Meses após o início da pandemia que modificou o dia a dia do planeta, muitas perguntas ainda permanecem sem respostas. As vacinas em produção dão esperança, mas também causam aflição em parte da população, apesar de serem fundamentais para que o combate ao novo coronavírus seja efetivo. Segundo levantamento realizado pelo Ibope em agosto deste ano, 1 em cada 4 brasileiros pode não se vacinar contra a COVID-19, e cerca de 34% dos entrevistados declararam pelo menos um motivo atrelado à desinformação.
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Algumas pessoas acreditam que um tipo específico de vacina contra a COVID-19 — as de RNA mensageiro, produzidas pelas empresas Pfizer e Moderna — podem causar alterações no material genético humano. Essa crença, no entanto, não tem nenhum embasamento científico, uma vez que as fórmulas desses medicamentos sequer entram em contato com o nosso DNA.
“Essas vacinas já estão sendo estudadas há um tempo para outras doenças de agentes infecciosos, como o zika e a raiva. Elas consistem no uso de uma fita de RNA mensageiro, ou seja, que carrega uma ‘mensagem’ ou informação de como construir uma proteína. A proteína em questão é a proteína S da espícula do SARS-CoV-2. Ao receber a vacina, esses RNA mensageiros são entregues às células, que, com a instrução dada, produzem a proteína e a apresentam para o nosso sistema imune, que vai ‘treinar’ para reconhecê-la e montar uma resposta especializada para isso”, explica a biomédica e doutora em neurociências Mellanie Fontes-Dutra.
“Não existem comprovações científicas sobre alterações no nosso DNA promovidas por vacinas de RNA. Elas são rapidamente degradadas dentro de nossas células, após a leitura da informação para a construção das proteínas. Outra coisa que deve-se levar em conta são os compartimentos celulares em que o DNA e o RNA encontram-se, que são diferentes. O DNA fica no núcleo, uma região específica dentro da célula que tem uma regulação imensa do que entra e do que sai. Já o RNA mensageiro está no citoplasma, uma região externa ao núcleo”, completa a profissional.
Essa teoria da conspiração ganhou força após o cofundador da empresa Microsoft Bill Gates declarar em uma entrevista que, eventualmente, "teremos alguns certificados digitais" para identificar quem se recuperou da COVID-19, foi testado ou que recebeu a vacina, sem qualquer menção a microchips. A afirmação, contudo, foi suficiente para que uma série de boatos começassem a se espalhar pela internet e dessem origem à falsa notícia de que Gates planejava implantar microchips de rastreamento na população mundial.
Um argumento que tenta sustentar essa teoria faz referência a um estudo, financiado pela fundação do empresário, sobre uma “tinta invisível” que poderia ser aplicada na pele para identificar aqueles que já se vacinaram contra o coronavírus. O projeto funcionaria como um registro de vacinação, mas não teria tecnologia para permitir o rastreamento de pessoas, nem a inclusão de informações em banco de dados para vigilância.
Esse rumor afirma que algumas vacinas contra a COVID-19 utilizam tecidos celulares de fetos abortados ou de tumores em suas formulações. A informação, porém, é falsa.
“As vacinas nunca trouxeram em suas composições resíduos de fetos abortados e tumores, muito menos agora que a ciência desenvolveu tecnologias cada vez mais de ponta e super atuais, com a máxima intenção de preservar vidas”, pontua o professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB) Wildo Navegantes de Araújo. “São tecnologicamente avançadas e inertes ao corpo humano”, acrescenta.
Em 1998, um médico britânico chamado Andrew Wakefield publicou um estudo desenvolvido por ele no qual afirmava que o autismo em crianças poderia ser causado pela vacina tríplice viral. No entanto, vários estudos realizados posteriormente a esta publicação comprovaram que as conclusões feitas por Wakefield estavam completamente erradas. O artigo foi retirado de circulação e, além disso, o médico perdeu seu registro profissional e foi culpado por má conduta ética, médica e científica. Na época, foi comprovado também, no tribunal, que havia conflitos de interesse envolvidos na pesquisa.
“Essa foi a primeira grande fake news envolvendo vacinas. O profissional que disseminou essa informação falsa teve que se retratar e perdeu o registro profissional dele. Devido à gravidade, até hoje sofremos as consequências disso. Foi realizado um estudo muito sério na Dinamarca com mais de 600 mil crianças, em uma avaliação bastante aprofundada, onde se descartou realmente essa associação entre as vacinas e o autismo”, conta a médica infectologista Valéria Paes.
Algumas pessoas acreditam que certas vacinas, por carregarem o vírus inativado ou atenuado, podem ser as causadoras das doenças às quais foram destinadas a combater. Esse medo, porém, não tem qualquer embasamento científico.
“Em hipótese alguma as vacinas hoje disponíveis, ou em processo de fase III nas pesquisas registradas e acompanhadas pelos Comitês de Ética de Pesquisa em Seres Humanos nos diversos países, podem levar a infectar alguém com o SARS-CoV-2. O que pode acontecer é a situação em que uma pessoa já infectada, mas incubando o vírus naturalmente pego de alguém doente, venha a tomar a vacina. Ao desenvolver a doença, ela atribui à vacina tomada dias antes mas, na verdade, já seria o desenvolvimento da doença, que estava latente nesta pessoa”, explica o médico epidemiologista Wildo Navegantes de Araújo.
Até o momento, temos mais de 200 imunizantes contra a COVID-19 em estudo — 10 deles nas fases finais de teste — e algumas vacinas em produção. Antes de serem disponibilizadas à população, elas passam por uma série de testes minuciosos e extremamente cuidadosos. Confira a seguir quais são as etapas de uma nova vacina no Brasil, segundo o Instituto Butantan:
Prova de conceito: prova o efeito da vacina sobre determinada doença;
Pré-clínico em animais: esse efeito e todos os quesitos de segurança para a saúde são verificados em um primeiro grupo de indivíduos. Tudo é feito em BPL (Boas Práticas de Laboratório) com acompanhamento do Controle de Qualidade e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
Estudos clínicos: a Anvisa autoriza o início dos estudos clínicos em seres humanos;
Fase I: com um grupo de pessoas, nesta primeira fase testa-se a segurança do medicamento, levando em conta as reações que as substâncias podem causar no organismo;
Fase II: os testes, neste momento são muito semelhantes ao anterior, porém o grupo testado é maior;
Fase III: o grupo testado é ampliado para a avaliação da eficácia;
Registro do produto na Anvisa: a última etapa é feita obedecendo aos seguintes critérios: avaliação do processo produtivo, certificação da fábrica e do produto e resultado de eficácia.
Assim, além de serem seguras, as vacinas passam por um longo e cauteloso controle de qualidade, para que cheguem até as pessoas de forma a garantir uma imunização benéfica e tranquila.
Sim, é verdade que as vacinas, tanto as produzidas contra a COVID-19, quanto quaisquer outras, possam causar algum tipo de reação adversa, dependendo do paciente. Porém, isso não é motivo para deixar de se vacinar, nem as torna menos seguras ou eficazes.
“As vacinas podem causar efeitos colaterais, porém são tão raros e leves, clinicamente falando, que o benefício acaba sendo muito maior que as possíveis reações adversas. Até o momento, os países que começaram a vacinar documentaram pouquíssimos casos de reação adversa, menos de 0.0001% de pessoas com reações leves”, afirma o epidemiologista Wildo Navegantes de Araújo.
“Com a imunização, milhares de casos graves e óbitos relacionados ao coronavírus serão evitados, além da retomada da economia das sociedades. Com certeza, valerá a pena tomar esta vacina”, arremata o profissional.
*Estagiária sob supervisão de Fernando Jordão