O ano de 2020 foi quase que completamente dedicado ao combate a uma doença que já provocou mais de 1,5 milhão de mortes: a COVID-19. Na difícil tarefa de controlar a pandemia, nomes da área científica e da política realizaram um trabalho árduo e ágil. Esse esforço se reflete na lista de personalidades divulgada pela renomada revista Nature.
Fazem parte do elenco de destaques líderes mundiais, como Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), e o epidemiologista Anthony Fauci, que comanda a força-tarefa do governo americano contra a pandemia. Também foram lembrados cientistas da área epidemiológica, como Li Lanjuan, que identificou rapidamente a ameaça de rápida propagação do Sars-CoV-2 e pediu para que a cidade chinesa de Wuhan, foco do surto, fosse fechada.
“Em um ano em que a pandemia da COVID-19 atingiu todas as partes do globo, a Nature selecionou um grupo de pessoas de todo o mundo que fizeram parte de alguns dos maiores eventos da ciência em 2020. Esses indivíduos tiveram papéis importantes em uma série de histórias”, explica Rich Monastersky, editor-chefe da revista britânica. Também fazem parte do grupo pesquisadores que contribuíram para combater a dengue, o racismo e o aquecimento global. “Juntas, as histórias dessas 10 pessoas iluminam alguns dos maiores desafios científicos e sociais que o mundo enfrentou no ano”, concluiu Monastersky.
Porta-voz do cuidado
Quem é: Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS)
Em março, a OMS declarou que o mundo enfrentava uma pandemia da COVID-19 após mais de 100 mil casos da doença confirmados em 114 países. O anúncio foi feito por Tedros Ghebreyesus que, nos meses seguintes, colocou em prática uma campanha maciça de combate à enfermidade. O diretor-geral da agência divulgou cada nova informação relacionada ao vírus, obtida por meio de pesquisas da instituição internacional e de outros especialistas. Os apelos para uso de máscaras e isolamento social para evitar a propagação do vírus foram falas frequentes do biólogo e pesquisador etíope durante seus discursos. Ghebreyesus foi eleito diretor-geral da OMS em 2017, mandato que cumprirá por cinco anos, e é o primeiro africano a ocupar o cargo. Ele também enfrentou críticas ferrenhas do governo americano, que acusou a OMS de ter sido “comprada” pelos chineses. Donald Trump chegou a anunciar a retirada dos Estados Unidos da OMS, causando, assim, uma ameaça de grande perda financeira ao órgão, já que o país é um dos maiores financiadores da instituição. Ghebreyesus não comentou as acusações e apenas agradeceu pelas contribuições dos americanos nos últimos anos. O presidente eleito Joe Biden já anunciou que pretende retomar a parceria com a OMS.
arquiteta do isolamento
Quem é: Li Lanjuan, epidemiologista e professora da Universidade Zhejiang
Li Lanjuan é uma das cientistas mais respeitadas da China. Antes da covid-19 se espalhar pelo mundo, a pesquisadora de 72 anos insistiu no fechamento da cidade de Wuhan, em janeiro. O alerta foi emitido antes das férias do novo ano lunar, feriado em que os chineses mais realizam viagens dentro do país. A epidemiologista havia percebido o acelerado aumento de casos na cidade chinesa, considerada o epicentro do surto. A medida foi adotada e ajudou a desacelerar a disseminação do vírus. Li Lanjuan trabalhou em hospitais da cidade bloqueada e, ao sair de Wuhan, foi recebida com gritos de “deusa” no aeroporto da província de Zhejiang, onde mora e trabalha. “Para ser honesta, eu estava com um pouco de medo. Como especialista em doenças infecciosas, sabia que havia riscos, mas é nosso dever ir para a linha de frente”, declarou a um jornal chinês. A médica também é professora e autora de vários estudos sobre o novo coronavírus — um deles foi o primeiro a alertar sobre a capacidade do Sars-CoV-2 de sofrer pelo menos uma mutação por mês. Lanjuan e sua equipe de pesquisa também descobriram que dois antirretrovirais, arbidol e darunavir, inibem a replicação do patógeno no organismo humano, o que auxiliou no tratamento de milhares de pessoas.
caçador do coronavírus
Quem é: Gonzalo Moratorio, virologista e pesquisador do Instituto Pasteur, em Montevidéu
É o único latino-americano que compõe a lista. O epidemiologista encantou-se pela ciência ainda adolescente, após ter assistido ao filme Epidemia, segundo revelou ao jornal El País. Depois de ter feito especializações em outros países, retomou ao Uruguai, onde estuda patógenos há mais de 15 anos. Hoje, é pesquisador do Instituto Pasteur em Montevidéu e professor da Faculdade de Ciências da Universidade da República, onde também dirige um time de futebol da liga universitária. No início da pandemia, ele e sua equipe utilizaram o material disponível no centro de pesquisa e desenvolveram um teste de diagnóstico tão eficaz quanto o PCR, exame considerado padrão ouro no diagnóstico do Sars-CoV-2. O teste acabou sendo produzido em larga escala e em pouco tempo, o que ajudou o Uruguai a controlar a enfermidade com mais eficácia que muitos países, principalmente os vizinhos da América Latina, segundo a revista. “Seria muito difícil encontrar suprimentos para testes. Eles eram raros e caros. Por isso, decidimos fazer os nossos com os materiais e as tecnologias disponíveis no Uruguai. No final, conseguimos uma receita fácil de reproduzir, que tinha a mesma sensibilidade e especificidade de qualquer um dos testes recomendados pela OMS”, contou ao jornal o especialista.
executiva da vacina
Quem é: Kathrin Jansen, chefe de pesquisa e desenvolvimento de vacinas da Pfizer
Com o cenário devastador criado pela pandemia, cientistas deram início a uma incessante busca por uma vacina. Kathrin Jansen, 62 anos, liderou a equipe responsável pelo desenvolvimento do imunizante do grupo norte-americano Pfizer, que chegou a uma fórmula eficaz em menos de um ano. A microbiologista alemã foi a escolhida para a tarefa pela experiência na área, já que também liderou o desenvolvimento de outros dois imunizantes — para o vírus papiloma humano (HPV) e o patógeno pneumococo — quando trabalhou em outras empresas da área médica. Desde março, Jansen coordena uma equipe de 650 pessoas por meio de reuniões diárias realizadas nos EUA, onde mora, e também em conferências on-line, feitas com o grupo parceiro do projeto, a startup alemã BioNTech. Apesar de ser cientista, Jansen destaca que prefere trabalhar na coordenação. “Eu fico fora do caminho (dos pesquisadores) porque não sou necessária no laboratório”, disse ao jornal médico americano STAT News. A executiva também confessou ter se apaixonado pela produção de vacinas devido aos benefícios proporcionados à população. Há a expectativa que a mesma tecnologia usada na vacina contra a covid, a partir do RNA, seja usada em outras fórmulas protetivas.
decifrador do sars-covid
Quem é: Zhang Yongzhen, virologista do Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai
O virologista chinês Zhang Yongzhen, 55 anos, e sua equipe foram os primeiros a publicar o genoma do Sars-CoV-2. O feito aconteceu poucos dias após terem surgido os primeiros casos de covid-19, ainda em janeiro, na China. Graças ao mapeamento genético foi possível desenvolver uma ferramenta fundamental para conter a pandemia: os testes de diagnóstico. O sequenciamento foi feito em tão pouco tempo que é considerado uma conquista sem precedentes por especialistas da área. Os pesquisadores também destacam que a rapidez do cientista e de sua equipe é fruto de um investimento antigo, já que Yongzhen construiu uma rede de monitoramento de patógenos anos antes da atual crise sanitária. O objetivo, segundo ele, é estudar cepas de gripe emergentes e outros coronavírus que são bastante comuns na Ásia. O professor e pesquisador do Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai também foi elogiado pela bravura e pela coragem de ter divulgado as informações obtidas rapidamente, antes da propagação global do vírus, o que poderia ter criado um mal-estar com as autoridades do país. O pesquisador recebeu uma série de prêmios no decorrer do ano e também foi incluído na lista das 100 pessoas mais influentes de 2020 da revista americana Times.
defensor da ciência
Quem é: Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos
O médico e cientista Anthony Fauci é um dos maiores especialistas em doenças infecciosas dos EUA e responsável pela força-tarefa criada pela Casa Branca para combater a pandemia. Também é diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas desde 1984, onde se especializou no combate a crises sanitárias. Durante todo o ano de 2020, o especialista de 79 anos forneceu, periodicamente, informações sobre a evolução dos casos de COVID-19 aos americanos. O país mais atingido pelo novo coronavírus também foi prejudicado pelas falsas informações sobre a enfermidade, que foram propagadas por meio da internet e pelo próprio presidente. Fauci fez críticas às declarações errôneas de Donald Trump, o que gerou atritos com o líder mundial e admiração na área política e científica. O presidente americano chegou a ameaçar o cientista de demissão, mas o especialista segue no cargo. Após a divulgação dos resultados da eleição presidencial americana, o cientista declarou que o presidente eleito, o democrata Joe Biden, está “em sintonia” com a ciência no que se refere ao combate do novo coronavírus, mas também ressaltou que a vacinação é uma conquista de Trump, que investiu massivamente no projeto de desenvolvimento dos imunizantes.
líder em campo
Quem é: Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia
Jacinda Kate Laurell Ardern foi a terceira mulher eleita primeira-ministra da Nova Zelândia. Com 37 anos, entrou para o pequeno grupo de líderes mais jovens a governar o país e, durante 2020, viu sua popularidade explodir após a campanha de contenção da pandemia da covid-19. Na crise sanitária, Ardern adotou ações rápidas e decisivas para manter a população segura, todas elas indicadas por especialistas da área de saúde. A Nova Zelândia fechou as fronteiras, estabeleceu um isolamento social extremamente rigoroso, além de incorporar a testagem em massa e o rastreamento dos casos da covid-19. As medidas fizeram com que o país se tornasse o menos afetado pela enfermidade e resultaram em uma fácil reeleição da primeira-ministra em outubro, com o dobro de votos do seu opositor. Jacinda também recebeu elogios de especialistas da área médica por ter adotado medidas científicas e tido empatia com os cidadãos ao longo do do período pandêmico. Durante suas declarações aos cidadãos da Nova Zelândia, a primeira-ministra ressalta sempre que o momento é difícil, e que o isolamento social provoca angústias às pessoas, mas também frisa que a saúde é a prioridade do governo e que as medidas adotadas podem evitar milhares de mortes.
Porta-voz do cuidado
Quem é: Chanda Prescod-Weinstein, pesquisadora de física da Universidade de New Hampshire
A cosmologista norte-americana Chanda Prescod-Weinstein deu início, em 10 de junho, a uma greve de cientistas. Chamado Strike for black Lives, movimento exigiu que as instituições enfrentassem o racismo na ciência e em toda a sociedade. “Como físicos, acreditamos que uma greve acadêmica é urgentemente necessária: para fazer uma pausa, para dar aos acadêmicos negros uma pausa e para dar aos outros uma oportunidade de refletir sobre a própria cumplicidade no racismo na academia e em suas comunidades locais e globais”, declarou a cosmologista. A paralisação durou apenas um dia, mas repercutiu em diversos jornais e em círculos acadêmicos. O ato também foi um protesto as mortes de Breonna Taylor e George Floyd, americanos que perderam a vida em função de busos da polícia. Após estudar física na Universidade de Harvard e astronomia na Universidade da Califórnia, Chanda é membro do Departamento de Física da Universidade de New Hampshire, o que a torna a primeira mulher negra a ocupar um cargo estável na área de cosmologia teórica nos no país. Também já foi reconhecida, este ano, pela revista americana Essence Magazine como uma das 15 mulheres negras que estão quebrando barreiras e abrindo caminhos para a diversidade na ciência.
caçadora de mosquitos
Quem é: Adi Utarini, pesquisadora da Universidade de Gadjah Mada
Adi Utarini é professora e pesquisadora da Universidade de Gadjah Mada, na Indonésia, e uma das desenvolvedoras de uma técnica biológica que impede a propagação de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, como a dengue. Em agosto, Utarini e colegas publicaram, na revista Nature, um artigo com resultados obtidos pela técnica, testada na cidade de Yogykarta, na Indonésia. Os especialistas liberaram, na região, mosquitos modificados em laboratório para carregar a bactéria Wolbachia, que impede os animais de transmitirem qualquer tipo de vírus. Os bichos foram liberados mensalmente, durante seis meses, desde 2016. Observou-se uma queda de 77% nas taxas de dengue na região, em dados contabilizados até julho de 2020. Os resultados foram considerados extraordinários por especialistas da área, que definiram a técnica como uma grande promessa. “Esse é um verdadeiro avanço, uma nova esperança para nós”, declarou à revista Nature Utarini, durante a divulgação do artigo. A técnica é antiga, surgiu em 1990, e sofreu uma série de adaptações até chegar aos resultados comemorados. Os estudos foram paralisados devido à pandemia, mas a equipe pretende dar continuidade às análises usando mosquitos modificados em áreas que sofrem mais com doenças tropicais.
comandante polar
Quem é: Verena Mohaupt, chefe de logística do Observatório Multidisciplinar de Deriva para o Estudo do Clima Ártico
Imagine ficar preso em um pedaço de gelo marinho enquanto ursos polares te farejam. Foi o que aconteceu com a alemã Verena Mohaupt e um grupo de colegas enquanto realizavam uma missão de pesquisa no Ártico. Eles conseguiram se salvar após transmitirem, por rádio, um pedido de socorro ao navio de pesquisa que os acompanhava. A tarefa de observação dos ursos era considerada corriqueira para os cientistas, que fazem parte da missão Observatório Multidisciplinar de Deriva para o Estudo do Clima Ártico (MOSAic) desde 2019, mas se tornou mais perigosa com a aceleração do derretimento de gelo da região. Mohaupt, 37 anos, é chefe de logística da missão e pesquisadora do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha. Ajudou no treinamento do grupo para enfrentar situações difíceis, principalmente com os ursos da região, o que evitou que armas fossem utilizadas para afugentar ou ferir os animais. Os pesquisadores foram ao Ártico com o objetivo de analisar os efeitos do aquecimento global, mas tiveram de lidar com efeitos psicológicos provocados pela missão, como a saudade de casa, o tédio e o frio intenso. Graças ao trabalho de Mohaupt, o grupo de 300 pessoas conseguiu realizar as tarefas propostas e retornar em segurança para o porto em outubro.