Jornal Estado de Minas

MEDICINA

Pesquisadores estudam tratar depressão com alucinógeno: 'senti mais alegria do que achei que seria possível'



"Tive uma experiência reveladora mística completa — o grande show psicodélico de luzes e sons multicoloridos."

É assim que o britânico Steve se lembra de sua primeira dose de uma droga alucinógena, a psilocibina, o composto psicodélico encontrado em cogumelos mágicos (ou cogumelos alucinógenos).





A experiência dele fez parte de um ensaio clínico que alguns cientistas estão considerando um grande passo para uma revolução no tratamento da depressão.

Trata-se de um experimento científico complicado pelo fato de a droga ser ilegal no Reino Unido, onde ele é realizado. A psilocibina é uma substância controlada; seu uso é muito estritamente regulamentado.

Ou seja, pelas regras atuais, esse tipo de droga não pode ser usada para fins medicinais. Mas esse experimento, que examinou os cérebros dos participantes após o tratamento com psicodélicos, pintou um retrato físico extraordinário do efeito e da experiência com a psilocibina. As tomografias cerebrais mostraram "mais conectividade" entre diferentes regiões do cérebro.

Os pesquisadores dizem que suas descobertas revelam como os alucinógenos tiram uma pessoa deprimida "de uma rotina de pensamento negativo" — que a psilocibina "reintegra" um cérebro deprimido, tornando-o mais fluido, flexível e conectado.





Cientistas brasileiros também estão pesquisando a psilocibina, assim como outras substâncias que têm origem na natureza, como ibogaína e ayahuasca, além de compostos sintéticos como LSD e MDMA, para tratar depressão e dependência química, como a BBC News Brasil mostrou em reportagem publicada em 2020.

Então, como é ter seu cérebro "reintegrado" por drogas psicodélicas?

"É uma experiência inefável — palavras como as que estamos usando agora não são suficientes", diz Steve à BBC. "Com a primeira dose, senti uma alegria como nunca experimentei — pela primeira vez, pude ser eu mesmo".

Mas a segunda dose do teste, acrescenta ele, foi muito sombria.

Steve, que agora está na casa dos 60 anos, foi diagnosticado com depressão há mais de 30 anos.

Os antidepressivos tradicionais simplesmente não funcionaram para ele.





Essas drogas atuam aumentando os níveis de uma substância química chamada serotonina no cérebro. A serotonina, conhecida como "hormônio da felicidade", é um dos mensageiros químicos que transmitem sinais de uma parte do cérebro para outra; baixos níveis de serotonina têm sido associados à depressão desde a década de 1960.


Segundo Steve, os antidepressivos tradicionais o faziam se sentir como um "zumbi funcional" (foto: Jane Heritage)

Mas enquanto as drogas antidepressivas que "corrigem" o desequilíbrio da serotonina anestesiavam o impacto dos pontos baixos de Steve — pontos baixos que ele disse que muitas vezes podem fazê-lo sentir que sua vida era completamente inútil — elas também anestesiavam os altos.

"(Quando estava tomando essas drogas) simplesmente não havia cor — nenhuma alegria na minha vida. Você acaba vivendo como um zumbi funcional."

Steve tomou a difícil decisão de abandonar as drogas. Ele continuou seu regime de longo prazo de meditação, ioga e corrida que, segundo ele, o ajudou a controlar sua depressão todos esses anos.





Mas quando ouviu uma entrevista no rádio sobre um novo experimento investigando o uso de psicodélicos para depressão, ele ligou para se voluntariar.

"Tive que esperar um ano, e os critérios de seleção foram muito difíceis."

Os participantes tiveram que mostrar não apenas que outros antidepressivos não tiveram sucesso no tratamento de sua depressão, mas que não tinham outros transtornos mentais, incluindo psicose, que pudessem tornar o uso de psicodélicos especialmente arriscado.


Steve, retratado aqui com sua filha, foi diagnosticado com depressão quando tinha 30 anos (foto: Jane Heritage)

Finalmente, após cuidadosa verificação e sob a supervisão de um terapeuta profissional, Steve recebeu sua primeira dose de psilocibina.





"Foi maravilhoso", lembra. "Eu me senti mais conectado comigo mesmo — foi extraordinário".


Yoga tem sido importante para Steve no controle de sua depressão (foto: Emily Walker)

"Minha vida mudou da água para o vinho".

O que Steve sentiu apareceu em exames cerebrais, segundo os pesquisadores.

Imagens dos cérebros dos participantes antes e depois de uma dose de "suco de cogumelo mágico" mostraram o que o pesquisador principal, professor David Nutt, do Centro Imperial de Pesquisa Psicodélica, descreveu como uma redefinição do cérebro.

As imagens mostraram que os psicodélicos induzem uma conectividade, a partir da qual diferentes regiões do cérebro se comunicam muito mais, revelando novas formas de pensar.

"Não tinha a sensação consciente de que meu cérebro estava 'embaralhado', mas certamente havia muito mais acontecendo lá do que jamais poderia imaginar", lembra Steve.





Sua segunda experiência com psilocibina, porém, foi muito mais difícil.

"Tive que lutar com esses sentimentos e emoções que costumo suprimir".

"Então, a segunda sessão, embora tenha sido um trabalho árduo, provavelmente foi terapeuticamente mais útil, porque tive que lidar com as coisas que não tinha lidado antes".

O professor Nutt está fazendo campanha para que essas drogas ilegais sejam reclassificadas para fins de pesquisa, a fim de tornar experimentos como o dele menos complicados legalmente — e para permitir o que pode ser uma "revolução" no tratamento da depressão, em suas próprias palavras.

Conectividade cerebral


Conexões entre diferentes regiões do cérebro aumentaram em pacientes deprimidos que receberam psilocibina (foto: Getty Images)

Mas a droga - tanto Steve quanto o professor Nutt enfatizam - não faz mágica contra a depressão.





No experimento, o tratamento foi combinado com terapia profissional. O trabalho em andamento no Centro de Pesquisa Psicodélica e em outros lugares está focado no desenvolvimento e teste seguro de novos protocolos terapêuticos, maneiras de combinar o tratamento medicamentoso com a terapia para tratar a depressão de uma nova maneira.

"A droga nos dá parte de um processo de cura. Ela expõe o paciente a diferentes possibilidades — outra maneira de ser", diz Steve.

O verdadeiro desafio, acrescenta ele, começa após a experiência e precisa da orientação de um terapeuta para torná-la significativa.

"Uma coisa é desenvolver uma droga, mas precisamos de protocolos para ajudar pessoas como eu", diz Steve. "Mas não trocaria a experiência por nada — foi maravilhoso — e não acho que vou experimentar algo assim novamente."





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