Um grupo de pescadores no Iêmen fez uma descoberta que mudou suas vidas.
Eles encontraram o cadáver de um cachalote o qual estava repleto de âmbar gris (ou âmbar cinza) na barriga. Essa substância rara pode valer centenas de milhares de dólares porque é muito valiosa para a indústria da perfumaria, que a utiliza para preservar aromas.
Os pescadores obtiveram US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 7,6 milhões), uma cifra inimaginável para muitas pessoas no Iêmen, um país atolado na pobreza e na guerra — o PIB per capita iemenita é hoje de US$ 750, menos de um décimo do brasileiro (US$ 8.717).
"Fiquei muito feliz. São sentimentos maravilhosos que não consigo descrever. Dou graças a Deus por isso", disse um dos pescadores. "Se você encontrar âmbar-gris de baleia, é um tesouro."
"Esta baleia tinha algo"
O âmbar gris (de cor acinzentada) vem do intestino do cachalote, um mamífero marinho semelhante às baleias, mas de outra superfamília de cetáceos (são odontocentos, que possuem dentes como os golfinhos, diferente dos misticetos, que possuem barbatanas ou cerdas como as baleias). Mas popularmente esses animais são conhecidos como baleia cachalote.Especialistas dizem que apenas 1% a 5% dos cachalotes geram âmbar cinzento.
Há séculos o âmbar gris é considerado um produto de luxo: já foi usado em cerimônias religiosas, ou como afrodisíaco no Oriente Médio, ou como produto culinário fino na China e como ingrediente em poções medicinais tradicionais. Mas atualmente a substância é usada principalmente pela indústria de perfumes.
"Seu aroma é intenso, doce, animal. Acrescenta uma capa à fragrância que dá um toque de paixão, sensualidade, sexualidade e isto é algo muito difícil de conseguir", explica à BBC Mundo Dom Devetta, fundador da empresa de perfumes britânica Shay & Blue. "Também ajuda o perfume a permanecer mais tempo na pele, mas, como qualquer outro aroma, não é para todo mundo."
"O âmbar cinza é um tipo de matéria fecal. Pelo menos é gerado no mesmo lugar que os excrementos e é expulso também pelo mesmo lugar. É um produto de um problema intestinal que alguns cachalotes têm", diz Christopher Kemp, autor do livro Ouro flutuante: uma história natural (e pouco natural) do âmbar cinza. Segundo ele, "muitas pessoas não gostam de saber que há produtos animais em suas fragâncias e menos ainda se são excrementos".
Kemp afirma que há diversos fatores que aumentam o valor do âmbar gris: "É escasso, tem propriedades muito diferentes — como a de estabilizar as fragrâncias — e é impossível fabricá-lo em laboratório".
Em geral, cachalotes se alimentam quase exclusivamente de lulas. Em um dia, podem chegar a ingerir até uma tonelada. As partes duras destes moluscos, que não podem ser digeridas, são regurgitadas pela boca.
Mas, em alguns casos, estes pedaços continuam a percorrer o sistema digestivo e irritam o estômago e o intestino delgado do cachalote. O intestino produz uma secreção gordurosa, rica em colesterol para cobrir estes pedaços e atenuar o dano provocado no sistema digestivo do animal — e essas secreções ficam boiando no mar.
Com o passar do tempo — anos e décadas, até — e, à medida que as correntes marítimas empurram a substância para vários lugares, ela vai se solidificando e adquirindo uma fragrância particular. Até que as ondas a levem para a praia.
Quanto mais tempo passar no mar, mais refinado e complexo será seu aroma e mais alto será o seu valor.
Um catador de lixo encontrou uma peça dessa há dois anos numa praia da Tailândia que chegou a ser avaliada em quase R$ 3 milhões. No caso da substância encontrada no Iêmen, ela ainda estava na barriga do animal.
"Um dos pescadores de Seriah nos ligou de manhã e disse: Há uma baleia aqui e ela pode ter âmbar gris'. Dissemos que íamos vê-la. Assim que nos aproximamos, havia um cheiro forte e tínhamos sensação de que essa baleia tinha alguma coisa", explicou um dos pescadores.
"Decidimos transferir a baleia até a margem e cortá-la para ver o que tinha dentro da barriga. E sim, era âmbar gris. (...) Foi uma felicidade imensa."
Mudança de vida
O grupo de pescadores não esperava que sua descoberta valesse US$ 1,5 milhão.
"Somos todos pobres", disse um deles.
Resolveram dividir os lucros e também dividir a inesperada riqueza com outras pessoas necessitadas: "Compramos casas, porque vamos nos casar em breve. E demos dinheiro para as casas de quem precisa."
Mesmo com tanto dinheiro, alguns deles dizem que não vão parar de pescar.
"Estou como num sonho incrível. Mas tenho que ficar no mar, mesmo que não pegue nada. Está no meu sangue."
*Com a colaboração de Laura Plitt, Eloise Alanna, Suaad al Salahi e Adnan Ameen al Haaj.
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