O Ministério da Saúde registrava os primeiros 621 casos da covid-19 no Brasil quando Suélia de Siqueira Fleury Rosa, doutora em engenharia eletrônica, biomédica e professora da Universidade de Brasília (UnB), criou um grupo no WhatsApp para formar uma equipe disposta a criar uma máscara facial que combatesse a COVID-19. Tudo começou em 19 de março de 2020.
Pouco mais de um ano depois, a pesquisadora e o grupo de mais de 91 participantes criaram a Vesta, máscara protetora capaz de inativar a COVID-19. Assim como a N95, a Vesta pode ser usada por 15 dias, mas sem ser molhada ou lavada. A invenção está na penúltima fase do projeto, em estudo clínico com 32 profissionais da saúde do Hospital Regional da Asa Norte (Hran). A meta é testar com 60 participantes.
“O teste de cada profissional é de duas semanas ou oito plantões”, explica Suélia. A equipe da UnB encontrou os trabalhadores da saúde usando máscaras por muito tempo, então doará exemplares para eles ao fim do ensaio. Depois de todos os testes, o projeto entrará na etapa de certificação e regularização do produto. Suélia afirma que já está com a documentação de pedido de registro de patente preenchida e que a UnB entrará com a solicitação por meio do Nupitec (Núcleo de Propriedade Intelectual).
Nasce uma ideia
“No fim de fevereiro do ano passado, antes de a OMS (Organização Mundial da Saúde) mudar o status da disseminação da doença de epidemia para pandemia, uma grande parceira da minha caminhada como pesquisadora me ligou, a Fátima Mrué”, lembra. “Ela era secretária de Saúde de Goiânia na época e me disse: Suélia, está vindo uma pandemia e faltará EPI (Equipamento de Proteção Individual) no Brasil e você precisa pensar em alguma solução”, conta.
Dias depois, Suélia deu os primeiros passos: criou o grupo com pesquisadores, professores, fornecedores e várias pessoas que conhecia que pudessem ajudar. “Fui recrutando pessoas para ajudar a tornar a ideia real. Ciência não é feita por uma pessoa só, é feita junto”, diz. O marido de Suélia, o pesquisador Mário Fleury Rosa, ajudou a estruturar caminhos para que o resultado da pesquisa fosse aplicável à sociedade.
Com tantas cabeças pensando juntas, o grupo encontrou uma estratégia para inativar o vírus no contato com o tecido usando uma propriedade eletrostática da quitosana, polissacarídeo encontrado no exoesqueleto de crustáceos. “O tecido com as nanopartículas resultado do projeto é inserido entre outras duas camadas da máscara. Ele ficará ali, irá atrair e inativar o coronavírus, que desaparece, semelhante ao processo de quando lavamos nossas mãos”, exemplifica.
Além de bloquear a doença, a máscara apoia a agricultura familiar. “Os fornecedores são coletadores de cascas de camarão da Paraíba. Inclusive, um dos requisitos para empresas particulares que quiserem produzir nossa máscara é manter o vínculo com os coletadores”, pontua Suélia.
Caráter social em foco
A equipe já preencheu a documentação para o registro da nova EPI junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A expectativa de Suélia é de que investidores produzam a Vesta o quanto antes.
Entre os requisitos definidos no termo de licenciamento da Vesta, documento que iniciativas privadas devem assinar para reproduzir o modelo, estão a doação de 10 mil máscaras do primeiro lote e 15 mil para pessoas que trabalham na segurança pública, além da manutenção da extração de quitosana por meio de agricultura familiar.
“É uma negociação necessária para cumprirmos nosso papel social. Tudo começa na UnB, tenho que negociar com a reitoria um pagamento de royalties mais baixo para a universidade, para as empresas não ‘correrem’, mas exigir contrapartidas sociais”, diz.
A previsão é de que em junho Suélia se torne, oficialmente, inventora de um produto que é uma resposta eficaz para um dos momentos mais tenebrosos da humanidade. Ela afirma que só fez a parte dela. “Tenho clareza, como cidadã e como servidora pública, de qual é o meu papel. Fico muito feliz em ver que outras pessoas compraram a ideia e confiaram no meu convite”, afirma.
“O projeto não é da Suélia nem do Mário, é do Brasil. Eu sou servidora pública, minha função é essa. Não é estar em casa neste período assistindo a séries. É vir para a linha de frente, ver o problema e procurar uma solução”, completa. Ela cobra mais apoio da própria UnB e do Poder Executivo para, de fato, levar o projeto para a frente.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa