Além dos pulmões, a poluição do ar pode prejudicar a reprodução humana. É o que mostra estudo feito por cientistas chineses. Na análise, os pesquisadores avaliaram amostras de esperma de mais de 30 mil voluntários e constataram uma queda na velocidade de nado dos espermatozoides, movimentação necessária para a fecundação do óvulo. A pesquisa também sugere que, quanto menor o tamanho das partículas poluentes na atmosfera, maior a ligação com a má qualidade do sêmen. Os dados foram publicados na revista Jama Networks.
“A infertilidade está se tornando um problema de saúde pública global, afetando aproximadamente 10% de todos os casais em idade reprodutiva em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que alguns fatores masculinos, principalmente a má qualidade do sêmen, podem ser responsáveis por 50% dos casos de infertilidade”, explicaram os autores no estudo, liderado por Yan Zhao, professor da Escola de Medicina da Universidade de Tongji, na China.
Os investigadores também destacam que há anos especialistas tentam estabelecer uma associação entre os agentes nocivos presentes no ar e a qualidade do sêmen, porém os dados produzidos até agora sobre o tema não foram claros, o que motivou a realização da análise.
No estudo, os cientistas avaliaram amostras de esperma de 33.876 homens de 340 cidades chinesas, todos com média de 34 anos, com um grau variado de exposição à poluição do ar, e cujas esposas engravidaram por meio de assistência médica, ou seja, por reprodução assistida, entre janeiro de 2013 e dezembro de 2019.
Na segunda parte da pesquisa, o grupo avaliou a qualidade do sêmen por meio de fatores como contagem, concentração e motilidade dos espermatozoides, que é a capacidade de essas células reprodutoras nadarem para a frente e conseguirem fecundar o óvulo. Os especialistas também avaliaram se os participantes haviam sido expostos a quantidades de material particulado menores que 2,5 micrômetros, entre 2,5 e 10 micrômetros e 10 micrômetros, em vários momentos-chave dos 90 dias anteriores à visita ao hospital para a coleta.
Como resultado, os especialistas não identificaram uma ligação significativa entre a poluição do ar e a qualidade do esperma em termos de contagem ou concentração de espermatozoides. Porém, descobriram que, quanto mais um participante era exposto a partículas menores de poluição, mais deficiente era a motilidade dos gametas masculinos.
“Quando expostos ao material particulado menor que 2,5 micrômetros de diâmetro, os avaliados apresentaram diminuição estimada na motilidade dos espermatozoides de 3,6%, enquanto que, quando expostos a material particulado de 10 micrômetros de diâmetro, houve 2,44% menos motilidade dos espermatozoides”, detalharam os especialistas, no artigo.
TAMANHO De acordo com os autores, os dados observados significam que é possível que diferentes frações de tamanho dos poluentes possam ter efeitos diferentes na qualidade do sêmen. Os pesquisadores acreditam que, quanto menor a partícula tóxica, mais fácil a sua entrada nos pulmões, e maior a probabilidade de ela causar danos ao organismo humano. “Nossas descobertas sugerem que frações menores de poluentes podem ser mais potentes do que frações maiores na indução de baixa motilidade espermática”, escreveram.
Adelino Amaral, médico especialista em reprodução assistida e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (Sbra), destaca que os dados vistos pelos pesquisadores chineses ratificam uma suspeita antiga da área médica. “Há anos, nós batemos nesta tecla. Não sabemos quais os mecanismos exatos estão envolvidos entre a poluição e a saúde reprodutiva, mas a suspeita só aumentou com o passar do tempo, e com o surgimento de mais pesquisas relacionadas a esse tema”, detalha o especialista.
“O estudo chinês corrobora dados anteriores que já desenhavam esse caminho, em uma pesquisa muito ampla, feita com mais de 30 mil pessoas, algo que merece destaque também, e que revela alterações provocadas na motilidade, um fator importante, que ajuda a definir a qualidade do sêmen”, acrescenta Amaral. O médico destaca que a diferença vista em relação ao tamanho das partículas poluentes também é um dado valioso. “Faz sentido, se pensarmos que elas entram com mais facilidade no pulmão e, por isso, podem viajar pela corrente sanguínea e chegar aos testículos.”
Os pesquisadores chineses adiantam que mais estudos são necessários para determinar os mecanismos biológicos observados no estudo, mas, ainda assim, acreditam que os resultados reforçam a necessidade de reduzir a exposição à poluição do ar entre os homens em idade reprodutiva.
“Nossos dados também indicam que os efeitos da poluição são mais proeminentes quando a exposição ocorre durante a parte inicial dos 90 dias de criação do esperma, fase chamada de espermatogênese. Isso pode significar que o material particulado afeta os espermatozoides em nível genético, porém mais análises precisam ser feitas para confirmar essa hipótese”, frisaram.
Adelino Amaral também acredita que mais pesquisas são necessárias para se chegar a uma conclusão sobre o tema. “É algo que não podemos bater o martelo ainda, mas que, aos poucos, vamos entendendo melhor. Isso é o que esse estudo faz, ele nos mostra dados que tornam mais claros os possíveis danos provocados pela poluição ao esperma. E essa é uma análise muito necessária, que precisa ter continuidade”, afirma. “Nós também já temos pesquisas mostrando que a endometriose pode estar relacionada à poluição. Com certeza, essa é uma área de investigação que merece ser mais estudada”, acrescenta.
Produtos químicos prejudicam o desenvolvimento do cérebro
Por meio de análises laboratoriais em células humanas e da realização de testes em gestantes, pesquisadores franceses chegaram à conclusão de que a exposição a diversas substâncias químicas, mesmo em quantidades consideradas seguras, pode afetar o desenvolvimento do cérebro das crianças. Os dados, divulgados na revista Science, acendem um alerta para os cuidados que devem ser tomados durante a gestação, alegam.
Os autores do estudo explicam que, embora os níveis de exposição para produtos químicos estejam frequentemente abaixo dos valores-limite determinados como seguros pelos órgãos reguladores, existia a suspeita de que o contato com essas substâncias em misturas complexas ainda poderia afetar a saúde. “Todas as avaliações de risco existentes, baseadas nos níveis já estabelecidos, foram feitas com os produtos químicos sendo examinados um de cada vez. Havia, portanto, uma forte necessidade de testar esses agentes em conjunto, em um cenário semelhante ao nosso cotidiano”, justificaram os pesquisadores, no artigo.
Na primeira fase da pesquisa, os especialistas avaliaram mais de 2 mil mulheres grávidas e encontraram uma mistura de produtos químicos no sangue e na urina de 54% delas. Ao analisar dados relacionados aos filhos das voluntárias, que também foram acompanhados no estudo, a presença dos agentes tóxicos foi associada ao atraso no desenvolvimento da linguagem das crianças, todas com até 30 meses.
ATRASO A mistura crítica incluía vários produtos, como ftalatos, bisfenol A e químicos perfluorados, que foram estudados na segunda etapa da pesquisa. Todas essas substâncias são extremamente comuns no uso cotidiano e estão presentes em plásticos e impermeabilizantes de tecidos, por exemplo.
Os pesquisadores expuseram células humanas aos agentes tóxicos e constataram que as misturas alteraram a regulação dos circuitos endócrinos e dos genes envolvidos no autismo e deficiência intelectual. “Uma das principais vias hormonais afetadas foi o hormônio tireoidiano. Níveis ideais desse hormônio materno são necessários no início da gravidez para o crescimento e desenvolvimento do cérebro, por isso não é surpreendente que haja uma associação com o atraso do desenvolvimento da linguagem em função da exposição pré-natal”, explicou Barbara Demeneix, um dos autores do estudo.