente registrado em um livro científico de referência em geriatria. "Quando jovem, esse paciente cuidava de todas as colinas do entorno da sua propriedade rural, até mesmo do espaço dos vizinhos", diz o médico. Quando ficou mais velho, as dores na articulação o fizeram reduzir o ritmo. À medida que o tempo passou, ele começou a cuidar do pomar, depois das plantas no entorno da casa. A caminho dos 100 anos, seu interesse em fazer o que gostava não diminuiu e ele passou a cuidar da jardineira da sua janela. "Precisamos olhar para algo que gostamos muito e ter interesse em todas as etapas da vida", diz. "O prazer no trabalho é fundamental para envelhecer bem. Os mais velhos também devem ser incentivados a ter esse objetivo".
"Ter interesses e gostar do que se faz é fundamental para o envelhecimento saudável"
Flávio Cançado,
médico geriatra
ACOMPANHAMENTO COMPLETO
Depois de transferir os cuidados integrais ao seu ginecologista, ao completar 50 anos a terapeuta corporal Raquel Negri estava em busca de um clínico. Queria um especialista que pudesse acompanhá-la de forma completa, em vez de consultar diversos especialistas. Encontrou o geriatra. "A consulta me surpreendeu de forma positiva. Apesar de ser um médico de convênio, eu não senti pressa. A consulta durou o tempo que era necessário", diz. Segundo ela, a conversa é sempre longa. "Além dos aspectos físicos, durante as consultas falo da minha relação com os meus filhos, do meu sono, das coisas que gosto de fazer..." Com esse acompanhamento mais próximo, Raquel descobriu que precisava fazer a reposição de algumas vitaminas, como a B12 e a D. Em conjunto com o seu ginecologista, foi orientada também sobre reposição hormonal. "Apesar de ser professora de ioga, depois que passei a frequentar o geriatra estou pegando mais pesado com a atividade física."
Como Raquel, a servidora pública aposentada Dayse Moreno procurou pelo especialista ao romper a barreira dos 50. No consultório do geriatra, ela, que está com 53, descobriu pontos importantes para sua saúde. "Eu passei por um reequilíbrio orgânico que me ajudou muito", diz. "Fazia atividade física e não conseguia emagrecer", lembra. Dayse conta que passou a ter mais consciência corporal e a fazer reposição de algumas vitaminas e minerais. O geriatra a ajudou a compreender melhor a reposição hormonal. "Esse era um tema sobre o qual eu tinha resistência, mas já vejo de uma forma bem mais tranquila", afirma. "Minha meta é chegar aos 90 com disposição para todas as coisas que gosto de fazer".
Se a intenção é prolongar o envelhecimento produtivo, saudável e independente até bem longe, como deseja Dayse Moreno, o ideal é levar a sério recomendações como prática de atividade física, alimentação equilibrada e atividade intelectual. Essas orientações valem muito, mas é bom não esquecer: "A afetividade da família, a capacidade para ter amigos e ter prazer em atividades diárias estão relacionados com a longevidade ativa", diz Flávio Cançado.
*Da revista Encontro BH