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A extraordinária história de Alice Ball, a cientista que desenvolveu 1º tratamento para a hanseníase

A cientista desenvolveu o que depois ficou conhecido como "Método Ball", usado por mais de 30 anos para tratar pessoas com hanseníase, antigamente conhecida como lepra.


02/04/2022 11:30 - atualizado 03/04/2022 11:53

Embora tenha morrido jovem, aos 24 anos, Alice Ball deixou uma marca profunda no mundo científico.

A química afro-americana desenvolveu o primeiro e único tratamento eficaz para milhares de pessoas que, em 1915, sofriam da hanseníase, antigamente conhecida como lepra.

Mas ela quebrou mais barreiras: Ball também abriu um importante precedente para as mulheres interessadas nos ramos complexos da ciência, que naqueles anos eram predominantemente liderados por homens brancos.

Carreira universitária de sucesso

Alice Augusta Ball nasceu em 24 de julho de 1892 em Seattle, no Estado de Washington, em uma família de classe média.

Sua mãe, Laura, era fotógrafa e seu pai, James P. Ball, advogado. Ela tinha dois irmãos mais velhos, Robert e William, e uma irmã mais nova, Addie.

Seu avô foi um dos primeiros negros a usar um daguerreótipo, primeiro processo fotográfico a ser comercializado ao grande público.

Ele frequentou a Seattle High School no ensino médio, graduando-se com honras em ciências em 1910. Mais tarde, entrou na Universidade de Washington para estudar química.

Quatro anos depois, em 1914, obteve os diplomas em química farmacêutica e ciências farmacêuticas. A jovem estudante se destacou entre seus colegas por ser coautora de um artigo de dez páginas no prestigiado Journal of the American Chemical Society.

Graças a esses feitos, após se formar, Ball recebeu uma bolsa de estudos para estudar na Universidade do Havaí.

Foi lá que, em 1915, ela se tornou a primeira mulher e a primeira afro-americana nos Estados Unidos a obter um mestrado em química. A universidade ofereceu uma vaga para ensino e pesquisa e, com apenas 23 anos, ela se tornou a primeira professora de química da instituição.

"Método Ball"

No laboratório, Ball trabalhou duro para desenvolver um tratamento bem-sucedido para aqueles que sofrem de hanseníase.

Há indícios de que a doença tenha afetado a humanidade por pelo menos 4.000 anos. Ainda no início do século 20 havia poucas informações sobre como curá-la.

Milhares de pessoas ao redor do mundo sofriam os efeitos da hanseníase sem obter tratamento adequado. Além disso, os pacientes eram profundamente estigmatizados. Muitos foram forçados a viver em isolamento até a morte.


Mycobacterium leprae.
A hanseníase é causada pelo bacilo Mycobacterium leprae (foto: Getty Images)

O único antídoto dado a alguns pacientes era um óleo das sementes da árvore chaulmoogra, usada há séculos na medicina chinesa e indiana.

Mas sucesso desse tratamento era limitado. Muitos doentes desistiam de usar o óleo. Quando injetado, era extremamente doloroso. E tendia a revirar o estômago quando tomado por via oral.

O Dr. Harry T. Hollmann, que trabalhava no Hospital Kalihi, no Havaí, especializado em pacientes com lepra, pediu a Alice Ball que ajudasse a encontrar uma solução. Naqueles anos, a lepra era comum no arquipélago havaiano.

Ela então isolou os compostos químicos do óleo (os ésteres etílicos dos ácidos graxos) e com eles criou o primeiro remédio solúvel em água, fácil de injetar, pois podia ser facilmente absorvido pela corrente sanguínea.

Assim, a cientista conseguiu um método de sucesso para aliviar os sintomas da hanseníase - mais tarde conhecido como "Método Ball" -, que foi usado em milhares de pessoas infectadas por mais de 30 anos até a chegada da dapsona, um antibiótico da classe das sulfonas.

O que é hanseníase?

É uma doença que afeta a humanidade há milhares de anos e ainda segue presente. A hanseníase é causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, transmitido por gotículas do nariz e da boca de pessoas infectadas.

A infecção afeta principalmente os nervos periféricos e a pele, e o paciente pode ter complicações graves, como desfiguração, deformidades e incapacidades, seja por dano neurológico ou cegueira.

As bactérias da lepra destroem a capacidade do corpo de sentir dor, o que pode fazer com que uma pessoa se machuque inadvertidamente e suas feridas podem se infectar.


lepra
Nervos são afetados pela hanseníase, o que pode fazer com que uma pessoa se machuque inadvertidamente (foto: Getty Images)

Alterações na pele também podem ocorrer causando úlceras que, se não tratadas, podem levar a complicações, feridas e desfiguração da face e membros.

O diagnóstico precoce e o tratamento oportuno e adequado são dois pilares fundamentais para o controle da doença. Mas por séculos a lepra tem sido uma doença mal compreendida pela sociedade, de acordo com especialistas.

Em algumas partes do mundo, os portadores de hanseníase continuam a ser temidos, e persistem as antigas percepções da doença como uma "maldição bíblica".

Morte e legado

Infelizmente, Alice Ball não pôde ver o impacto de seu trabalho porque em dezembro de 1916 morreu com apenas 24 anos. A jovem nem conseguiu publicar suas descobertas.

Embora a causa de sua morte não seja clara, acredita-se que pode ter sido provocada pela inalação de gases tóxicos durante seu trabalho no laboratório ou por tuberculose.

O químico Arthur L. Dean continuou o trabalho de Ball e publicou os resultados. Em 1918, foi relatado que 79 pacientes do Hospital Kalihi receberam alta graças a esse tratamento que continuou a ser usado até a década de 1940.


árvore chaulmoogra
Alice Ball isolou os compostos químicos do óleo das sementes da árvore chaulmoogra (foto: Getty Images)

Embora a Universidade do Havaí não tenha reconhecido seu trabalho por quase 90 anos, em 2000 finalmente prestou homenagem com uma placa comemorativa na única árvore chaulmoogra do campus.

O nome de Alice Ball também está inscrito na London School of Hygiene & Tropical Medicine ao lado de nomes como Florence Nightingale e Marie Curie.

O cientista Paul Wermager, que fez uma extensa pesquisa sobre o trabalho de Ball, observou que a jovem não apenas alcançou o primeiro tratamento útil para a hanseníase, mas também superou as barreiras raciais e de gênero da época.

Muitos de seus admiradores hoje se perguntam quantas outras descobertas ela poderia ter alcançado se não tivesse morrido tão jovem.

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