Um mês antes que o Sars-CoV-2 fosse conhecido, o novo coronavírus já circulava no Brasil. Em 29 de novembro, 100 mil partículas do micro-organismo por litro se encontravam no esgoto de uma região de Florianópolis, de acordo com estudo liderado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Com a descoberta, publicada na plataforma on-line de artigos científicos Medrvix.org, o país passa a ser o primeiro das Américas a ter um registro do vírus.
Com a descoberta, publicada na plataforma on-line de artigos científicos Medrvix.org, o país passa a ser o primeiro das Américas a ter um registro do vírus.
A identificação do Sars-CoV-2 na rede de esgoto de Florianópolis soma-se a descobertas recentes em países como Austrália, Holanda, França, Itália e Espanha de que o vírus estava ativo muito antes do que se imaginava. Juntas, essas pesquisas colocam em dúvida se o novo coronavírus surgiu, de fato, na chinesa Wuhan, de onde se afirma que ele se originou.
Em uma entrevista coletiva on-line, a pesquisadora Maria Elisa Magri, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, contou que o armazenamento de amostras do esgoto é uma rotina da unidade acadêmica. “Temos como praxe deixar amostras preservadas, há banco de amostras em vários laboratórios, de vários locais da cidade”, disse.
A região exata em que as partículas virais foram detectadas não são descritas no artigo, por motivos éticos, explicou a cientista. Segundo Magri, exames em materiais referentes a 31 de outubro e 6 de novembro não apontaram a existência do Sars-CoV-2. Na de 29 de novembro, porém, havia. Ela esclarece que as amostras avaliadas são de esgoto bruto, o que sai direto das residências.
A região exata em que as partículas virais foram detectadas não são descritas no artigo, por motivos éticos, explicou a cientista. Segundo Magri, exames em materiais referentes a 31 de outubro e 6 de novembro não apontaram a existência do Sars-CoV-2. Na de 29 de novembro, porém, havia. Ela esclarece que as amostras avaliadas são de esgoto bruto, o que sai direto das residências.
Até agora, o registro mais antigo do causador da covid-19 nas Américas é de 21 de janeiro, quando se confirmou o primeiro caso em um paciente norte-americano. Como ainda não há outras pesquisas retrospectivas com amostras de esgoto no continente, não se sabe quando o vírus começou a circular na região.
Globalmente, em 12 de dezembro, foi feita a primeira menção pública a um “surto viral”, pela televisão pública chinesa. Hoje, sabe-se que um paciente foi infectado no país em 17 de novembro, mas, até então, ninguém suspeitava da existência do micro-organismo. No Brasil, casos inaugurais da infecção datam do fim de fevereiro.
Globalmente, em 12 de dezembro, foi feita a primeira menção pública a um “surto viral”, pela televisão pública chinesa. Hoje, sabe-se que um paciente foi infectado no país em 17 de novembro, mas, até então, ninguém suspeitava da existência do micro-organismo. No Brasil, casos inaugurais da infecção datam do fim de fevereiro.
Teste referência
As amostras de esgoto analisadas pela equipe da UFSC passaram pelo mesmo teste que identifica, em seres humanos, a presença do vírus: o PCR. Trata-se de uma tecnologia que transforma o RNA viral em DNA complementar. Depois disso, o material genético é amplificado em 100 milhões de vezes, permitindo identificar sequências específicas de um micro-organismo, não encontradas em nenhum outro.
Atualmente, o PCR é o único método que dá a certeza da identificação do Sars-CoV-2. “Tivemos muito cuidado na manipulação das amostras e também de buscar vários genomas específicos do Sars-CoV-2. Além disso, os testes foram refeitos em diversos laboratórios independentes”, ressalta a cientista que liderou os estudos, Gislaine Fongaro, do Laboratório de Virologia Aplicada da UFSC.
Na amostra de novembro, os pesquisadores contabilizaram 100 mil partículas do vírus por litro de esgoto. Como um reflexo do aumento no número de casos, em março, esse número passou para 1 milhão por litro. Apesar da acurácia dos resultados, essa primeira pesquisa — o grupo trabalha em novas análises do material — não permite saber como o vírus chegou a Florianópolis. “Por meio de filogenias (história da evolução de um ser) e de estudos genéticos, será possível fazer a triagem do vírus e jogar luz sobre uma possível rota do Sars-CoV-2 e de como ele chegou por aqui”, acredita.
Sequenciamento
Patrícia Hermes Stoco, pesquisadora do Laboratório de Protozoologia da UFSC, diz que a equipe trabalha, agora, no sequenciamento do genoma completo dos vírus identificados nas amostras, para tentar fazer essa avaliação. “Com o resultado, talvez possamos traçar um caminho retrospectivo do vírus, comparando com os perfis do Sars-CoV-2 em bancos genéticos”, diz.
Porém, a cientista esclarece que não há certeza se será possível apontar a origem do micro-organismo detectado no esgoto catarinense em novembro. “Nessas amostras, não identificamos nenhuma mudança significativa (do vírus) em relação ao Sars-CoV-2 que está circulando no mundo como um todo.”
Porém, a cientista esclarece que não há certeza se será possível apontar a origem do micro-organismo detectado no esgoto catarinense em novembro. “Nessas amostras, não identificamos nenhuma mudança significativa (do vírus) em relação ao Sars-CoV-2 que está circulando no mundo como um todo.”
As cientistas afirmam que, além de mostrar que o causador da covid-19 estava no Brasil muito antes que se imaginava, o estudo evidencia que a análise de esgotos é um importante método de vigilância em saúde. “O esgoto é uma ferramenta epidemiológica muito importante para a implementação de programas sentinelas. É um material precioso”, destaca Gislaine Fongaro.
Alerta no Equador
Diferentemente do esgoto de Florianópolis, que é tratado antes de ser lançado na rede pluvial (70% dos resíduos têm esse destino), em Quito, no Equador, o material segue direto para os rios, não passando por estações de descontaminação. Um estudo publicado na Medrvix.org por pesquisadores equatorianos destacou que, devido à prática de descarte, foram encontradas cargas virais elevadas de Sars-CoV-2 em rios urbanos da capital e em outras três formações lacustres em meados de junho.
Os autores destacam o risco da descoberta tanto para a saúde pública, com potencial alto de contaminação, quanto para o meio ambiente.