Há muito se suspeita que o vírus Epstein-Barr comum (EBV, na sigla em inglês) pode desencadear a esclerose múltipla.
Um novo estudo realizado por cientistas da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, fornece a evidência mais forte até o momento de que ele realmente tem um papel fundamental no desencadeamento dessa doença.
Uma pesquisa realizada com mais de 10 milhões de militares dos Estados Unidos mostrou que praticamente todos os casos de esclerose múltipla são precedidos por uma infecção pelo vírus.
"Nosso grupo e outros investigam a hipótese de que o EBV causa esclerose múltipla há anos, mas este é o primeiro estudo a fornecer evidências convincentes de causalidade", disse o pesquisador italiano Alberto Ascherio, professor de Epidemiologia e Nutrição de Harvard e principal autor da pesquisa.
"Este é um grande passo que sugere que a maioria dos casos de esclerose múltipla pode ser prevenida com a interrupção da infecção pelo EBV e que pode levar à descoberta de uma cura para a esclerose múltipla."
O estudo, após uma investigação de duas décadas, foi publicado online em 13 de janeiro na revista Science.
O que são o EBV e a esclerose múltipla?
A esclerose múltipla afeta 2,8 milhões de pessoas em todo o mundo.
É uma doença inflamatória crônica do sistema nervoso central em que o sistema imunológico ataca as bainhas de mielina (capas de tecido adiposo) que protegem os neurônios do cérebro e da medula espinhal.
Quando esta cobertura é danificada, os impulsos nervosos diminuem ou param.
Esta doença pode causar uma ampla gama de sintomas, incluindo problemas de visão, movimentos, sensações ou de equilíbrio.
É uma condição vitalícia que pode causar incapacidade grave, embora às vezes possa ser leve.
Sua causa é desconhecida, mas uma das principais suspeitas é o EBV, um tipo de herpes vírus que infecta cerca de 95% dos adultos.
O vírus Epstein-Barr é transmitido principalmente através da saliva, por exemplo, ao beijar outra pessoa ou beber do mesmo copo que ela.
Este vírus é a causa da mononucleose, também conhecida como febre glandular ou "doença do beijo", e provoca uma infecção latente ao longo da vida no hospedeiro.
Como foi feito o estudo
A dificuldade em estabelecer uma relação causal entre o vírus Epstein-Barr e a esclerose múltipla é que esse vírus infecta aproximadamente 95% da população.
A esclerose múltipla, por outro lado, é relativamente rara, e o início dos sintomas começa cerca de dez anos após a infecção pelo vírus Epstein-Barr, segundo a pesquisa de Harvard.
Estudos com um grande número de indivíduos são necessários para estabelecer se as pessoas que não foram infectadas com o vírus são menos propensas a desenvolver esclerose múltipla.
Para determinar a conexão entre o vírus e a esclerose múltipla, os pesquisadores analisaram amostras coletadas a cada dois anos.
Desta forma, eles determinaram o status do vírus Epstein-Bar no momento da coleta da primeira amostra e a relação entre a infecção pelo vírus e o início da esclerose múltipla durante o período de serviço militar.
Os níveis de um biomarcador de degeneração nervosa típica da esclerose múltipla só aumentaram após a infecção pelo EBV.
Esses resultados "não podem ser explicados por nenhum fator de risco conhecido para esclerose múltipla e sugerem que o EBV é a principal causa" dessa doença, segundo os pesquisadores.
O risco de esclerose múltipla aumentou 32 vezes após a infecção pelo EBV, mas não mudou após a infecção por outros vírus.
Ascherio observou que o tempo entre a infecção pelo EBV e o início da esclerose múltipla pode ser devido em parte aos sintomas da doença não serem detectados durante os estágios iniciais e em parte por causa da relação evolutiva entre o EBV e o sistema imunológico do hospedeiro, que é repetidamente estimulado cada vez que o vírus latente é reativado.
O que significa a descoberta?
"Atualmente, não há como prevenir ou tratar efetivamente a infecção pelo EBV, mas uma vacina contra o EBV ou medicamentos antivirais específicos podem prevenir ou curar a esclerose múltipla", disse Ascherio.
Os pesquisadores William Robinson e Lawrence Steinman, da Universidade Stanford, escreveram um artigo de comentário que acompanha o estudo.
Robinson e Steinman observam que "essas descobertas fornecem dados convincentes que implicam o vírus Epstein-Barr como o gatilho para o desenvolvimento da esclerose múltipla".
Atualmente, várias empresas estão pesquisando uma vacina contra o vírus Epstein-Barr.
Para Clare Walton, pesquisadora principal da Sociedade de Esclerose Múltipla do Reino Unido, o estudo não prova conclusivamente uma relação causal.
"Há evidências substanciais sugerindo uma ligação entre o vírus Epstein-Barr e a esclerose múltipla, especialmente quando a infecção sintomática (ou seja, febre glandular ou mononucleose infecciosa) é observada", disse Walton em um comunicado.
"Como este novo estudo mostra, também estão surgindo evidências para sugerir que a ligação pode ser causal. No entanto, um ou mais fatores adicionais devem ser necessários para desencadear a esclerose múltipla, uma vez que, apesar do fato de que nove em cada dez pessoas em todo o mundo estão infectadas com EBV , a maioria não desenvolve esclerose múltipla."
A pesquisadora observou que, em sua opinião, "não poderemos ter certeza de que o EBV está causando EM até que possamos ver o impacto que a prevenção da infecção por EBV tem na incidência de esclerose múltipla".
"E, embora a pesquisa de vacinas contra o EBV esteja em andamento, ainda está em um estágio inicial. É ótimo ver a pesquisa sobre esse tópico crucial ganhando força."
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