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Antibióticos eficientes contra superbactérias?

As mutações inseridas em diferentes regiões de interação de MreC causaram consequências diversas para a formação dos tubos. (esquerda) mutações na região 1 não afetaram a formação dos tubos; (meio) a mutação da região 2 aboliu totalmente a formação dos tubos; (direita) mutações introduzidas na região 3 impediram a formação dos tubos, mas permitiram a formação de filamentos flexíveis. A introdução das mesmas mutações nas regiões 2 e 3 do genoma bacteriano geraram cepas bacterianas apresentando uma quantidade menor de MreC, e consequentemente, com um elongassomo modificado (foto: Fotos: CNPEM/Divulgação)


Há cerca de uma década, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), do Brasil e do Institut de Biologie Structurale (IBS) da França vêm trabalhando para compreender o processo de formação molecular e atômico das bactérias. O estudo tem como objetivo principal buscar conhecimento mais aprofundados a fim de explicar os mecanismos capazes de tornar as bactérias mais resistentes a antibióticos.



Além disso, um importante detalhe dessa pesquisa é a busca por evidenciar os pontos fracos das chamadas superbactérias para que, assim, os alvos específicos sejam encontrados, propiciando o desenvolvimento de medicamentos – antibióticos – mais eficazes.

Recentemente, o resultado mais atual da pesquisa, ainda em andamento, foi publicado na Revista Nature Communications. Nessa fase do estudo, foi revelada como a proteína MreC, essencial para a formação da parede celular de bactérias alongadas, é capaz de se autoassociar e se organizar em forma de filamentos e tubos. Para desvendar esses complexos moleculares, os pesquisadores utilizaram MreC da bactéria Pseudomonas aeruginosa, uma das principais responsáveis por infecção hospitalar, naturalmente resistente aos antibióticos disponíveis no mercado e de alta mortalidade.

Segundo Andréa Dessen, pesquisadora vinculada ao IBS e ao CNPEM, responsável por dois dos grupos de pesquisa que participaram do estudo, tanto no Brasil quanto na França, as regiões de interação dessas formas autoassociadas são essenciais para a regulação do processo de formação da parede das bactérias. “Os estudos revelaram que a proteína se autoassocia formando filamentos e tubos bastante estáveis, que analisamos por criomicroscopia eletrônica, cristalografia, e usando testes microbiológicos”, explica.



As mutações inseridas em diferentes regiões de interação de MreC causaram consequências diversas para a formação dos tubos. (esquerda) mutações na região 1 não afetaram a formação dos tubos; (meio) a mutação da região 2 aboliu totalmente a formação dos tubos; (direita) mutações introduzidas na região 3 impediram a formação dos tubos, mas permitiram a formação de filamentos flexíveis. A introdução das mesmas mutações nas regiões 2 e 3 do genoma bacteriano geraram cepas bacterianas apresentando uma quantidade menor de MreC, e consequentemente, com um elongassomo modificado (foto: Fotos: CNPEM/Divulgação)

 
“Estas estruturas nos permitiram descobrir regiões de MreC que são importantes para a estabilidade dos tubos e para a regulação da formação da parede celular bacteriana. Portanto, estes resultados nos proporcionaram informações valiosas para o eventual desenvolvimento de antibióticos que interrompam o processo de autoassociação de MreC e provoquem a morte das bactérias”, afirma.
Ainda conforme Andréa Dessen, as estruturas reveladas são comuns a outras bactérias de formato alongado, como a Escherichia coli, responsável por quadros graves de diarreia, e a Helicobacter pylori, associada ao desenvolvimento de úlceras e câncer gástrico. “Logo, compreender a formação desses tubos e buscar meios de inibir a autoassociação de MreC poderá eventualmente ajudar no combate a uma série de doenças bacterianas.”

Além disso, o problema de resistência aos antibióticos atinge clínicas e hospitais no mundo todo, e já existem cepas de várias bactérias resistentes a todos os antibióticos disponíveis no arsenal moderno de medicamentos. “Sendo assim, a compreensão de processos biológicos essenciais para a sobrevivência bacteriana é extremamente importante, porque é só através do entendimento detalhado destes processos que poderemos encontrar novos alvos para o desenvolvimento de antibióticos originais, com novos mecanismos de ação. Isto é um desafio imenso para vários laboratórios de pesquisa, e tem sido o foco de nossos estudos há anos.”



Ela destaca, ainda, que há uma esperança no desenvolvimento de inibidores que bloqueiem o processo de interação feita por essas bactérias, que poderão impedir a função a proteína nas bactérias, e por conseguinte, causar morte celular. “Do ponto de vista de desenvolvimento de fármacos, a próxima etapa inclui a procura por inibidores que bloqueiem estas regiões de MreC, utilizando técnicas de síntese química, modelização, e análises bioquímicas e biofísicas.”

O ESTUDO  Para chegar aos resultados publicados, os pesquisadores reuniram achados de pesquisas realizadas no Brasil e na França. Cristais da proteína MreC da bactéria Pseudomonas aeruginosa foram analisadas usando a técnica de cristalografia por difração de raios X, em um dos últimos experimentos na antiga fonte de luz síncrotron (UVX) do CNPEM. Já a organização de várias moléculas de MreC na formação dos tubos foi revelada por meio de experimentos de criomicroscopia eletrônica realizados no IBS, na França.

O estudo também observou o impacto de mutações nas regiões de interação da proteína. “In vitro, as mutações causam uma consequência drástica para a formação dos tubos. Em paralelo, quando introduzimos as mesmas mutações diretamente no genoma bacteriano, observamos a diminuição da quantidade de MreC produzida, indicando um efeito direto na estabilização do elongassomo”, explica Andréa Dessen.



A interação entre os grupos do Brasil e da França contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “O trabalho foi efetuado por uma colaboração entre o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e o Institut de Biologie Structurale (IBS) da França. Esta colaboração já vem sendo desenvolvida há 10 anos, e tem contado com apoio constante da Fapesp e do CNRS, da França. Vários estudantes brasileiros já efetuaram estágios na França graças a este apoio”, destaca a pesquisadora brasileira.

O estudo prossegue em várias vertentes, com parceria de pesquisadores da Eslovênia, para buscar moléculas que demonstrem capacidade de inibir a formação do complexo de proteínas que atua no alongamento da parede celular bacteriana. A busca por novos antibióticos potenciais também conta com estudos efetuados com compostos naturais da biodiversidade brasileira, com colaborações do CNPEM, a USP e a Univali.

“Agora, o objetivo do estudo será a compreensão de complexos cada vez maiores de proteínas responsáveis pela formação da parede bacteriana. Para isto, continuaremos utilizando técnicas de biologia estrutural, bioquímica, biofísica, e genética microbiana. Também utilizaremos o novo síncrotron Sírius de Campinas, que permitirá levarmos nossa pesquisa para níveis cada vez mais altos”, afirma Andréa Dessen.

* Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram

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