À medida que mais países legalizam a maconha para uso medicinal e recreativo, os cardiologistas devem informar os pacientes sobre os riscos potenciais, incluindo os seus efeitos quando em interação com alguns medicamentos cardiovasculares comumente prescritos. O alerta é de uma pesquisa publicada no Journal of the American College, da Sociedade Norte-Americana de Cardiologia.
Os autores do estudo estimam que, somente nos Estados Unidos, mais de 2 milhões de pacientes com doenças cardiovasculares estão atualmente usando maconha ou a utilizaram anteriormente. Isso inclui uso recreativo e com finalidades médicas, como pessoas que perderam peso devido ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), as que fazem tratamento de distúrbios convulsivos ou aquelas que visam combater náusea e vômito associados à quimioterapia.
“Alguns estudos observacionais sugeriram uma associação entre a maconha e uma série de riscos cardiovasculares”, diz o principal autor, Muthiah Vaduganathan, do Centro Cardiológico e Vascular do Brigham and Women’s Hospital, em Boston. “Também sabemos que a maconha está se tornando cada vez mais potente. Nossa análise sugere que o consumo da droga acarreta muitos dos mesmos riscos cardiovasculares que o tabaco. Embora o nível de evidência seja modesto, há dados suficientes para aconselhar que nossos pacientes tenham cautela ao usar maconha. Pessoas de maior risco são as que já tiveram ataque cardíaco ou arritmias ou que foram hospitalizados com insuficiência cardíaca”, destaca.
Ersilia DeFilippis, médica no Centro Médico Irving, da Universidade Columbia, e no New York-Presbyterian, conta que se interessou em estudar o efeito da maconha no coração há alguns anos, quando pesquisava ataques cardíacos em pessoas com menos de 50 anos. “Observamos que 10% deles haviam usado maconha e/ou cocaína”, diz ela.
Com base nas respostas da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição de 2016, DeFilippis e os colaboradores chegaram ao número de 2 milhões de adultos com problemas cardiovasculares possivelmente vinculados ao uso de maconha. “Além dos usuários, muitos mais podem estar em risco”, diz DeFilippis. “Com muitos adolescentes e jovens adultos se voltando para a maconha, é importante entender as implicações cardiovasculares que eles podem enfrentar anos depois.”
EFEITOS
A potência da maconha – a porcentagem de THC contida na planta – aumentou nos últimos 30 anos, passando de cerca de 4% em meados da década de 1990 para 12%, em 2014. No entanto, a maioria dos estudos científicos sobre a cânabis testou produtos com níveis de THC desatualizados, entre 1,5% e 4%.
“A maior potência pode se traduzir em maiores efeitos no sistema de condução, na vasculatura e no músculo do coração”, afirma Ersilia DeFilippis. O THC é o produto químico mais psicoativo da maconha, mas a droga contém mais de 100 compostos, chamados canabinoides, que são quimicamente relacionados ao THC. Os receptores de canabinoides são altamente concentrados no sistema nervoso, mas também podem ser encontrados nas células sanguíneas, células musculares e em outros tecidos e órgãos.
Estudos revisados no artigo identificaram o consumo de maconha como um potencial desencadeador de ataques cardíacos. Uma pequena pesquisa experimental descobriu que a droga pode causar angina (dor no peito) mais rapidamente em pacientes com doença cardíaca coronariana em comparação ao grupo placebo.
Embora as evidências atuais de uma ligação entre a maconha e os ataques cardíacos sejam modestas, acredita-se que a droga possa aumentar o estresse e a inflamação das células, que são fatores precipitantes da doença arterial coronariana e dos infartos. Eventos cerebrovasculares, incluindo derrames, também foram associados ao uso da substância. Acredita-se que ela induza mudanças no revestimento interno dos vasos sanguíneos ou altere o fluxo de sangue.
INTERAÇÃO
Certos medicamentos cardiovasculares, incluindo estatinas e anticoagulantes, podem ser afetados pelo uso de maconha, de acordo com a revisão. Por exemplo, os níveis de estatina aumentam no sangue quando associada à droga, porque ambas as substâncias são metabolizadas por meio de uma rede de enzimas hepáticas chamada sistema citocromo P450. Níveis de anticoagulantes, como a varfarina, também podem aumentar quando usados em conjunto com a maconha.
“A revisão fornece tabelas detalhadas de muitos medicamentos administrados para várias condições cardiovasculares, com os efeitos previstos da maconha em cada um”, diz Muthiah Vaduganathan. “Isso será útil para cardiologistas e farmacêuticos que revisam os medicamentos dos pacientes, e os ajudará a decidir colaborativamente se precisa ajustar a dose se o paciente continuar usando maconha”.
Os autores recomendam que os cardiologistas questionem seus pacientes quanto ao consumo da droga, perguntando-lhes com que frequência e quanto usam. “O vaping (inalação do vapor com a substância) está se tornando cada vez mais comum, e sabemos que esse meio aumenta os efeitos farmacológicos da droga”, informa Vaduganathan.
Para pacientes que desejam continuar utilizando maconha ou que têm outras razões de uso indicado por médicos, os autores recomendam limitar o consumo o máximo possível.