Em um ano de pandemia, a COVID-19 tem se mostrado uma enfermidade complexa, que pode atingir cada infectado de forma diferente — desde problemas respiratórios graves à total ausência de sintomas. Essa “roleta-russa” de complicações ainda é pouco compreendida pelos cientistas, mas, aos poucos, começa a ser desvendada.
Em um estudo com pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, pesquisadores americanos observaram que casos mais críticos da doença estavam relacionados à baixa produção do interferon, uma substância produzida pelo corpo que tem como característica principal um efeito antiviral potente.
Em um estudo com pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, pesquisadores americanos observaram que casos mais críticos da doença estavam relacionados à baixa produção do interferon, uma substância produzida pelo corpo que tem como característica principal um efeito antiviral potente.
A constatação, que foi apresentada na última edição da revista britânica Nature, era uma suspeita antiga de especialistas da área. Esse mesmo problema ocorre em outras enfermidades provocadas por coronavírus — como o Sars-CoV-1, que se espalhou por 12 países em 2003, e o Mers-Cov, que surgiu nove anos depois, na Arábia Saudita —, mas faltavam dados para a confirmação.
Os pesquisadores analisaram as respostas do sistema imune ao novo coronavírus em 21 pacientes, 11 deles com casos leves e 10 com infecções graves de covid-19. Por meio do experimento, eles observaram que todo o primeiro grupo de doentes apresentou uma alta quantidade de células imunes mais potentes, geradas pela proteína inteferon.
“Essa molécula é liberada pelo corpo assim que o organismo identifica um vírus invasor. Ela é a responsável pela produção de agentes protetores mais robustos, que combatem o patógeno com maior eficiência e também atuam como um bloqueador, pois impedem a entrada de mais elementos nocivos no organismo”, explicaram, no artigo, os cientistas, liderados por Matthew Krummel, pesquisador do Departamento de Patologias da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Essa mesma produção de células imunes mais potentes geradas pelo interferon foi registrada nos pacientes com a forma mais agressiva da enfermidade, porém em níveis bem mais baixos, destacaram os responsáveis pelo experimento. “Ficou bem claro para nós que, em indivíduos com doença grave, o sistema imunológico não consegue gerar a mesma quantidade de fortes combatentes antivirais registrada nos infectados com a forma mais leve”, verificaram os cientistas.
“Esse grupo de (pacientes com) covid-19 mais severa apresentou problemas de saúde complexos, como lesão pulmonar aguda e desconforto respiratório. Acreditamos que essas complicações não aconteceriam se os níveis de interferon fossem mais altos”, ressaltaram os investigadores.
Correção
Os autores do artigo da Nature identificaram ainda alguns mecanismos moleculares que podem estar relacionados à baixa produção de interferon em pacientes com covid-19 grave. Segundo a equipe da Universidade da Califórnia, esses novos dados podem contribuir para o desenvolvimento de medicamentos que corrijam essa falha.
“Remédios que reatem essa resposta antiviral mais poderosa podem evitar que infectados apresentem complicações severas geradas pelo novo coronavírus. Nossos dados podem ser usados como um alvo para criação de fármacos imunoterápicos”, defenderam os pesquisadores no artigo da Nature.
Os cientistas anunciaram que serão realizados mais estudos com um número mais amplo de pessoas. “Outros trabalhos são necessários para estudar mais a fundo a ação dos anticorpos em relação ao Sars-CoV-2. Isso é importante, pois sabemos que a resposta imune pode variar bastante entre os pacientes. Precisamos ter uma base ainda mais sólida para nos dedicarmos ao desenvolvimento das novas terapias”, assinalaram.
Para Werciley Junior, infectologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, os cientistas americanos acertaram ao analisar um problema do sistema imune que é bastante estudado por especialistas da área médica. “Sabemos que algumas pessoas produzem quantidades menores de interferon. Isso, geralmente, ocorre por alterações genéticas. Outro ponto também já conhecido é que a produção baixa dessa proteína pode prejudicar na defesa de doenças infecciosas. Por isso, já desconfiávamos que o mesmo poderia ocorrer com a covid-19, mas ninguém havia provado essa relação. O estudo nos ajuda a entender melhor esse elemento, trazendo mais luz ao tema, que é bastante complexo”, ressaltou.
Segundo ele, pesquisas futuras, com mais dados sobre essa falha imune, podem ser bastante úteis no desenvolvimento de novas terapias para a covid-19. “Temos alguns imunoterápicos que aumentam a quantidade de interferon no corpo, mas cada caso é diferente. Alguns médicos prescreveram essas medicações para pacientes com covid-19 e não obtiveram resultado positivo”, observou.
“Precisamos estudar melhor quais as vias relacionadas e também descobrir se existe algum subtipo de interferon que está relacionado diretamente ao novo coronavírus. Com esses dados, poderemos projetar um medicamento”, frisou. Acrescentando: “Dessa forma, poderemos evitar problemas mais graves provocados por esse agente infeccioso.”