Jornal Estado de Minas

CIÊNCIA

Tecnologia: tetraplégico de 60 anos escreve 18 palavras por minuto

Um homem tetraplégico de 60 anos conseguiu escrever uma frase completa em cerca de um minuto. A façanha é mais um avanço no uso dos sistemas chamados interface cérebro-computador (ICC). Esse tipo de tecnologia já ajuda pessoas com paralisia a se comunicarem e a se locomoverem. A nova versão, desenvolvida por cientistas dos Estados Unidos, permite que a comunicação se dê em um tempo bem mais curto. A solução foi apresentada, ontem, na revista especializada Nature e abre caminho para o desenvolvimento de aparelhos ainda mais refinados de reabilitação.





O paciente que testou a nova tecnologia, identificado como T5, perdeu praticamente todos os movimentos do corpo ao sofrer uma lesão na medula espinhal durante um acidente há 14 anos. O voluntário foi submetido a uma cirurgia em que foram implantados dois eletrodos minúsculos, do tamanho de um comprimido, em uma região do cérebro associada ao movimento do braço e da mão direita. A estratégia dos cientistas era fazer com que os sensores do ICC implantados captassem os sinais dos neurônios quando o homem se imaginasse escrevendo e que um algoritmo de aprendizado reconhecesse os padrões produzidos pelo cérebro para cada letra.

Na primeira parte do estudo, os pesquisadores pediram para que T5 copiasse 26 letras minúsculas que eram exibidas na tela do computador com alguns sinais de pontuação: o > foi usado como um espaço e o ~, como um ponto final. Após uma série de sessões de treinamento, os algoritmos da nova ICC aprenderam a reconhecer os padrões neurais correspondentes a cada uma das letras e a cada um dos símbolos.

Na etapa seguinte, quando conectado ao sistema, o voluntário conseguiu escrever 18 palavras (90 caracteres) por minuto, um ritmo semelhante ao de um indivíduo da mesma idade digitando em um smartphone, segundo os cientistas. As ICCs anteriores têm média de 40 caracteres por minuto.




“O sistema é mais rápido porque cada letra apresenta um padrão de atividade altamente distinto, tornando relativamente fácil para o nosso algoritmo distinguir uma figura da outra. Temos velocidade e precisão”, enfatiza Frank Willett, pesquisador da Universidade de Stanford.

O principal autor da pesquisa indica outra facilidade: “Esse método proporciona um avanço importante porque, nos outros dispositivos, o paciente precisa mover um cursor para digitar as palavras na tela. No nosso sistema, isso é feito de forma direta”.

Os criadores da tecnologia ressaltam que ela pode ajudar uma série de pacientes que têm problemas de locomoção, como os com lesões na medula espinhal e os com esclerose lateral amiotrófica (ELA). “Basta pensar em quanto do seu dia é gasto em um computador ou se comunicando com outra pessoa”, ilustra Krishna Shenoy, pesquisadora do Instituto Médico Howard Hughes (HHMI, em inglês). “Restaurar a capacidade de pessoas que perderam a independência de interagir com computadores e outros indivíduos é extremamente importante, e é isso que está colocando projetos como o nosso em uma crescente nos últimos anos.”





Amauri Araújo Godinho, neurologista do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), tem a mesma percepção. “Esse ganho na velocidade faz muita diferença para quem perdeu o movimento. Quando eliminamos esse delay da digitação, o cotidiano de quem usa a tecnologia se torna muito mais fácil”, explica. O médico comemora que soluções desse tipo estejam avançando. “Quando vimos, no passado, o Stephen Hawking usando um aparelho semelhante, que permitia a ele escrever com o movimento da bochecha, parecia algo muito distante. Vemos, agora, que estamos evoluindo e indo até além.”

Avanços

A nova ICC faz parte de um projeto amplo, chamado BrainGate, em que cientistas de diversas universidades americanas trabalham em busca de tecnologias que auxiliem indivíduos que perderam a capacidade de se locomover. “Uma missão importante do nosso consórcio é restaurar a comunicação rápida e intuitiva para pessoas com deficiência. Esse é um novo capítulo emocionante no desenvolvimento de neurotecnologias clinicamente úteis, e estamos felizes. Queremos que essas pessoas se comuniquem com muito mais rapidez”, diz Frank Willett.

A equipe planeja desenvolver dispositivos voltados para a execução de outras tarefas do cotidiano usando apenas a “força do pensamento”. A criação de uma versão ainda mais rápida da nova ICC também está prevista. Amauri Araújo Godinho pontua que os avanços na velocidade desses dispositivos é mérito também dos profissionais da engenharia.

Eles criaram elementos eletrônicos capazes de captar o movimento dos neurônios de forma rápida, “algo que podemos comparar ao reflexo do corpo”, e traduzi-los para as telas com precisão. “É algo que pode ser usado também para outras tarefas, como um melhor controle de próteses. Quem sabe, no futuro, tenhamos até um robô que seja totalmente guiado pela atividade neural”, cogita.




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