A onda de frio extremo que chega ao Sul e Sudeste do Brasil nesta semana poderá fazer com que alguns brasileiros questionem se o planeta está, de fato, aquecendo. Sim, está — e há fortes indícios de que a onda de frio seja ela mesma intensificada pelas mudanças climáticas em curso.
A onda deve derrubar as temperaturas nos Estados do Sul, Sudeste e de parte do Centro-Oeste até o próximo domingo (1º/8).
Nas serras catarinense e gaúcha, as mínimas previstas são de -10ºC, com sensação térmica de até -25ºC, enquanto Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória devem registrar as menores temperaturas do ano.
Leia Mais
Com aquecimento global, 89% da população no mundo pode ter dengue e maláriaMudar dieta pode ajudar a combater aquecimento globalAquecimento global leva a clima de extremos, diz especialista ao comentar chuvasIlha de calorOs cientistas que alcançaram a temperatura mais baixa já registrada no universoAs ondas de frio na Antártica e no Brasil não provam que o aquecimento global não existaCarne ainda mais cara também é efeito da mudança climáticaCOP26: Quais as grandes metas da ONU para limitar as mudanças climáticas?Calor extremo, como nos EUA e na Europa, serão cada vez mais comunsO frio extremo atinge o do Brasil enquanto, no Hemisfério Norte, vários países registram recordes de calor e de volume de chuvas.
No Canadá, os termômetros na cidade de Lytton mediram 49,6ºC no fim de junho — marca que superou em 4,6ºC a temperatura mais alta registrada no país até então.
Poucas semanas depois, chuvas muito acima dos padrões inundaram cidades na Alemanha e na China. Os eventos extremos nos três países provocaram centenas de mortes.
É mais fácil entender como as mudanças climáticas favorecem recordes de calor e de chuva.
Intensificados nas últimas décadas, a queima de combustíveis fósseis (como o petróleo e o carvão) e o desmatamento ampliam a quantidade na atmosfera de gases causadores do chamado efeito estufa.
Esses gases dificultam a dispersão do calor dos raios solares que atingem o planeta, o que tende a aumentar a temperatura no globo como um todo.
Temperaturas mais altas, por sua vez, aceleram a evaporação da água, o que facilita a ocorrência de temporais.
A temperatura da Terra já subiu cerca de 1,2ºC desde o início da era industrial, e as temperaturas devem continuar aumentando a menos que os governos ao redor do mundo tomem medidas para reduzir as emissões. Porém, o aumento das temperaturas médias não quer dizer que ondas de frio não continuarão a ocorrer — nem mesmo que elas não possam se intensificar em situações específicas.
É o caso da massa polar que chega ao Brasil nesta semana, diz à BBC News Brasil o geógrafo e climatologista Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS).
Aquino foi um dos primeiros pesquisadores a estudar as conexões climáticas entre o sul do Brasil e Península Antártica — tema de sua tese de doutorado, em 2012.
Ele diz que, ao longo do ano, massas de ar circulam em sentido horário entre as duas regiões: o sul do Brasil envia à Antártida massas de ar quente e recebe dela massas de ar frio.
Segundo Aquino, a velocidade dessa circulação se acelera conforme a mudança climática eleva a temperatura no Brasil no inverno, época do ano em que a Antártida está bem gelada por não receber qualquer insolação.
Além disso, o calor acima do habitual no sul do Brasil "perturba" o sistema de trocas, induzindo o ar quente a entrar na Antártida e abrindo o caminho para a chegada de ar frio.
Não por acaso, diz ele, exceto pelas ondas pontuais de frio de 2021, o centro-sul do Brasil tem tido um inverno mais quente que a média — o que também tem ocorrido nos últimos anos.
Na véspera da chegada desta massa polar, os termômetros em cidades como Porto Alegre e São Paulo beiravam os 30ºC. Em pleno inverno.
Outro ponto que tende ampliar o impacto desta onda de frio, diz Aquino, é que a massa que chega ao país se resfriou ainda mais ao passar pelo mar de Weddell — uma das regiões mais geladas da Antártida.
As condições são tão propícias ao avanço da massa, diz ele, que a onda deve derrubar as temperaturas até o sul da Amazônia.
Aquino afirma que especialistas já previam há cerca de 15 anos a ocorrência dos eventos que hoje observamos no centro-sul do Brasil — incluindo ondas de frio extremo em meio a invernos quentes e secos.
"Caminhamos para um cenário de estiagens mais longas e secas no Brasil, com o desmatamento e as queimadas intensificando esses processos", ele diz.
Aquino afirma que o planeta caminha rumo aos "limiares mais perigosos possíveis" dos cenários projetados para 2030 ou 2050.
Embora o Acordo de Paris tenha estabelecido a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos padrões pré-industriais, ele diz que os esforços foram comprometidos pelos anos em que Donald Trump exerceu a Presidência nos EUA.
Trump retirou os EUA do acordo e estimulou setores poluentes, o que atrasou a implantação das metas mundo afora.
"O que a comunidade científica entende hoje é que com certeza vamos ultrapassar os 1,5 ou 2 graus."
Para Aquino, os eventos extremos em curso "já dão sinais de que as mudanças podem ser mais intensas do que as previstas pelos cenários mais ruins".
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!