Jornal Estado de Minas

Falha imunológica favorece covid grave

Uma das dúvidas que pairam sobre os cientistas desde o início da pandemia é por que alguns jovens morrem devido à infecção, enquanto alguns indivíduos com saúde mais frágil, como idosos, são infectados, apresentam sintomas respiratórios leves e se recuperam rapidamente. A resposta a essa pergunta pode estar no sistema de defesa do corpo de cada indivíduo, indica um grupo internacional de cientistas.





Em uma análise feita com mais de 900 pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2, os pesquisadores identificaram falhas relacionadas às células de defesa que podem favorecer o desenvolvimento de casos mais críticos da doença. Os dados foram apresentados na edição da revista especializada Science.

O interesse dos cientistas pelos efeitos do novo coronavírus no corpo humano surgiu logo no início da pandemia. “Quando a COVID-19 apareceu na França, fui, por algumas semanas, ajudar no hospital em que minha esposa trabalhava. Eu era um pediatra que, de repente, estava cuidando de idosos com uma doença desconhecida. Foi terrível. Pessoas que eram saudáveis precisavam de oxigênio e tratamento na unidade de terapia intensiva (UTI) e, muitas vezes, morriam. Para mim, foi uma grande motivação tentar entender por que isso estava acontecendo para poder ajudar”, relata, em comunicado, Paul Bastard, pesquisador do Imagine Institute (Inserm), pertencente à Universidade de Paris, e principal autor do estudo.

SEQUENCIAMENTO DO DNA Por meio de um consórcio científico estabelecido em fevereiro de 2020, o Covid Human Genetic Effort (CHGE), o especialista e pesquisadores de outros países recrutaram 938 pessoas infectadas pelo novo coronavírus que estavam em situações distintas da doença, desde uma infecção silenciosa até a COVID letal, para investigar o efeito do vírus sobre elas. A equipe sequenciou os exomas – conjunto de sequências de DNA responsáveis por codificar as proteínas presentes no genoma humano – dos voluntários em busca de respostas para a principal hipótese: a de que alguns indivíduos com COVID-19 e risco maior de vida apresentavam “erros” no sistema imunológico.





As análises minuciosas indicaram a existência de uma mesma alteração em hospitalizados em função da COVID-19 grave. Trata-se de uma falha na sinalização do interferon tipo I (IFN), molécula secretada por células infectadas que ajuda a combater os vírus. Os especialistas observaram que muitos pacientes desenvolveram uma resposta autoimune errônea à presença do Sars-CoV-2, com alguns anticorpos atacando os IFNs do tipo I e bloqueando seu efeito antiviral.

As observações também revelaram que, na população em geral, os anticorpos que agem contra os IFNs parecem aumentar com o avançar da idade, embora os pesquisadores não saibam a razão desse fenômeno. “Pode ser que isso aconteça devido ao envelhecimento do sistema imunológico, que se torna mais ‘permissivo’ para esses anticorpos errôneos”, opina o autor do estudo. Bastard também acredita que as moléculas tenham um papel importante em relação a outras doenças virais, como a gripe.

TRIAGEM A identificação de anticorpos que agem contra o IFN tanto em idosos quanto em infectados mais jovens pode ser uma das razões pelas quais a COVID-19 é fatal para alguns indivíduos, concluem os pesquisadores. A constatação, acreditam, pode ser usada para otimizar o tratamento da doença, incluindo intervenções baseadas na medicina de precisão, que consiste no desenvolvimento de tratamentos personalizados. “Essa abordagem nos permitiria dar ao paciente o tratamento que mais o ajudaria, com menos efeitos colaterais”, explica o líder do estudo.





Segundo Bastard, não é difícil identificar essas falhas imunes. Isso porque a triagem de anticorpos que atacam os IFNs pode ser feita usando uma técnica de rotina em laboratórios, a ELISA. “Existem vários centros médicos e hospitais na França e no exterior que têm essa ferramenta, o que é algo a se comemorar”, diz. “Esses pacientes realmente se beneficiariam de serem identificados o mais cedo possível, mesmo antes da infecção pelo Sars-CoV-2, e serem vacinados e tratados no início da doença, evitando a forma grave.”

Ana Karolina Barreto Marinho, membro da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), conta que havia uma suspeita sobre uma relação entre a alteração do interferon e o risco de agravamento da COVID. “Já vimos em outras enfermidades, como a malária”, ilustra. “Pessoas com essa alteração sofreram mais com essa infecção. Por isso, muitos especialistas resolveram analisar esse viés em relação à COVID-19 e encontraram indícios relevantes. Esse estudo corrobora esses dados e nos mostra um caminho a ser ainda mais explorado em pesquisas futuras.”

A especialista brasileira também acredita que os resultados obtidos na pesquisa poderão ser usados como base para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra a COVID-19. “Todas as vezes em que identificamos um problema no organismo, como esse no sistema imune, isso nos ajuda a entender como a doença evolui no corpo e abre as portas para a criação de terapias, como as medicações imunobiológicas, que têm sido bastante estudadas nessa área e podem ser uma opção a ser usada nesse cenário”, detalha.




 
 

Canadá aprova acina própria 

O governo canadense aprovou a primeira vacina doméstica contra a COVID-19. O anúncio foi feito pela empresa biofarmacêutica Medicago, depois de mais de 90% dos adultos do país terem recebido duas injeções de outros imunizantes. Porém, cerca de metade da população precisa ser vacinada com uma dose de reforço. “Essa é a primeira vacina autorizada contra a COVID-19 desenvolvida por uma empresa canadense e a primeira que usa uma tecnologia de proteína à base de plantas”, informa, em comunicado, o ministro da Indústria, François-Philippe Champagne. De acordo com a Health Canada, órgão responsável pela aprovação da fórmula, os ensaios clínicos mostraram que a vacina de duas doses, chamada Covifenz, é 71% eficaz na proteção de adultos de 18 a 64 anos contra infecções por coronavírus.