O lazer é a recompensa, certo? Trabalhamos muito, por isso queremos nos divertir muito; aguardamos ansiosamente nossas folgas, acreditando que quanto mais tempo livre tivermos, melhor será a vida.
Aproveitar esses momentos deveria ser algo que acontece naturalmente.
No entanto, pesquisas mostram que tanto ter tempo livre, quanto decidir como aproveitá-lo pode ser muito estressante.
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Além disso, algumas pessoas têm dificuldade de ver o lazer como algo que vale a pena.
Esses indivíduos — muitas vezes em empregos de alto estresse e alta remuneração — priorizam a produtividade ao ponto que não conseguem desfrutar de tempo livre, muitas vezes em detrimento de sua saúde mental.
Por mais diferentes que sejam seus problemas com o lazer, os dois grupos têm dificuldade de aproveitar o tempo livre pelo mesmo motivo: a forma como percebemos e valorizamos o lazer mudou, de forma problemática.
Entender essa evolução e encontrar maneiras de mudar nossas atitudes pode ser benéfico para todos — e ajudar as pessoas a começarem a se divertir de novo.
A mudança do conceito de lazer
"O lazer evoluiu dramaticamente ao longo dos séculos e entre as culturas", diz Brad Aeon, professor da Escola de Ciências da Gestão da Universidade de Quebec em Montreal, no Canadá.
"Uma coisa consistente sobre o lazer, no entanto, é que ele sempre foi contrastado com o trabalho."
Há 2 mil anos, os conceitos de trabalho e lazer eram associados à servidão e à liberdade, respectivamente.
Na Grécia Antiga, explica Aeon, a maior parte do trabalho era tercerizado para escravos, enquanto as partes mais ricas da sociedade realizavam outras atividades.
"O lazer era um estado mental ativo. Um bom lazer significava praticar esportes, aprender teoria musical, debater com colegas qualificados e fazer filosofia. Lazer não era algo fácil, mas deveria ser gratificante."
Aeon acredita que ocorreu uma mudança quando os romanos começaram a ver o lazer como uma forma de se recuperar para se preparar para mais trabalho, uma transição que se acelerou significativamente durante a Revolução Industrial.
Por volta de 1800, o tipo de lazer que significava status também havia mudado: os ricos levavam vidas abertamente ociosas.
Um exemplo popular é a descrição do filósofo Walter Benjamin da moda, por volta de 1893, de caminhar pelas galerias com uma tartaruga na coleira.
Anat Keinan, professora de marketing da Escola de Negócios Questrom da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, conduziu uma extensa pesquisa sobre o valor simbólico do tempo.
Ela explica que hoje estamos vendo mais uma transição: a falta de tempo de lazer agora funciona como um poderoso símbolo de status.
"No Twitter, as celebridades 'desabafam' com falsa modéstia sobre 'não ter vida' e 'estar precisando desesperadamente de férias'", destaca.
No ambiente profissional, fazer parte da cultura de longas jornadas de trabalho ainda é visto por muitos como uma medalha de honra.
Na verdade, aqueles que têm mais dinheiro para gastar com lazer provavelmente também estão trabalhando por mais horas.
"Pessoas com alto nível de escolaridade (pense em cirurgiões, advogados, altos executivos) geralmente buscam empregos bem remunerados que exigem candidatos altamente produtivos dispostos a trabalhar por muitas horas", explica Aeon.
"Isso significa que aqueles que mais reclamam de não ter tempo livre suficiente são ricos e instruídos."
Isso alimenta a ideia de que devemos maximizar a "utilidade hedônica" do lazer, ou o valor do prazer, quando realmente temos algum tempo de folga — e fazer valer cada segundo.
Os maximizadores do lazer
Os economistas chamam a ideia de que devemos maximizar nosso tempo livre de intensificação do valor do tempo de lazer.
No livro Spending time: The most valuable resource ("Gastando o Tempo: o recurso mais valioso", em tradução livre), o economista americano Daniel Hamermesh explica que "nossa capacidade de comprar e desfrutar de bens e serviços aumentou muito mais rápido do que a quantidade de tempo disponível para apreciá-los".
Essa pressão se manifesta em nossas decisões. "Sentimos que queremos ter o melhor retorno para nosso dinheiro e tempo", explica Aeon.
"Então investimos mais dinheiro em lazer. Melhores hotéis, melhores experiências de cinema — como IMAX ou Netflix em 4K."
Tudo isso pode levar a horas de análise sobre avaliações, planejando cuidadosamente as atividades de lazer.
Isso pode não ser algo necessariamente ruim, descobriram os pesquisadores, uma vez que a preparação antes da viagem contribui em grande parte para a felicidade dos turistas.
Mas muita expectativa também pode ser uma armadilha.
Uma nova pesquisa mostra que julgamos os eventos futuros positivos como mais distantes e mais curtos do que os negativos ou neutros, nos levando a sentir que as férias acabam assim que começam.
Da mesma forma, a maneira como buscamos experiências de lazer de alto nível tornou a recreação mais estressante do que nunca.
Altas expectativas podem entrar em conflito com a realidade vivenciada, tornando-a um anticlímax; enquanto tentar planejar as melhores férias ou experiências de lazer de todos os tempos pode alimentar a performatividade.
Em seu artigo de pesquisa de 2011, Keinan primeiro propôs que alguns consumidores trabalham para adquirir experiências colecionáveis %u200B%u200Bque são incomuns, novas ou extremas porque ajudam a enquadrar nosso lazer como sendo produtivo.
Ao focar no nosso "checklist" de experiências em vez de buscar simplesmente aproveitar o momento, ela escreve, construímos nosso "currículo de experiências".
E, assim como um currículo tradicional, onde mostramos o que temos de melhor, este currículo de experiências pode se tornar um terreno fértil para a competição.
Keinan acredita que as redes sociais exacerbam nosso foco no lazer produtivo.
Fazendo referência a um artigo de pesquisa de 2021, ela sugere que as pessoas passaram a sinalizar seus status e conquistas em domínios alternativos — neste caso, no uso de seu tempo livre.
"Os usuários postam apresentações de si mesmos cuidadosamente selecionadas, cruzando as linhas de chegada de maratonas e subindo Machu Picchu. O consumo ostensivo costumava ser uma forma de as pessoas exibirem seu dinheiro por meio de bens de luxo escassos. Agora, elas ostentam como gastam seu valioso tempo apenas em atividades que são verdadeiramente significativas, produtivas ou espetaculares", diz ela.
As pessoas que odeiam lazer
Alguns indivíduos têm dificuldade de aproveitar o lazer. Alguns tentam "hackear" o lazer aplicando técnicas de produtividade, diz Aeon, como ouvir um podcast enquanto correm ou assistir a séries do Netflix com o dobro da velocidade normal.
Outros podem nem sequer tirar folga.
Por exemplo, apenas 14% dos americanos tiram férias por duas semanas seguidas, uma descoberta alinhada à cultura do excesso de trabalho.
O mesmo estudo mostra que, em 2017, 54% dos trabalhadores americanos não utilizaram o tempo todo de férias, deixando 662 milhões de dias reservados para o lazer sem uso.
Parte do problema, revela uma nova pesquisa, é como internalizamos de forma abrangente a mensagem de que o lazer é um desperdício.
Selin Malkoc, professora de marketing da Escola de Negócios Fisher da Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, e coautora do estudo, diz que certas pessoas consideram o lazer sem valor, mesmo quando não interfere na busca de seus objetivos.
Essas crenças negativas sobre o lazer estão associadas a um nível mais baixo de felicidade e mais alto de depressão, ansiedade e estresse.
Malkoc descreve dois tipos de lazer: "lazer com finalidade", em que a atividade e o objetivo se "fundem", como participar de uma festa de Halloween apenas por diversão, é imediatamente gratificante e um objetivo em si; e "lazer instrumental", como levar uma criança para pegar doces e, assim, cumprir o dever de pai, que é um meio para um fim e alimenta um objetivo de longo prazo.
A capacidade de desfrutar do lazer com finalidade é um indicador mais forte de bem-estar do que o prazer do lazer instrumental, mostrou o estudo.
Em um dos experimentos da pesquisa, Malkoc e seus colegas queriam ver se conseguiam manipular as crenças dos participantes sobre o lazer e levá-los a aproveitá-lo mais.
Cada grupo recebeu uma versão diferente de um artigo que abordava o entendimento do lazer, seja como um desperdício em termos de cumprimento de metas, improdutivo ou como uma forma produtiva de gerenciar o estresse.
Os participantes foram então convidados a avaliar o quão bem escrito o artigo havia sido.
Mas os pesquisadores estavam mais interessados %u200B%u200Bno que viria depois.
Eles ofereceram aos participantes um intervalo e deram a eles um vídeo engraçado para assistir para ver o quanto eles se divertiam.
Infelizmente, influenciar nossas crenças sobre o lazer só funciona em uma direção, descobriram os pesquisadores — na direção errada.
Aqueles que leram os artigos que consideravam o lazer um desperdício curtiram de 11% a 14% menos a experiência do que o grupo de controle, que leu sobre cafeteiras, enquanto os que foram instruídos a acreditar que o lazer é produtivo não tiveram seus níveis de prazer aumentados.
Em outras palavras, tentar estimular a receptividade dos participantes no sentido de desfrutar mais do lazer foi tão eficaz quanto fazê-los ler sobre o café, sugerindo que nossas atitudes estão profundamente arraigadas.
É uma descoberta preocupante.
"Tivemos um grupo de alunos de graduação no laboratório fazendo uma série de estudos chatos e entediantes — não havia nada agradável nisso", diz Malkoc.
"E então, oferecemos a eles um intervalo mental para assistirem a um vídeo divertido. O fato de que, mesmo sem poder usar aqueles breves momentos para algo melhor, eles ainda não conseguiram se divertir... atesta a força de sua crença."
Malkoc também comparou amostras de diferentes países.
Participantes da Índia e dos Estados Unidos, ambas nações com culturas de excesso de trabalho, endossaram a crença de que o lazer é um desperdício com mais força do que os participantes da França, que tem normas sociais "menos restritivas para aproveitar a vida e se divertir".
Na verdade, enquanto Malkoc estima que cerca de 30% da população em média partilha da crença de que o "lazer é um desperdício", isso varia muito entre as culturas, chegando a 55% na amostra indiana e a 15% na amostra francesa.
Há esperança para ambos os lados
Felizmente, há maneiras de ajudar os dois grupos. A primeira é relaxar a mentalidade de produtividade.
Para aqueles que buscam intensificar o lazer, Aeon recomenda o uso da regra de pico-fim, um viés cognitivo que influencia a maneira como nos lembramos dos eventos.
Keinan diz que uma maneira de fazer isso é "adotando uma perspectiva mais ampla da vida e antecipando seus arrependimentos de longo prazo, pois isso permite que as pessoas aproveitem mais o presente".
Por exemplo, segundo ele, no consultório do dentista, nos lembramos do pico (quando a dor foi pior) e do fim (os doces que recebíamos ao sair); a soma média dessas experiências ajusta a intensidade emocional.
Então, no caso das férias, ele recomenda fazer algo que é "completamente insano" no meio, como saltar de bungee jump, e algo igualmente grandioso no final (por exemplo, um dia de spa ou uma refeição indulgente) para elevar toda a experiência e maximizar a utilidade hedônica em geral.
Ele recomenda usar a atenção plena (mindfulness) para ajudar a aproveitar as experiências de lazer.
"Isso expande sua percepção subjetiva do tempo (ou seja, você sente que tem mais tempo) e melhora a formação da memória, o que significa que você não apenas sentirá que suas férias duraram mais, mas se lembrará delas muito melhor."
E, em sintonia com a pesquisa sobre expectativa, ter várias férias menores pelas quais esperar, em vez de uma grande, também pode maximizar nosso valor do prazer.
Para aqueles que acham difícil tirar folga, Keinan sugere o uso de um álibi funcional — uma desculpa prática para se divertir.
"Ter um 'álibi funcional' que articula um propósito para uma atividade (como os benefícios para a saúde e produtividade de tirar férias) permite que muitos consumidores relaxem sem se sentirem culpados", diz ela.
Combater a mentalidade de que "lazer é um desperdício" também pode significar enfatizar o valor de uma atividade alinhando-a com outro objetivo utilitário, em vez de tentar reformular o lazer como um conceito.
"As férias são destinadas a ser (um lazer) 'com finalidade', mas podemos ter diferentes objetivos embutidos nelas", diz Malkoc.
Uma viagem à Disney, por exemplo, pode ter valor de finalidade para os filhos e oferecer lazer instrumental para os pais.
"Fazê-los entender que esta é uma maneira de se tornar produtivo ou alimentar outro propósito pode ajudá-los a baixar a guarda e aproveitar um pouco mais."
Aproveitar o lazer pode até ser resultado de um aprendizado, semelhante à maneira como aumentamos a resistência gradualmente na academia.
Férias menores — uma escapada de 30 horas em um hotel — podem ser curtas o suficiente para essas pessoas deixarem as responsabilidades para trás.
Para viagens mais longas, Malkoc sugere que permitir que indivíduos motivados trabalhem durante uma breve janela uma vez por dia pode, na verdade, ser menos estressante do que pedir que se desliguem completamente.
Para ambos os grupos — e até mesmo aqueles que se encontram em algum lugar no meio — o medo persistente de que não estamos usando nosso tempo da forma "certa", seja por não ser uma experiência extravagantemente "colecionável" ou apenas por ser superprodutivo, pode inviabilizar o próprio propósito do lazer.
Porque a única maneira "certa" de usufruir do lazer é relaxar, baixar a guarda, guardar boas lembranças e confiar que as peças vão se encaixar.
"Se você aborda as férias com uma mentalidade de 'dever', você pode estar estragando tudo", adverte Malkoc.
"Não deixe a crença de que você 'precisa tirar o melhor proveito disso' tirar o melhor de você."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life.
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