Ficar em casa o máximo possível e esperar até o pior passar. Essas foram as principais posturas adotadas pela maioria das pessoas para ajudar na contenção da COVID-19 ao longo do ano. Apesar da eficácia para barrar a disseminação do novo coronavírus, o isolamento social prolongado gerou prejuízos à saúde mental, percebidos como cansaço, sentimento de solidão, insônia e variações no humor. Problemas que, segundo pesquisadores canadenses, são ainda maiores para as mulheres.
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Veronica Guadagni e sua equipe entrevistaram 571 pessoas — 112 homens e 459 mulheres — com idade média de 25 anos. O estudo ocorreu entre 23 de março e 7 de junho. “Durante esse período, escolas e empresas foram fechadas, e as pessoas ficaram em casa o máximo possível. Foi um bloqueio severo, mas necessário para evitar a transmissão do vírus”, destacou a especialista.
Na avaliação das respostas dadas ao questionário, os pesquisadores observaram que 66% dos entrevistados relataram má qualidade do sono e mais de 39% disseram ter sofrido um aumento de sintomas relacionados à insônia, ansiedade e angústia. A equipe de pesquisa também verificou que os problemas para dormir e sinais de depressão e ansiedade foram mais prevalentes em mulheres.
“Além de termos visto taxas mais preocupantes desses problemas nas participantes do sexo feminino, nós notamos que elas pioraram muito mais nesse grupo especifico à medida que o período de isolamento se estendeu”, assinalou Guadagni.
Empatia
O estudo revelou, ainda, que as mulheres demonstraram níveis mais altos de empatia, a capacidade de compreender as emoções dos outros. Para os autores da pesquisa, esses resultados do trabalho estão relacionados à função de “cuidadora” que as mulheres assumem frequentemente devido às arcaicas normas de gênero que regem a sociedade.
“Não fiquei surpreso com as descobertas. As mulheres são as que carregam uma maior carga emocional no seu cotidiano. Cuidar da família e agir em situações críticas são tarefas constantes para elas ao longo da vida, algo que se torna ainda mais expressivo durante o período de quarentena”, opinou o professor de psicologia Giuseppe Iaria, que também participou do estudo.
Para Renata Nayara Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, a pesquisa mostra dados que vão ao encontro do que já se sabe sobre a saúde mental das mulheres. “Problemas como ansiedade, depressão e insônia são mais comuns na população feminina. Já enfermidades como a esquizofrenia e dificuldades com drogas, vemos mais nos homens. É algo conhecido”, enfatizou, acrescentando: “Era de se esperar que, durante o isolamento social, as taxas dessas doenças fossem maiores nas mulheres.”
A equipe canadense também considerou que as pontuações mais altas das mulheres na escala de empatia podem significar uma maior probabilidade de seguir diretrizes de saúde pública, como lavar as mãos, distanciar-se socialmente e usar máscara. “Podemos esperar que as pessoas que se importam mais com os outros respeitem mais essas regras. Mas, apenas estudos futuros poderão comprovar essa hipótese específica”, reconheceu Guadagni.
Desdobramentos
Os pesquisadores pretendem realizar mais investigações, que englobam informações sobre o sono e variações de humor na pré-pandemia, o que não foi feito na análise atual. “Não sabemos quais eram os problemas enfrentados pelos participantes em relação à saúde mental antes do isolamento. Comparações feitas com esses dados podem nos ajudar a entender melhor os nossos resultados”, afirmou Giuseppe Iaria.
O professor de psicologia disse esperar que os resultados do estudo “despertem a consciência” de que algumas pessoas sofrem mais do que outras diante das mesmas adversidades. “É importante que os indivíduos que convivem com as mulheres, como seus parceiros e empregadores, por exemplo, reconheçam a grande carga emocional desse grupo, prestando auxílio quando necessário”, frisou.
De acordo com os pesquisadores canadenses, as conclusões do trabalho podem ser úteis no planejamento de intervenções psicológicas mais eficientes. “Essas diferenças entre os gêneros devem ser exploradas na hora de atender um paciente que enfrenta uma dificuldade comportamental. Podemos ter resultados mais positivos”, ressaltaram. “É importante saber o máximo de características relacionadas a um paciente. Com isso, vamos lidar melhor com o indivíduo, saber qual tratamento escolher com base no seu perfil”, concordou Renata Figueiredo.
Busca de refúgio na natureza
Pesquisas recentes têm mostrado que, para diminuir o estresse provocado pela pandemia da covid-19, grande parte das pessoas buscou refúgio na natureza. Um estudo americano não só corroborou esse entendimento, como mostrou que as mulheres têm adotado mais essa estratégia do que os homens. O trabalho, publicado na revista especializada Plos One, analisou dados de mais de 3 mil pessoas, que responderam a um questionário com perguntas sobre as atividades realizadas ao longo da crise sanitária.
Como resultado das análises das informações, os cientistas observaram que as mulheres buscavam a natureza, com mais frequência, como forma de aplacar o estresse sofrido na pandemia. “Mais estudos são necessários, mas nossa análise preliminar sugere que, durante esse período difícil, elas passaram mais tempo em espaços verdes e também relataram dar maior importância ao bem-estar mental, à beleza e à diversão proporcionados por esse tipo de ambiente”, informou, em um comunicado à imprensa, Rachelle Gould, pesquisadora da Universidade de Vermont e principal autora do estudo.
A pesquisa também mostrou que as atividades ao ar livre preferidas dos entrevistados foram caminhadas (70%) e jardinagem (57%). Contemplação e fotografia também estão no topo.
Trabalho
Os autores do artigo pretendem, como próximo passo, aprofundar o estudo sobre as diferenças de gênero vistas nos locais de trabalho. “Em análises futuras, vamos explorar detalhes relacionados a esses resultados. Queremos entender o que pode explicar essa distinção entre homens e mulheres. Precisamos, também, levar em consideração os problemas mentais enfrentados pelo gênero feminino, que podem ser mais severos, o que exige períodos mais frequentes de relaxamento”, frisou Rachelle Gould.
Para a pesquisadora, passada a pandemia, as conclusões da pesquisa poderão ser aproveitadas em abordagens terapêuticas. “Esses dados são como um baú do tesouro do momento pandêmico: um registro de como as pessoas têm pensado sobre seu relacionamento com o resto do mundo, e como lidam com isso em uma época de grande convulsão, algo valiosíssimo”, ressaltou.