Nas últimas semanas, o aumento de casos de inflamação na pele chamou a atenção de médicos na região metropolitana de Recife, em Pernambuco: de uma hora para outra, centenas de pacientes começaram a se queixar do aparecimento de vermelhidão, coceira e bolhas em várias partes do corpo.
De início, suspeitou-se que seriam quadros de escabiose (sarna), que é provocada por um tipo de ácaro, ou uma espécie de intoxicação por ivermectina. Durante a pandemia, esse remédio foi falsamente apontado como tratamento para a covid-19 e seu consumo aumentou consideravelmente no país.
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Porém, após uma investigação feita com o suporte da Sociedade Brasileira de Dermatologia, um time de especialistas descobriu que a origem do surto era outra: fragmentos de mariposas que irritam as camadas superficiais da pele.
O final do ano é a época de reprodução desses insetos, o que propicia o surgimento de surtos de dermatite (inflamação na pele) em várias partes do país, explicam os autores num relatório divulgado na quarta-feira (8/12).
Entenda o caso
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Em pouco tempo, mais de 200 indivíduos apresentaram queixas parecidas, o que motivou a abertura de uma apuração pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco.
Num primeiro momento, a principal suspeita levantada era de escabiose, conhecida popularmente como sarna. Causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei, essa doença provoca uma coceira bem intensa.
A outra possibilidade discutida era de intoxicação por ivermectina, remédio utilizado para tratar infestações por parasitas (como sarna, piolho e lombriga), que foi apontado erroneamente como tratamento para covid-19 ao longo dos últimos meses.
De acordo com o Conselho Federal de Farmácia, as vendas de ivermectina aumentaram mais de 800% entre abril de 2020 e março de 2021.
No final das contas, nenhuma das duas hipóteses se mostrou verdadeira: segundo o relatório recém-publicado, os casos em Pernambuco foram causados por cerdas de mariposas do gênero Hylesia.
Bastante comum, esse inseto é pequeno, tem cor marrom e costuma ficar rondando as luzes da casa, especialmente durante a noite.
Mistério desvendado
A investigação foi conduzida pelos dermatologistas Claudia Ferraz, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Vidal Haddad Junior, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ambos integram a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Enquanto Ferraz fez o trabalho de campo e descreveu as lesões nos pacientes, Haddad Junior foi convocado por sua experiência com doenças de pele causadas por acidentes com animais. Ele analisou amostras em laboratório para encontrar as possíveis causas do problema.
"É normal que essas mariposas se reproduzam no começo do verão. Elas costumam ser atraídas pelas luzes e se batem contra as lâmpadas das casas", contextualiza Haddad Junior.
"Ao se chocarem, elas soltam pequenas cerdas, que se acumulam em cima de objetos, móveis, colchões e sofás", complementa.
Na sequência, essas cerdas minúsculas, que são bem afiadas, entram profundamente na pele das pessoas e causam uma inflamação, que está por trás dos sintomas como vermelhidão e coceira.
O dermatologista explica que surtos como esse são relativamente comuns em várias cidades do Brasil, embora não existam dados oficiais sobre casos.
"Isso acontece frequentemente nas casas de veraneio na praia e no campo, que ficam fechadas durante boa parte do ano e são reabertas no verão. As pessoas entram nelas e têm contato com uma grande quantidade dessas cerdas, o que causa esse quadro de dermatite", observa Vidal Haddad.
A dermatologista Thaís Bello Di Giacomo, de São Paulo, que não esteve envolvida com o trabalho de investigação, explica que o quadro causado pelas mariposas é muito parecido com quadros de dermatite relacionadas a fibras de vidro.
"Há alguns anos, era comum pessoas que trabalham com esse material desenvolverem essa inflamação justamente por essas farpas bem pequenas que entram na pele", compara.
O que fazer?
De acordo os autores do relatório, não existem fatores de risco ou formas de prevenir a maioria dos casos de dermatite causada pelas cerdas da mariposa.
"O único cuidado possível é instalar telas de proteção em portas e janelas, mas, mesmo assim, podemos ter contato com o inseto em ambientes externos", pondera Vidal Haddad.
O tratamento é relativamente tranquilo: feito o diagnóstico, o médico prescreve remédios que diminuem a inflamação na pele.
Geralmente, pomadas com corticoides e outros anti-inflamatórios dão conta do recado.
Nas vezes em que o paciente desenvolve pequenas bolhas, sinal de que a inflamação está um pouco mais grave, é preciso entrar com medicações orais também.
Em todo caso, a Di Giacomo reforça a necessidade de buscar orientação médica caso surjam sinais diferentes na pele.
"Ao aparecerem as primeiras lesões, manchas avermelhadas ou outras manifestações, procure um dermatologista para uma avaliação mais aprofundada", sugere.
Já no caso específico do Recife, a descoberta dos motivos para o surto permitirá cuidar das centenas de pacientes de forma mais adequada.
"Concluímos que o mistério está resolvido e esperamos que os tratamentos corretos sejam ministrados à população", finalizam os médicos no relatório.
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